A safra de tainha traz ansiedade e confusão todos os anos
Junho 15, 2016
A Oceana vem desde janeiro alertando o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) em reuniões e por meio de ofícios sobre os problemas que estavam por acontecer na safra de 2016 da tainha. Infelizmente, nada foi feito e, mais uma vez, assistimos a protestos do setor pesqueiro, pela demora na liberação das permissões de pesca industrial (traineiras) para a safra de tainha em 2016. Esse é mais um exemplo dos inúmeros problemas causados pela demora e intempestividade das decisões e pela falta de diálogo formal com a sociedade, que deveria se dar através dos CPGs (Comitês Permanentes de Gestão da Pesca).
A Portaria Interministerial do MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura) e do MMA (Ministério do Meio Ambiente) nº 4 de 14 de maio de 2015 regulamenta toda a pesca de tainha na região SE-S, definindo o início da safra para a pesca desembarcada em 1º de maio, para a pesca embarcada artesanal em 15 de maio e para a pesca embarcada industrial em 1o. de junho. Além disso, a norma limita um número máximo de embarcações industriais e prevê que, na ausência de dados e avaliações, haverá uma redução progressiva de 20% desse número ao ano. Essas e outras medidas fazem parte do Plano de Gestão da Tainha publicado pela Portaria Interministerial MPA-MMA nº 3 de 14 de maio de 2015.
Esse plano foi uma exigência da Justiça Federal para proteger a espécie e foi uma condição para permitir a pesca industrial de tainha em 2015. Apesar do Plano ter seus méritos, ele foi elaborado de forma atropelada pelos dois ministérios, sem consultas, e apresentado a convidados do setor pesqueiro, 15 dias antes do início da safra. Como não houve consenso em relação a vários pontos, ele foi aprovado em medida de urgência e ficou estabelecido que alterações das medidas previstas fossem discutidas no CPG da Pesca Pelágica do Sudeste-Sul ainda em 2015. Uma das propostas a serem discutidas para a safra de 2016 seria a implementação de um sistema de limite máximo de captura (conhecido como “sistema de cotas”), ao invés de uma redução anual no número de barcos.
Com a extinção do MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura) e a transferência das suas competências para o MAPA, os CPGs e os seus Sub-Comitês Científicos (SCCs) nunca foram implementados, e a atualização do Plano de Gestão da Tainha não foi discutida, mesmo existindo novos dados sobre a biologia e estado desse estoque, produzidos por diversos grupos e organizações científicas independentes. Esse também foi o motivo da demora do governo em definir os critérios e publicar a lista das 40 embarcações industriais permissionadas para tainha na safra de 2016, que só saiu ontem (14/06/2016), quatorze dias depois do início da safra. Esse tipo de situação é recorrente e é um bom exemplo de um problema grave que poderia ser resolvido de forma transparente, se o sistema de gestão da pesca previsto na legislação fosse estruturado.
É importante lembrar que a pesca da tainha (Mugil lisa) no sul do Brasil (SP, PR, SC e RS) é uma das safras mais importantes tanto para o setor artesanal como para o industrial. A espécie é muito abundante e usa os estuários como áreas de criação e alimentação e os adultos todos os anos saem dos estuários em grandes cardumes para o mar e realizam uma migração reprodutiva para desovar.
A safra de tainha é a pesca desses cardumes adultos em reprodução, que começa em março-abril no RS, chega entre maio-junho a SC e pode durar até julho, chegando a SP. As safras de tainha têm anos bons e anos ruins. Quanto mais frio o outono e inverno e com mais entradas de frentes frias ou “rebôjos” (como são conhecidas as entradas de frentes frias na região), maiores os cardumes e mais produtiva é a pescaria.
Se por um lado a espécie é abundante e apresenta várias estratégias de vida que a tornam resiliente, ou resistente, por outro lado a tainha é uma espécie bastante vulnerável à pesca excessiva por ter um desenvolvimento sexual tardio (em torno de 5 anos), viver muito e ser explorada exatamente durante a época de reprodução.
Em termos de manejo de pesca, o ponto mais delicado é que todos os pescadores, tanto os artesanais como os industriais, concentram seu esforço de pesca no período de abril a junho, quando os cardumes estão concentrados, migrando para a desova. Isso porque a maior intensidade da pesca se dá sobre os indivíduos ovados, já que as ovas são um produto de exportação com alto preço de mercado. Além disso, é muito difícil quantificar as diminuições do estoque ao longo do tempo porque as quedas de rendimento são mascaradas pela pesca sobre a população agregada. Ou seja, mesmo com o estoque diminuindo, os dados de captura podem continuar altos nos anos frios, ou “anos bons”, dando a sensação de que o estoque está bem.
Portanto, a tainha é um recurso importante e que precisa ter sua abundância mantida para gerar os imensos benefícios socioeconômicos, mas também é uma espécie difícil de manejar pelas características ecológicas e das centenas de diferentes pescarias que ocorrem na costa e nos estuários. Mas uma coisa é certa, temos que punir todos os que praticam pesca ilegal. É absurdo ter regras que não são cumpridas, e nesse sentido, os critérios definidos na Portaria MAPA nº 2 de 11 de maio de 2016 são adequados por prever a remoção dos barcos que praticaram pesca ilegal e não registrada no ano anterior. A Oceana parabeniza o MAPA por definir e implementar esses critérios.
Agora esperamos ter o quanto antes os CPGs e SCC funcionando, elaborando e discutindo e implementando com a sociedade os planos de gestão de cada pescaria. Toda atividade precisa de planejamento, tanto para garantir a sustentabilidade econômica, quanto para garantir a proteção dos nossos oceanos, que são nossa maior riqueza.