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A pesca brasileira está entrando em colapso? Sem estatísticas oficiais, ninguém sabe

Fevereiro 20, 2017

O Brasil é uma das nações pesqueiras mais produtivas do mundo, mas os dados básicos sobre volumes desembarcados, que espécies ou quantos barcos estão em operação são difíceis de obter. Isso porque a última vez que o governo brasileiro coletou dados em escala nacional sobre suas pescarias foi há quase uma década. Essa falta de dados ameaça diversos recursos de importância comercial, espécies ameaçadas de extinção e as milhões de pessoas que dependem dos oceanos e mares para alimentação e renda, pela falta de gestão.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), o Brasil ocupa o 26º lugar no ranking mundial em captura de peixes na natureza. Cerca de 3,5 milhões de pessoas dependem direta ou indiretamente da pesca e da aquicultura no país. No entanto, a última vez que o governo brasileiro publicou dados oficiais sobre a pesca em nível nacional foi em 2011, usando os dados coletados em 2008.

“A pesca têm grande importância socioeconômica e precisamos de dados para apoiar a tomada de decisões e o desenvolvimento de políticas públicas para esses setores”, disse Antônio Lezama, diretor de conservação da Oceana no Brasil.

A falta de dados pesqueiros entrou em debate público no final de 2014, quando o Ministério do Meio Ambiente publicou uma lista vermelha contendo 475 espécies de peixes e invertebrados aquáticos ameaçados, que incluiu muitos peixes marinhos de importância comercial. A lista criou uma disputa entre conservacionistas e pescadores e, por isso, foi suspensa e restaurada pela justiça, várias vezes depois de sua publicação.

Para Mônica Peres, diretora da Oceana, a gestão pesqueira do país está com uma venda nos olhos. “Explorar nossos recursos naturais cegamente só levará nossas pescarias ao colapso”, disse ela.

Em dezembro, a Oceana lançou uma campanha chamando a atenção para essa questão. A iniciativa mobilizou a população do país a enviar mensagens aos ministros do Meio Ambiente e da Agricultura, solicitando-os a retomar a produção e divulgação de dados para embasar a gestão da pesca.

São Paulo: A exceção, não a regra

“A única forma de fazer uma avaliação das políticas públicas é através da coleta de dados”, disse Antônio Olinto, coordenador do Programa de Monitoramento Pesqueiro do Instituto de Pesca de São Paulo. “Se você estabelecer, por exemplo, uma época de defeso, como você sabe se ele está mesmo funcionando? Como você pode saber se a sua estratégia de gestão é adequada?”

São Paulo, por meio do Instituto de Pesca, é o único estado brasileiro que tem monitorado continuamente suas pescarias desde 1960. O trabalho do Instituto é tão crucial para o setor pesqueiro que, segundo Olinto, os próprios pescadores artesanais utilizam os seus registos como documentos oficiais sempre que têm de provar as suas capturas, rendimentos e dias de trabalho.

“Nossos dados são a principal fonte de referência para muitos outros órgãos governamentais, como administrações municipais e agências de conservação estaduais”, disse ele.

Apesar de São Paulo manter bom monitoramento dos desembarques pesqueiros no estado, Olinto ressalta que a pesca oceânica exige esforços nacionais. “O mesmo robalo capturado em São Paulo também é pescado em Santa Catarina e no Rio de Janeiro. Os nossos dados são de grande importância, mas são incompletos.”

A ironia do petróleo

Paradoxalmente, a exploração de petróleo marinho na Bacia de Santos, na metade sul da costa brasileira, proporcionou uma oportunidade para um dos maiores esforços regional de coleta de dados em anos.

O Projeto de Monitoramento da Atividade Pesqueira (PMAP) reúne institutos de pesquisa de quatro estados brasileiros — Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina — para produzir um censo pesqueiro da bacia. Esta iniciativa é financiada pela Petrobras para cumprir uma exigência de seu processo de licenciamento ambiental.

“Esses dados fornecerão a imagem mais precisa do setor pesqueiro na região da Bacia de Santos até o momento”, disse Paulo Ricardo Pezzuto, professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), em Santa Catarina, líder do projeto.

Pezzuto espera que o PMAP tenha uma vida própria depois de sua conclusão. “Nosso objetivo é que esses dados tenham muito mais uso do que apenas o licenciamento ambiental. Deve ser essencial para subsidiar muitas outras análises científicas”. Embora o PMAP esteja programado para terminar em 2018, um site com os dados do projeto será disponibilizado ainda em 2017.

Ele ponderou a ironia de um projeto de monitoramento tão grande acontecer como um ramo da exploração de petróleo. “Obviamente, não podemos ter um setor econômico inteiro dependente de um único processo de licenciamento ambiental”, disse Pezzuto. “Este projeto é extremamente importante, e graças a Deus está acontecendo, mas deve ser concebido, planejado e financiado pelas autoridades públicas competentes, nesse caso do Ministério da Agricultura e do Ministério do Meio Ambiente”.

A Oceana defende a criação de um instituto federal de pesquisa pesqueira, que seria responsável pela coleta e análise dos dados da pesca, além das recomendações científicas — um modelo adotado em países como o Chile, que na opinião de Lezama possui boas práticas de manejo.

“Também poderíamos desenvolver a capacidade e a autonomia dos estados costeiros para manejar as pescarias marinhas de pequena escala”, disse Peres. “Os órgãos federais poderiam, por exemplo, ser responsáveis pela padronização, sistematização e divulgação dos dados coletados pelos estados e pelo desenvolvimento de diretrizes e critérios para a gestão da pesca costeira nos estados. O Brasil é um país enorme e me parece impossível ter toda a gestão pesqueira centralizada em apenas uma secretaria no Distrito Federal”.

Olinto acrescenta que a força das instituições do Estado e a estabilidade das equipes também são de extrema importância para o monitoramento contínuo — para ele, foi isso que manteve o programa de monitoramento do Instituto de Pesca paulista nas últimas seis décadas. “Em todos esses anos, talvez seis ou sete pessoas coordenaram esse processo. No extinto Ministério da Pesca, as equipes eram trocadas seis ou sete vezes por ano. O monitoramento estatístico é um processo de longo prazo. Precisamos ter continuidade para que funcione.”