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Exploração de petróleo ameaça vida marinha e populações costeiras no litoral da Bahia, alertam especialistas

Agosto 21, 2019

A Conexão-Abrolhos, uma coalizão formada por organizações socioambientais que atuam na conservação marinha no Brasil, lançou nesta terça-feira (20) um alerta para as empresas que pretendem participar da 16ª Rodada de Licitações de Blocos Exploratórios da Agência Nacional do Petróleo (ANP), prevista para 10 de outubro de 2019. 

Em caso de acidente com derramamento de óleo, os impactos podem se estender do litoral norte da Bahia, área de elevada sensibilidade ambiental, até a costa do Espírito Santo, incluindo toda a Região dos Abrolhos, colocando em risco o maior banco de corais do Atlântico Sul, manguezais, espécies ameaçadas de extinção, além da economia da pesca artesanal e do turismo na região. 

Em abril deste ano, o governo federal autorizou a inclusão de quatro blocos de exploração de petróleo e gás da bacia sedimentar de Camamu-Almada. Assinada pelo diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Décio Oddone, e pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, a autorização reconhece o risco de derrames acidentais atingirem “em curto espaço de tempo importantes áreas com espécies endêmicas e ameaçadas”. 

Ainda assim, libera a inclusão das áreas nas proximidades da Região dos Abrolhos, no litoral baiano, no pacote da 16a Rodada de Licitações. A decisão ignora a recomendação técnica do órgão ambiental de que a oferta dos blocos fosse precedida de estudos de caráter estratégico na forma de um licenciamento ambiental prévio. 

Sensibilidade ambiental

O diretor-geral da Oceana Brasil, o oceanógrafo Ademilson Zamboni, explica que as cartas de sensibilidade ambiental a derramamentos de óleo, instrumento do próprio governo, essenciais para planejar ações em caso de acidentes, classificam a região como sendo de alta sensibilidade. “É difícil acreditar que investidores comprometidos com o desenvolvimento sustentável e mesmo com a segurança de seus negócios possam ignorar esse fato. Trata-se de risco para o meio ambiente, para as atividades produtivas e para a vida das pessoas”, alerta Zamboni.

Além da Oceana Brasil, são membros fundadores da Conexão Abrolhos a Conservação Internacional (CI-Brasil), Rare, SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil.

Nesta semana, as organizações divulgaram um mapa que mostra a extensão da mancha de óleo de um eventual vazamento com a exploração petrolífera (veja abaixo). “Explorar petróleo em áreas que ofereçam risco para a região seria uma inconsequência, tanto para imagem e reputação das empresas interessadas, quanto para o ambiente marinho e para cerca de 100 mil pessoas que vivem do turismo e da pesca na região”, alerta Guilherme Dutra, diretor de Estratégia Costeira e Marinha da Conservação Internacional (CI-Brasil).

A região abriga a maior biodiversidade marinha do sul do Oceano Atlântico e a principal área de reprodução de baleias-jubarte, declarada em 2002 pelo Ministério do Meio Ambiente de “Extrema Importância Biológica”, e considerada prioritária para a conservação da biodiversidade marinha.

Extensão da mancha de óleo, em caso de vazamento, e os novos poços: quanto mais escura a mancha, maior o risco de dano (Fonte: CI-Brasil)

Insegurança jurídica

O processo está cercado de insegurança jurídica, afirma o grupo, que divulgou um documento contando o histórico de tentativas de exploração de petróleo próximo a Abrolhos e os riscos da atividade para todo o ecossistema marinho da região. 

Houve precedente na foz do rio Amazonas, em que uma petroleira francesa teve a licença ambiental negada para exploração de petróleo na região, mesmo tendo desembolsado cerca de R$ 250 milhões como bônus pago ao governo para participar do leilão.

Camamu-Almada já registra atividade da indústria de petróleo, mas ainda não produz óleo. O campo de Manati, operado pela Petrobras e pela Queiroz Galvão, produz o equivalente a 30% da demanda de gás natural do país e outros quatro campos estão em desenvolvimento para a produção de óleo e gás. A agência reguladora contabilizou a perfuração de 120 poços na bacia até fevereiro de 2019.

A maior biodiversidade marinha do Brasil

Cento e setenta anos antes de a região dos Abrolhos ser declarada pelo Ministério do Meio Ambiente de “Extrema Importância Biológica”, o então muito jovem naturalista inglês Charles Darwin, pai da Teoria da Evolução das Espécies, passou pelo arquipélago a bordo do veleiro Beagle e anotou que, além da variedade de espécies nas ilhas, o fundo do mar em volta delas era coberto por enormes corais-cérebro (CI, 2014). 

O coral-cérebro (Mussismilia braziliensis) avistado por Darwin é uma espécie endêmica dessa região e forma estruturas muito características dos recifes dos Abrolhos; com forma de cogumelo, eles podem chegar a 50 metros de diâmetro e 25 metros de altura. O Complexo de Abrolhos é reconhecidamente a área mais extensa e biologicamente mais rica de recifes de corais no Oceano Atlântico Sul. Os recifes são distribuídos em dois arcos, um costeiro, localizado entre 10 e 20 quilômetros da costa, e outro externo, a cerca de 70 quilômetros, ao lado leste das ilhas de Abrolhos. 

Ali ocorrem outras espécies endêmicas, além do coral-cérebro, como crustáceos e moluscos, tartarugas, aves marinhas e cetáceos ameaçados de extinção. Abrolhos também é conhecida como principal área de reprodução de baleias-jubarte nessa região do Oceano Atlântico. Levantamento da biodiversidade do Banco de Abrolhos publicado em 2006 pela Conservação Internacional contabiliza 1,3 mil espécies, 45 delas consideradas ameaçadas de acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, da sigla em inglês) e o Ibama.

Os manguezais são outro ecossistema muito presente e de grande importância ao longo do litoral da região, especialmente na Bahia. São ecossistemas considerados berçários da vida marinha e possuem grande produtividade, sendo fundamentais para a produção pesqueira artesanal na região. Possuem também papel importantíssimo na absorção de carbono da atmosfera e na proteção da linha de costa contra tempestades e inundações, sendo cruciais para enfrentar a crise climática que vivemos. Assim como os recifes de corais, são ecossistemas de grande sensibilidade aos vazamentos de óleo no mar, podendo nunca se recuperar de acidentes de maiores proporções. 
 
Os recifes de corais são parcialmente protegidos pelo Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, criado em 1983, e pela Reserva Extrativista (RESEX) Marinha de Corumbau, criada em 2000. Já os manguezais são protegidos principalmente pelas RESEX Canavieiras e Cassurubá. Todas têm grande impacto positivo nas atividades de turismo e pesca sustentáveis na região. O turismo e a pesca são a principal fonte de renda para mais de 100 mil pessoas na região. São atividades já estabelecidas que podem ser seriamente impactadas pela exploração de óleo, no caso de um acidente ambiental.

“A conservação dos ambientes costeiro e marinho da região de Abrolhos é fundamental para geração de emprego e renda.  Tanto a pesca quanto o turismo de observação da natureza são atividades que movem a economia da região, espelhando o que ocorre em outros países. Em todo o mundo, a contribuição direta dos corais para indústria do turismo é de 36 bilhões de dólares por ano, além de subsidiar a criação de seis milhões de empregos diretos relacionados à pesca, gerando seis bilhões de dólares anuais em receita”, destaca Anna Carolina Lobo, gerente do Programa Mata Atlântico e Marinho, do WWF-Brasil.