Ordenamento pesqueiro avança com a criação dos CPGs e enfrenta novos desafios
Setembro 3, 2015
Brasília – A criação dos Comitês Permanentes de Gestão (CPGs) cumpre uma etapa fundamental para o ordenamento pesqueiro no Brasil e representa um avanço enorme na representatividade social nesses fóruns de debate. Com isso, apresentam-se novos desafios a serem enfrentados e vencidos; e teremos que trabalhar juntos e aprender uns com os outros para melhorar a gestão pesqueira e a proteção das nossas riquezas naturais, a geração de empregos, renda e segurança alimentar da nossa gente. Essa foi a posição apresentada pela diretora geral da Oceana no Brasil, Monica Peres, na abertura do evento de lançamento dos CPGs, realizado na terça (01/09) no auditório do Ministério da Pesca e Aquicultura em Brasília. A Oceana representou as organizações da sociedade civil durante a cerimônia, que contou com a participação dos ministros da Pesca e Aquicultura, Helder Barbalho; do Meio Ambiente, Izabella Teixeira; e Ciência e Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo.
Foi publicada uma portaria que regulamenta o Sistema de Gestão Compartilhada e cria quatro novos CPGs: para Peixes Demersais (que vivem perto do fundo do mar) e Pelágicos (que vivem na coluna dágua e perto da superfície) da região Norte e Nordeste; para Camarões da Região Norte e Nordeste; para Peixes Demersais da Região Sudeste e Sul; e para Peixes Pelágicos da Região Sudeste e Sul. Foram criadas também duas Câmaras Técnicas, uma de Peixes Ornamentais e outra de Recursos Lagunares e Estuarinos. Os novos CPGs e CTs criados somam-se aos dois já existentes, o CPG de Atuns e Afins e o CPG de Lagostas.
“Este é um momento histórico, todas as pessoas que trabalham com pesca hoje estão comemorando”, destacou Monica Peres após o evento. “É importante ressaltar não só que os CPGs estão sendo criados, mas que houve também uma mudança importante na representação da sociedade nesses CPGs, o que é uma grande conquista de nós todos”. Os CPGs são órgãos consultivos paritários, com 50% de seus assentos reservados para o governo e 50% para o setor pesqueiro. “Lutamos muito para que fosse garantida a participação de ONGs e dos movimentos da pesca artesanal, o que traz uma representação mais adequada da sociedade. Com isso o governo conseguirá perceber e considerar as diferentes visões na tomada de decisão. É para isso que os CPGs são importantes!”.
Novos desafios
Para a diretora da Oceana, a criação dos CPGs abre novos desafios a serem enfrentados em várias frentes – participação, ciência, política, produção de informações e fiscalização.
O primeiro desafio, segundo Monica Peres, é definir os mecanismos para aumentar a capilaridade do debate, para que as comunidades em nível local e regional também consigam participar das discussões e, consequentemente, das decisões. “Porque o processo federalizado, centralizado em Brasília, é um grande problema para as pequenas ONGs e representações comunitárias. Existem vários fóruns legítimos, criados espontaneamente de baixo para cima como, o Fórum da Lagoa dos Patos, que existe há décadas, Fórum do Litoral Médio e Norte do RS, Fórum do Mar, Fórum do Espírito Santo e tantos outros. Seria bárbaro se essas vozes pudesse se juntar também de alguma forma”, afirmou ela.
Há também o desafio do amadurecimento da sociedade brasileira nesse debate. “Isso é fundamental para que os CPGs cumpram seus objetivos”, continuou Monica Peres. “É um desafio participar de um fórum dessa natureza. Foi difícil criar os CPGs, mas vai um grande aprendizado coletivo trabalhar dentro deles, porque os comitês trazem todos os conflitos de interesses para dentro da mesma sala, da mesma reunião. E encontrar soluções para todos esses problemas e conflitos vai demandar amadurecimento das representações e dos processos de discussão.”
