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Outubro 6, 2022

Pescadores e pescadoras do Norte querem que Lei da Pesca reconheça a cultura dos seus povos

O TEMA: 

 

Vinte e dois representantes de quatro estados redigem documento participativo com melhorias para legislação nacional

A cultura e o pertencimento amazônico movimentaram as discussões da 9ª Oficina para a “Construção Coletiva de uma Nova Política Pesqueira Nacional”, realizada em Belém (PA), nos dias 4 e 5 de outubro. Com o objetivo de redigir um documento capaz de dialogar e apontar melhorias na atual legislação pesqueira, 22 representantes dos estados do Amazonas, Amapá, Pará e Maranhão reafirmaram a importância da preservação dos saberes e fazeres tradicionais dos pescadores e das pescadoras artesanais, cujo ofício está intimamente relacionado à proteção das águas e dos povos originários.

A extrativista costeira marinha de Curuçá (PA) Mana Célia Regina defende a importância do reconhecimento das culturas regionais na elaboração do documento que vem sendo construído de modo coletivo para balizar uma futura legislação da pesca.

Foto: Acervo Oceana

“O que pode unificar essas regiões do Brasil, numa proposta mais ousada de soberania alimentar, é reconhecer as especificidades dessas diversidades de pesca do país. A maior faixa contínua de manguezais parte da região Norte e chega até o Ceará e segue, hoje, sem garantias de conservação do bioma e de empoderamento das famílias. Precisamos considerar quem são os seus verdadeiros gestores”, destaca.

Esses manguezais, hoje ameaçados, são fontes de inspiração para Marly da Silva Ferreira, extrativista costeira marinha na região de Tamatateua, Bragança (PA). Ela tira da costa marítima o alimento e as palavras para fazer poemas. Na oficina, Marly escreveu a sua contribuição em linguagem poética: “Ordenar e aprimorar propondo a inclusão/ Onde a Lei passa a atender mulheres dessa nação/ Que perderam seus direitos sem nenhuma compensação/ De Norte a Sul do país juntar todas a lutar/ Por uma maré feliz que precisamos decretar”.

Representante da comunidade indígena de São José da Fortaleza (AM), a cacique Maria Dione, do povo Apurinã, enche-se de orgulho em debater uma nova política pesqueira nacional. “Somos nós que moramos nos beiradões, nas comunidades e no interior, que vivenciamos e sabemos como funciona a pesca. [Queremos que] esse documento que estamos fazendo, unidos, seja válido”.

A cacique sabe a importância de entender o que se passa na natureza. Há um tempo as comunidades pesqueiras ao seu redor viram os peixes rarearem dos rios, ameaçando o sustento e a sobrevivência de cerca de 302 famílias.

Foto: Acervo Oceana

“Nós nos unimos e fizemos as reuniões. Passamos a trabalhar com o manejo. Hoje, temos fartura e ganhamos nosso dinheirinho para a sobrevivência na comunidade”, conta Maria Dione, que fez uma defesa enfática para que as mulheres tenham mais “vez e voz” na pesca. “Não só indígenas, mas todas do estado do Amazonas e do mundo inteiro”, declara.

Após nove oficinas divididas em dois ciclos (o primeiro para coleta de depoimentos; o segundo para escrita de uma proposta de reformulação da Lei da Pesca), o diretor científico da Oceana Brasil, Martin Dias, acredita que a força desse trabalho será evidenciada nesse documento que representa a vivência e a luta de pescadores e pescadoras do país. “Sabemos das fragilidades políticas e da falta de governança da atual política pesqueira nacional. Essas contribuições chegam para otimizar e dar legitimidade para uma futura legislação representativa e que garanta alimento e renda”.

Último encontro

Nos dias 10 e 11 de outubro, o segundo ciclo de oficinas encerra-se em Niterói (RJ) para consolidar o documento que busca garantir a pesca sustentável para as atuais e futuras gerações. Ao todo, as dez oficinas contam com a participação de cerca de 150 lideranças da pesca das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste do país.

Em breve, serão promovidas discussões junto a pesquisadores, organizações não governamentais, representantes da pesca industrial e sociedade civil, para garantir que todo o setor participe desse processo, contemplando transparência, conhecimento técnico e empírico, saberes tradicionais e participação social.

 

Fotos: Acervo Oceana