Excesso de captura exige medidas para proteger o estoque sul da tainha
Outubro 14, 2016
De acordo com o levantamento, o tamanho da população da tainha na região estudada está abaixo da população ótima e, além disso, sofre sobrepesca, quer dizer, está com uma mortalidade por pesca alta demais, acima do nível sustentável. De acordo com a diretora da Oceana, Mônica Peres, as conclusões do estudo apontam para a necessidade de o Brasil implementar uma cota máxima de captura anual para a tainha, prática que já é adotada com sucesso em outros países.
A situação da pescaria da tainha, segundo Mônica, pode ser entendida por meio de uma analogia com uma caderneta de poupança. “Estamos fazendo retiradas maiores que o rendimento, consumindo o dinheiro original de nossa aplicação”, diz. “Nossos esforços de captura estão acima do que a tainha consegue repor, comprometendo os estoques e a própria sustentabilidade dessa atividade econômica”, completa.
A pesca de tainha é uma atividade tradicional nessas regiões, com grande importância econômica, social, cultural e de segurança alimentar.
O Brasil tem uma das maiores pescarias de tainha do mundo, responsável pela mobilização de uma frota industrial significativa e de milhares de pescadores artesanais. Entre 2000 e 2015, os desembarques totais registrados de tainha desde São Paulo até o Rio Grande do Sul variaram de 2 a 13 mil toneladas/ano de peixe fresco para consumo interno. De 2007 a 2013, essa pescaria produziu entre 170 e 600 toneladas/ano de ovas (botarga) e moelas de tainha processadas para exportação, sendo responsável pela movimentação de algo entre 3,5 e 10 milhões de dólares anualmente.
Além disso, parte das capturas provenientes da pesca artesanal é usada diretamente na alimentação de comunidades pesqueiras nas planícies costeiras, não chegando a ser computada nas estatísticas oficiais de produção.
Limite
O estudo da Oceana será apresentado ao governo e ao setor pesqueiro nos dias 20 e 21 (quinta e sexta-feira), durante encontro do Comitê Permanente de Gestão (CPG) Pelágicos — que inclui a tainha — na sede do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), em Brasília. O CPG é composto por representantes governamentais, entre eles o MAP A e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que, juntos, são responsáveis pelos regramentos que orientam a gestão da pesca no Brasil.
O estabelecimento de limites máximos de captura anual, ou cotas, é uma forma de manejo ao mesmo tempo biológica e econômica. “Os pescadores e a indústria precisam saber quanto de peixe eles vão poder produzir e quanto será necessário ou possível investir em seu negócio. Isso dá estabilidade e equilíbrio à produção pesqueira e à atividade econômica. Ao mesmo tempo, protege o estoque, o recurso natural, evitando que ele seja explotado além do seu limite. A cota é uma das principais ferramentas de manejo usadas em todos os países que ordenam bem suas pescarias. Além disso, o limite máximo de captura é o melhor ponto de referência para o plano de manejo de um estoque pesqueiro, sem prejuízo às outras medidas”, diz Mônica Peres.
O estabelecimento de cotas, de acordo com a proposta da Oceana, deve ser incluído no Plano de Gestão da Tainha, aprovado pelos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Pesca e Aquicultura (MPA), por meio da Portaria Interministerial número 03, de 14 de maio de 2015. Em outubro de 2015, com a extinção do MPA, as ações da pasta foram migradas para a Secretaria de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). A tainha é a única espécie, no Brasil, que conta com um plano desse tipo.
“É um documento importante. Estabelece condições, períodos e equipamentos permitidos para a pesca da tainha, entre outros aspectos. Entretanto, um plano como este precisa estar aberto para agregar novas informações e orientações de manejo. A existência, agora, de uma avaliação de estoque, permite que se agregue a definição de cotas de captura, o que permitiria um planejamento mais consistente, tanto do esforço de pesca realizado por pescadores artesanais e industriais quanto da fiscalização dos órgãos responsáveis”, diz Mônica Peres.
Vulnerabilidades
A tainha é muito vulnerável à atividade de pesca. É uma espécie com vida relativamente longa e maturação sexual tardia. A espécie é capturada em todos os estágios da vida. Quando juvenis, nas lagoas e estuários. Na fase adulta, no oceano. A safra da tainha se dá justamente durante o período reprodutivo, quando os peixes formam grandes cardumes, saem dos estuários e migram ao longo da costa para desovarem no mar.
“Por causa dessa característica de formar densos cardumes, a tainha torna-se muito vulnerável às frotas pesqueiras e a limitação de esforço de pesca pode não ser suficiente para garantir a sustentabilidade dessa pescaria ao longo do tempo”, observa a diretora da Oceana.
De acordo com a Oceana, existe ainda um risco de a diminuição do estoque de tainha estar subestimada, por causa da baixa qualidade dos dados e por causa de um fenômeno conhecido como hiperestabilidade: uma aparente estabilidade do rendimento da pesca, mesmo quando a abundância populacional está diminuindo. “A hiperestabilidade ocorre quando se explora uma espécie que forma grandes cardumes, como é o caso da tainha. À medida que a população é removida, os cardumes tornam-se cada vez mais densos, aumentando a capturabilidade da espécie, fazendo com que a produção pesqueira mantenha-se constante ou até mesmo aumente, apesar do estoque enfrentar diminuição”, explica Mônica Peres.
As medidas de proteção à tainha, de acordo com a diretora da Oceana, precisam ser implementadas o quanto antes para evitar que os estoques continuem sofrendo sobrepesca, o que pode colocar em risco a atividade. “Se isso acontecer, vamos chegar a um ponto em que negócios, empregos, renda, subsistência e segurança alimentar de milhares de famílias estarão ameaçados. Isso sem contar o impacto ambiental e ecossistêmico que a diminuição dessa população poderia causar. É sempre mais fácil evitar a sobrepesca do que recuperar uma população colapsada”, diz.
O estudo da Oceana está disponível em brasil.oceana.org