Outro desafio, segundo a diretora da Oceana, é como irão trabalhar os subcomitês científicos ligados a cada CPG. “Existe uma sobreposição muito grande das áreas, ecossistemas e espécies que serão trabalhadas. Por exemplo, temos a corvina juvenil que vive dentro dos estuários, sendo discutida na CT estuarina-lagunar; mas essa mesma população de corvina é capturada pela rede de emalhe costeiro (artesanal e industrial) e de arrasto industrial, na zona mais costeira, e também poderia ser capturada por pescarias pelágicas, de cerco, por exemplo. Então, como fazemos ciência e ordenamos, como dividimos a captura dessas espécies tendo que tratar com cientistas e CPGs diferentes?” Ela cita o exemplo da pesca do camarão no Norte/Nordeste, que será tratada num CPG específico. Os barcos de arrasto de camarão capturam também peixes como bycatch, algumas frotas tem inclusive licença para a captura direcionada de peixes. “Então, como preparar a base científica para essa discussão de partição de benefícios do uso dessa biodiversidade num sistema todo fragmentado?”, indaga Monica Peres.
Há também o desafio de ordenar a exploração de recursos que já estão em um estado preocupante, cujas populações já estão depletadas e submetidas a um grande esforço de pesca. “Temos uma quantidade muito grande de recursos já sobreexplotados”, pondera Monica Peres, “há muitas espécies ameaçadas sendo alvo, ou capturadas acidentalmente em muitas pescarias e sendo devolvidas para o mar já mortas. Administrar isso é um desafio enorme!
Existem ainda os aspectos políticos de como lidar com a diminuição efetiva do esforço de pesca e, ao mesmo tempo, manter a atividade, os empregos, a renda e a segurança alimentar. ”Vamos comprar os barcos, indenizar as pessoas?”, pergunta ela.
Outro grande desafio é a reestruturação do sistema de produção de informações pesqueiras. “Hoje temos o sistema de coleta e análise de dados totalmente desmontado pela falta de incentivos e financiamentos à pesquisa pesqueira no Brasil. Então, provavelmente teremos uma deficiência de cientistas trabalhando na parte da pesquisa nos CPGs, temos uma deficiência das instituições em termos de coleta de dados”. A diretora geral da Oceana aponta o que precisa ser feito: “temos que reestabelecer o sistema de coleta de informações de desembarque; de coleta de dados econômicos da pesca; de monitoramento, com observadores científicos a bordo, para ver o que é pescado e é descartado; com cruzeiros científicos que coletam dados independentes da pesca comercial. E todos esses processos de geração de informações custam muito dinheiro”, diz ela. “Pela falta de dados e falta de financiamento de pesquisa aplicada para a gestão de pesca, temos hoje muito menos cientistas, estudantes e produção científica do que tivemos na época do REVIZEE, por exemplo”.
O último desafio é o da fiscalização. “Não adianta ter normas consensuadas sem ter a garantia de que essas normas serão cumpridas. Nossa ZEE (Zona Econômica Exclusiva) é grande e precisamos de uma presença institucional forte dos órgãos de controle e fiscalização”, observou Monica Peres.
Apesar dos desafios, ela destaca os avanços representados pela criação dos CPGs. “Houve vontade política para criar e implementar os CPGs e é por isso que parabenizamos os três ministérios, vemos claramente que estão trabalhando juntos, e vemos claramente uma qualificação do processo político de discussão. Vemos com grande alegria a qualificação técnica da nova gestão do Ministério da Pesca. Isso sim é uma “nova era”! A pesca é uma atividade que precisa de muito conhecimento e muita ciencia para ser manejada adequadamente, portanto, ter bons técnicos no quadro do MPA é uma condição básica, estruturante, para uma boa gestão pesqueira. Fala-se muito de ‘harmonização entre desenvolvimento e conservação’, mas essa ‘harmonização’ vem com e através da ciência. Por isso foi emblemático ver os três ministérios sentados na mesa. Parabéns ministros Helder Barbalho, Ministra Izabella, Aldo Rebelo e suas equipes. É um momento de recomeço e reconstrução, é o momento para nos juntarmos e trabalhar duro, porque há muito o que fazer. E a Oceana está aqui para ajudar. Contem conosco”, concluiu Monica Peres.