Gestão da pesca por planos de manejo é a solução para o setor, afirmam cientistas - Oceana Brasil
Inicio / Comunicados de Prensa / Gestão da pesca por planos de manejo é a solução para o setor, afirmam cientistas

Gestão da pesca por planos de manejo é a solução para o setor, afirmam cientistas

Julho 8, 2015

A solução para a pesca no país é o foco na gestão por planos de manejo. A posição foi defendida por especialistas que participaram do painel “Situação da Pesca e seus Desafios”, realizado no segundo dia do I Simpósio Internacional sobre Manejo de Pesca Marinha no Brasil, promovido pela Oceana.

O professor e pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí (SC), Dr. Paulo Pezzuto, afirmou que é preciso sair do atual modelo de gestão por medidas pontuais. “Essa gestão é falha, sem mecanismos de acompanhamento, de aferição de resultados e revisão de conteúdo; altamente suscetível a pressões políticas, sociais, econômicas; e está à mercê de um processo de judicialização constante”, acredita. Ele fez palestra sobre a situação da pesca industrial no Brasil.

Além disso, a definição da gestão por planos de manejo precisa ser feita em consulta com os pescadores artesanais e outras partes interessadas, afirmou a Dra. Beatrice Padovani, professora da Universidade Federal de Pernambuco. Durante sua palestra sobre a situação da pesca artesanal no país, ela afirmou que “esses homens e mulheres têm sido impactados diretamente por decisões de ordenamento e não estão sendo ouvidos ou sequer considerados. O que acaba por afetar também a própria atividade pesqueira no país. Isso tem que mudar”, conclui.

Para o diretor do Departamento de Biodiversidade, Mar e Antártica do Ministério do Meio Ambiente, Ugo Vercillo, a pesca excessiva é hoje a principal ameaça à conservação das espécies marinhas. Além das pesca excessiva, ele lembrou que o Brasil vive hoje o desafio de criar um ciclo virtuoso para o uso e a conservação das espécies. Para esse ciclo ser consolidado é necessário informação, ordenamento, fomento e controle, segundo ele. Entretanto, nenhum desses elementos está sendo observado. “Não há informações de bordo dos navios pesqueiros, diagnósticos, monitoramento e estatísticas de desembarque”, afirma Vercillo. A solução, segundo ele, seria fortalecer um programa nacional para coleta de dados, com responsabilidades compartilhadas entre vários setores relacionados à pesca e ao meio ambiente.

Falta de dados

Dr. Pezzuto destacou também o problema da falta de dados e de pesquisa sobre a pesca. “O Brasil não dispõe de um centro governamental de levantamento de dados atuais sobre pesquisa pesqueira. Há 114 grupos de pesquisadores cadastrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sendo que 26 têm mais da metade de suas linhas de pesquisa focadas em pesca marinha; 12 são formados exclusivamente por pesquisadores da área; e nove têm formação e perfil diversificado de atuação, abrangendo mais da metade dos grandes temas ligados à pesca”, relatou.

Segundo o pesquisador, é preciso priorizar o monitoramento pesqueiro no Brasil e fortalecer os comitês de gestão para revigorar o setor. “Ou se estabelecem novos marcos legais que organizem o compartilhamento de informações entre universidade e pesquisadores e setor produtivo de forma mais eficaz, transformando isso num politica para pesca, ou vamos ficar no patamar onde estamos, sem avançar em nenhum ponto”, disse.

O diretor do Departamento de Monitoramento e Controle da Pesca e Aquicultura do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), José Augusto Aragão, citou palestra do Dr. Daniel Pauly, especialista da Universidade de British Columbia, concordando que há subestimação dos dados da atividade, ‘inclusive no Brasil’. Segundo Aragão, a desativação das estatísticas no setor da pesca no país começou em 2008. Para levantar e recuperar os números, o MPA tem feito repasses, lançado editais e realizado projetos. Além disso, o governo federal investirá também no automonitoramento, afirmou. Declarou ainda que o ministério está redirecionando o foco da pesquisa para os recursos pesqueiros.

Ordenamento

Em relação ao ordenamento, há, segundo Vercillo, uma gestão inoperante, porque os sistemas de gestão compartilhada não estão estruturados. Exemplo disso é que só existem dois CPGs (Comitês Permanentes de Gestão da Pesca). Ele defendeu o fortalecimento dessa estrutura para que a gestão funcione adequadamente.

