O rumo certo das cotas com base científica para pesca da tainha
Abril 9, 2020
Foto: Bento Viana | OCEANA
A Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP) publicou, na segunda-feira (6), as regras para a safra da tainha 2020 nas regiões Sudeste e Sul. Foram estabelecidas as cotas de captura em 627,8 toneladas para a frota industrial de cerco/traineira e 1.196 toneladas para frota de emalhe anilhado de Santa Catarina. Esse volume representa uma redução de 72% na cota da pesca industrial em relação a 2018. No entanto, existem pontos positivos e negativos nas normas divulgadas nesta semana.
Do lado positivo, a SAP, ao promover nova avaliação de estoque para calcular as capturas sustentáveis para a safra atual da tainha, demonstra ter compreendido a importância e incorporado o sistema de cotas como ferramenta de gestão. Esta é a primeira vez que o governo investe em estudos técnicos para definir limites de captura, o que é um sinal positivo para quem, baseado nas melhores experiências internacionais, acredita em gestão pesqueira com base científica.
São também significativas e bem-vindas as reduções de 80% no número de licenças e de 72% na cota industrial.
Dentre os aspectos negativos ainda está a transparência. Muito embora tenha sido feita com recursos públicos, a avaliação de estoque contratada pelo governo federal não foi divulgada ou submetida* – como acontecia à época dos Subcomitês Científicos – a uma validação por outros especialistas e com participação do público interessado que constituía os Comitês Permanentes de Gestão da pesca (CPGs).
Aliás, os CPGs seguem extintos desde o ano passado, mesmo com todas as reivindicações da sociedade civil, academia e setor pesqueiro. Nesse aspecto, o tempo passa e não há nenhum avanço.
Vivemos tempos globalmente difíceis com a pandemia de Coronavírus (COVID-19), uma emergência de saúde pública sem precedentes. A população está em isolamento social, estabelecimentos estão fechados. A crise econômica já afeta os mais diversos setores, mercados e logística de distribuição. A cadeia da tainha também foi impactada. Consumo interno e exportação estão claramente comprometidos.
No cenário atual e levando em conta os excessos de captura das safras anteriores, o passo certo da Secretaria de Pesca seria o fechamento total da pescaria industrial neste ano. Liberar uma pesca industrial com cota tão pequena pode levar a pescaria a uma condição de “perde-perde”, pois tem poucos benefícios econômicos e sociais, ao mesmo tempo, ainda tem riscos ambientais.
As regras estabelecidas na Instrução Normativa Nº 7, de 3 de abril de 2020, com tamanha restrição, exigirão uma complexa rede de monitoramento e fiscalização para fazer valer um limite tão reduzido. Caso contrário, poucos barcos autorizados poderão abrir caminho para uma grande corrida ilegal pelo peixe – prejudicando os estoques e o próprio futuro da pescaria.
Outro aspecto importante é a retomada urgente dos CPGs. O sistema de cotas na pesca da tainha exigiu nas últimas safras uma atuação precisa e intensa do Comitê de Acompanhamento de Cotas, do CPG e do Subcomitê Científico. Este ano, com os colegiados suspensos, como será feito esse acompanhamento? Essas questões precisam ser solucionadas, pois o funcionamento do sistema de cotas depende dessas instâncias.
*Até a data de publicação este artigo, a avaliação de estoque da tainha realizada pelo governo não tinha sido disponibilizada.
Artigo de autoria do diretor-geral da Oceana no Brasil, Ademilson Zamboni, publicado no dia 09/04/2020 na revista Seafood Brasil.