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O mundo segue sem combater os subsídios que promovem a sobrepesca

Julho 7, 2022

Foto: OCEANA / Andre Baertschi

Em 17 de junho de 2022 a Organização Mundial do Comércio (OMC) publicou o “Pacote de Genebra”, contendo um conjunto de decisões e acordos frutos da 12ª Reunião Ministerial (MC12), dentre os quais o “Acordo sobre Subsídios Pesqueiros”. Após mais de duas décadas de negociações, os países finalmente chegaram a um entendimento. O resultado, no entanto, não mudou praticamente nada o status quo: os países poderão seguir aportando bilhões de dólares para custear as operações de suas frotas pesqueiras, agravando o quadro de sobrepesca.

Como toda atividade produtiva, a pesca também possui seus custos operacionais. Construção e manutenção de embarcações, aquisição de aparelhos de pesca, combustíveis, dentre outros. O que se espera é que as receitas obtidas com a atividade tornem a pesca algo economicamente viável. Mas o esgotamento dos estoques pesqueiros mundialmente tem reduzido cada vez mais estas receitas. Além disso, a falta de pescado tem levado embarcações a atuarem em águas cada vez mais distantes de seus portos de origem, aumentando seu custo operacional.

Nesse contexto é que entram os subsídios à pesca. Os países e organizações multilaterais, em vez de atuarem em políticas para regeneração biológica dos estoques e recuperação econômica da atividade, optam por aportar gigantescas quantias financeiras que visam reduzir artificialmente os custos de produção de uma atividade economicamente ineficiente em muitos locais do globo. Estima-se que por ano cerca de USD 22.4 bilhões de bilhões de dólares são aportados na forma de subsídios prejudiciais à pesca. Lideram este ranking países como China, Japão, Coreia do Sul, Rússia, EUA e Tailândia.

O Brasil, comparativamente ao restante do mundo, aplica poucos subsídios à pesca. Seu principal programa atua na redução dos custos do óleo diesel por meio da desoneração fiscal. Não importa se estamos falando em R$1,00 ou R$1 bilhão de subsídios pagos pelo contribuinte, o problema é que esse aporte à pesca industrial brasileira não vem acompanhado de uma avaliação sistemática da situação dos estoques e das pescarias. Muito provavelmente, os subsídios dados pelo governo também contribuem para a sobrecapacidade das frotas e esgotamento dos estoques pesqueiros nacionais.

Há tempos se busca um acordo para reduzir os danos causados pela pesca subsidiada. As negociações na OMC sobre este tema foram iniciadas em 2001 na Reunião Ministerial realizada em Doha. Cerca de 15 anos depois, na Reunião Ministerial de Buenos Aires em 2017, decidiu-se trabalhar na construção de um acordo visando alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14.6:  “Até 2020, proibir certas formas de subsídios à pesca, que contribuem para a sobrecapacidade e a sobrepesca, e eliminar os subsídios que contribuam para a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (INN), e abster-se de introduzir novos subsídios como estes, reconhecendo que o tratamento especial e diferenciado adequado e eficaz para os países em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos deve ser parte integrante da negociação sobre subsídios à pesca da Organização Mundial do Comércio”. O prazo fixado para que o acordo fosse alcançado era 1º de janeiro de 2021.

O acordo deveria promover reduções significativas nos subsídios aplicados pelos maiores países subsidiários da pesca. A OMC deveria estabelecer ainda um plano vinculante para, aos poucos, eliminar os subsídios que contribuem para a sobrecapacidade das frotas, a sobrepesca, bem como todo e qualquer subsídio à pesca ilegal.

Em outubro de 2020, o Brasil apresentou uma proposta ousada para reduzir gradativamente os subsídios à pesca mundial. Inspirada no conceito de seu Imposto de Renda (quem recebe mais está sujeito a uma alíquota maior), a proposta criava categorias de grandes, médios e pequenos subsídios com metas de redução distintas entre as nações que se enquadravam em cada categoria. Apesar dessa e de outras sugestões de demais países-membros, o documento acordado em Genebra ficou muito aquém da expectativa das discussões iniciais. Países membros chegaram em consenso em temas pontuais, como não subsidiar a pesca INN.

Tentativas de se reduzir subsídios de frotas que atuem sobre recursos pesqueiros sobreexplotados foram esvaziados por distúrbios geopolíticos. O acordo aprovado sequer esclarece os tipos de subsídios pesqueiros e de que modo contribuem para a sobrepesca. Um acordo vinculante como este, que aborda somente os subsídios diretamente relacionados a estoques sobrepescados e a pesca INN, não resolve o problema real. A Oceana não vê, portanto, razão para comemorar.

Enquanto não tratarmos dos subsídios como algo a ser banido, muitos países seguirão subsidiando a pesca dentro de uma ótica econômica míope. Suas frotas seguirão operando a milhares de quilômetros de seus portos de origem, exportando a sobrepesca. Quanto ao Brasil, que advogou na Organização por um modelo de redução bem interessante, até por coerência, deveria eliminar os subsídios locais. Quanto à OMC, esperava-se um acordo global mais robusto e convincente.  Os oceanos, e aqueles que deles dependem, agradeceriam.

 

Artigo publicado no portal Seafood Brasil, no dia 7 de julho de 2022.