O secretário de Planejamento e Ordenamento da Pesca do MPA, Dr. Fábio Hazin, disse que “não dá para fazer gestão em gabinete. Isso está no passado. Temos que reunir todos os gestores para que todos tenham oportunidade de participar. Só assim a atividade pesqueira no Brasil vai funcionar”. Ele reiterou a informação que o MPA investirá na criação e funcionamento de 12 CPGs ainda este ano e informou que será publicado no segundo semestre um edital público, por meio do (CNPq), para retomar os trabalhos dos subcomitês científicos dos CPGs.

O secretário também falou sobre as diretrizes do MPA. Dentre elas, aumentar a geração de emprego e a produção, reduzindo as perdas e agregando valor ao produto. Segundo ele, no Brasil há um desperdício elevado e um problema grave de qualidade no pescado, o que faz com que o produto perca valor. Ele citou a lagosta brasileira como exemplo. “A nossa lagosta tem um valor de mercado para exportação baixo por causa da qualidade”, informou.

Dr. Hazin disse que o país está investindo muito em pesquisa científica, vai informatizar os mapas de bordo para assegurar a sustentabilidade e recuperação dos estoques, e está inserido no projeto da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) para a redução do desperdício na pesca.

O secretário informou ainda que o ministério, até o final do ano, fará dois workshops, e em agosto estará disponível no site do MPA um convite a pesquisadores nacionais que tenham interesses em participar dos subcomitês científicos.

Fomento

Em relação ao fomento, Ugo Vercillo aponta que um dos principais problemas é a sua dissociação do ordenamento. Ele defende que as políticas de fomento estejam alinhadas com o ordenamento pesqueiro e que também haja apoio para “iniciativas que agreguem valor aos produtos sustentáveis”.

Sobre a fiscalização, o diretor do MMA defendeu a integração das ações de todos os órgãos envolvidos e a ampliação dos recursos disponíveis para esse fim, como forma de aumentar sua eficiência. “O desafio é fazer com que o ciclo funcione de forma integrada e harmônica, para que se alcance os objetivos de conservação da biodiversidade que são a preservação, o uso sustentável e repartição de benefícios”, conclui.

Cotas

Para que as mudanças esperadas ocorram no setor da pesca, todos os envolvidos devem querer as mudanças. “Não bastam apenas boas ideias”, declarou o cientista-chefe da Oceana, Michael Hirshfield. Ele destacou que “ninguém de fora pode dar soluções. A solução tem de vir de dentro do Brasil. Em simpósios, como esses, é possível dar seguimento a essas questões”.

Na ocasião, Hirsfield destacou na gestão da pesca a importância das pessoas e a definição de limites para cada pescaria. Ele explicou o funcionamento das cotas, ou limites máximos de captura por pescaria. Para ele, o estabelecimento de cotas precisa estar alinhado com as recomendações dos cientistas. “É importante ter cotas para o máximo de espécies, mas elas não resolvem tudo e não substituem outras medidas”, alertou. “Temos que encontrar o equilíbrio. A grande questão dos cientistas é como ter o máximo de peixes e crustáceos sem que suas populações entrem em colapso”.

Para Michael, além da captura existem outros fatores que afetam a abundância das espécies, como as condições do habitat, a interação com outros peixes, outros componentes do ecossistema. “Cada parte tem seu papel”, completou.

Pesca industrial

Dr. Pezzuto explicou que a pesca industrial brasileira se dá em plataforma continental, com maior força nas regiões Norte e Sul do país. Apesar de possuir 8,5 mil km de extensão costeira, a produtividade de peixe no Brasil é baixa, se comparada aos demais países. A frota brasileira totaliza 1665 embarcações, segundo dados do Ministério da Pesca de 2013.

Do total de pescadores industriais (8.843), 6.571 estão na região Sul do país, 1.670 no Sudeste, 311 no Norte e 291 no Nordeste brasileiro. Já a produção marinha desembarcada em 2007 foi de 539,9 mil toneladas no ano. Desse total, 277 mil toneladas de pescado foram capturadas pela frota industrial, e 262 mil toneladas pela frota artesanal.

O vice-presidente do Sindicato da Pesca de Itajaí (SINDIPI), Fernando Pinto das Neves, fez um comparativo entre os custos da atividade pesqueira e o valor da venda do pescado pelo produtor e revelou que os custos da atividade aumentaram em 200%  nos últimos dez anos. Segundo ele, as causas foram: aumento das importações de pescado, questões tributárias, estabilidade cambial e ausência de fiscalização sanitária, entre outros. Apesar do grande volume de importações, Neves diz que ela é necessária, uma vez que o Brasil consome mais peixe do que produz. “Mas a importação não pode ser feita sem fiscalização e o preço do produto tem de ser justo”, afirmou.

Pesca artesanal 

Na sua apresentação, a Dra. Padovani explicou que a pesca artesanal é uma atividade econômica importante desde o descobrimento do Brasil, no século XVI. Segundo definição do MPA, é uma atividade baseada na simplicidade, na qual os próprios trabalhadores desenvolvem seus instrumentos de pesca, auxiliados ou não por pequenas embarcações como canoas e jangadas. Atualmente, a pesca artesanal responde por 45% do total da atividade pesqueira no país, mas na verdade pode representar até 70% de toda a atividade, já que desde 2007 não há dados de monitoramento, lembrou ela.

Cerca de meio milhão de pessoas trabalham nessa atividade e representam 90% do total da força de trabalho do setor. “Entretanto, apesar desses números expressivos, essas pessoas não têm sido ouvidas e têm sido ameaçadas pela perda de seus territórios”. Segundo ela, os pescadores possuem um conhecimento empírico valioso. Ela cita como exemplo o caso de duas espécies de tainhas que foram reconhecidas cientificamente este ano, entretanto, desde 2008 já eram conhecidas e relatadas pelos pescadores.

Dra. Padovani traçou um cenário preocupante para essas comunidades, que estão sendo impactadas diretamente pela pesca ilegal, pelo turismo, pela poluição urbana e industrial, além do deslocamento de frotas de navios pesqueiros para áreas da pesca artesanal.

A secretária executiva do Conselho Pastoral dos Pescadores, Maria José Pacheco, afirmou que o setor pesqueiro no Brasil está “doente” e propôs a garantia de direitos territoriais como forma de manter as comunidades tradicionais pesqueiras e sua cultura, além de conservar o habitat das espécies marinhas com a menor intervenção possível.”É preciso investir nas comunidades pesqueiras, nas melhorias de condições sanitárias e estruturais, para que essas pessoas consigam superar os atravessadores, vender melhor e chegar à mesa do brasileiro com um pescado de mais qualidade”, acredita. “É primordial investir no fortalecimento da cadeia produtiva, principalmente no beneficiamento e na comercialização do pescado, inclusive com uma fiscalização efetiva com a participação das comunidades”.

Para Maria José, a gestão compartilhada, descentralizada, regionalizada e sistêmica da pesca artesanal é fundamental para o desenvolvimento do setor. No entanto, é preciso reconhecer que o conhecimento tradicional é fonte de informação para a construção das medidas efetivas e eficientes de manejo.

Pesca em águas profundas

O professor e pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí, Dr. José Angel Alvarez Perez, traçou um panorama sobre a pesca em grande profundidade, conhecida também como demersal de profundidade. Em sua palestra, Dr. Perez descreveu a evolução da pesca profunda no Brasil desde a década de 1990, as embarcações utilizadas e quais espécies eram mais capturadas nesse tipo de pescaria.

Para ele, a pesca demersal trouxe muitos prejuízos às espécies-alvo. Ele explicou que houve uma grande redução da oferta de peixes, principalmente depois que o Brasil começou a arrendar barcos da frota internacional para pescar em nossas águas. Segundo dados coletados pelo pesquisador da UNIVALI, 37 embarcações fizeram a pesca de profundidade na costa brasileira, entre os anos de 2000 e 2007. Mais de 70% dessas embarcações focaram suas atividades na região Sudeste.

Outro dado apresentado pelo Dr. Perez foi de que a área varrida pela pesca em profundidade nos chamados taludes cresceu ao longo do tempo. “O que significa que houve um aumento da atividade nessa região”, concluiu. Ele calcula que 80% das espécies que frequentemente são encontradas em águas profundas estão com uma vulnerabilidade acima da média.

Para o pesquisador, se houvesse um modelo de gestão espacial, em que se conseguisse identificar as áreas ecologicamente importantes e direcionar a pesca por áreas e não por frotas ou por espécies, o controle desse tipo de pesca seria bem mais eficaz. “É preciso ter objetivos mais definidos, indicadores de desempenho, regime de monitoramento eficiente para que seja implementada a gestão espacial. É disso que precisamos”, acredita.