Junho 21, 2023
“É sobre uma crise sem limites que o Tratado Global Contra a Poluição Plástica se posiciona”
Por: Camilla Valadares
O TEMA: Plásticos
Engenheira ambiental e gerente de campanhas da Oceana, Lara Iwanicki foi uma das participantes brasileiras na segunda reunião da ONU para a construção do Tratado Global Contra a Poluição Plástica, que reuniu representantes de 167 países, entre 29 de maio e 2 de junho, em Paris. A meta é de que, ao fim de 2024, o documento esteja aprovado com caráter juridicamente vinculativo (com força de lei para os países signatários). “Não podemos mais esperar. É um prazo ambicioso, mas necessário diante do tamanho da crise mundial causada pelo plástico. Até lá, precisamos também ter o Projeto de Lei (PL) 2524/2022, sobre a Economia Circular do Plástico, aprovado no Brasil. Nosso texto está muito alinhado com as discussões internacionais”, aponta ela.
1. Qual é a importância desse Tratado Global?
O Tratado Global Contra a Poluição Plástica vem de encontro à crise em que vivemos. A poluição por plástico é um dos maiores problemas ambientais do mundo contemporâneo. Os oceanos estão ameaçados por essa produção exorbitante e irresponsável de plástico descartável de uso único, e o sistema de gerenciamento de resíduos não consegue dar conta das milhões de toneladas inseridas no mercado todo ano. A solução não está mais nos sistemas de coleta, reciclagem e destinação. Precisamos fechar a torneira no começo da cadeia produtiva. É preciso eliminar itens desnecessários, fomentar outros materiais e melhorar o design de produtos e embalagens reutilizáveis e retornáveis, aumentando a oferta no mercado. Materiais que circulem e não gerem impactos socioeconômicos para os pescadores e suas comunidades, aos catadores e até ao meio-ambiente. Precisamos descarbonizar a economia. Isso significa uma mudança de matriz de materiais, já que o plástico é derivado do petróleo. Se o plástico fosse um país, seria o quinto maior emissor de gases do efeito estufa do mundo. Temos também o caso da “Ilha de Plástico do Pacífico”, denominado por uma parte da mídia internacional de o “Sétimo Continente”.
2. Esse “Sétimo Continente”, talvez, seja o símbolo dos limites extrapolados por essa poluição desproporcional do plástico.
É sobre essa crise sem limites que o Tratado Global Contra a Poluição Plástica tem como objetivo se posicionar. Essa Ilha do Pacífico, que flutua entre a Califórnia e o Havaí, é uma grande mancha de 1,6 milhão de quilômetros quadrados de lixo, com aproximadamente 80 mil toneladas de plástico. Trata-se de uma extensão maior que a França. Recentemente, um estudo publicado na revista Nature detectou quase 500 tipos de invertebrados de 46 espécies diferentes vivendo nesse ecossistema artificial. Aqui, no Brasil, pesquisadores detectaram pela primeira vez “rochas de plástico” no ponto mais remoto do país, a Ilha de Trindade. Precisamos enfrentar essa crise com urgência e, para isso, o Tratado Global Contra a Poluição Plástica precisa ser juridicamente vinculante, e não um acordo voluntário. Saímos do encontro de Paris com essa dimensão de urgência. É uma demanda da sociedade civil.
3) Isso justifica esse prazo aparentemente tão curto, de ter o Tratado aprovado até o final de 2024?
Sim, precisamos criar condições mínimas para combater globalmente a poluição marinha por plástico. Não há como esperar mais. Hoje, já existem países como Chile, Peru, Canadá e algumas nações da Europa e África, com legislações mais restritivas para a utilização de plásticos de uso único. Em outro extremos, temos grandes poluidores, a exemplo do Brasil, Estados Unidos e México, que não têm uma legislação nacional. O Tratado surge para balizar essa política global de combate ao plástico, mas é preciso fazer o dever de casa e avançar com a legislação nacional, já que o Brasil chega atrasado nessa discussão.
4) Como o Brasil se posicionou durante o encontro em Paris?
O Brasil desenvolveu um papel de mediação e liderança durante o encontro de Paris. Houve também uma preocupação muito forte de incluir tanto os catadores como os trabalhadores da indústria do plástico no processo de transição justa dentro do texto do tratado. No contexto do Brasil, temos os catadores de material reciclável como agentes ambientais na reciclagem, mas eles não são remunerados pelo serviço prestado. A inclusão dessa categoria no contexto do Tratado é muito importante. Como resultado do encontro em Paris, o Secretariado do Pnuma [Programa das Nações Unidos para o Meio Ambiente] vai compilar as considerações de cada país para finalizar a construção de um documento base do Tratado, chamado de “rascunho zero”, que será discutido na próxima reunião em Nairóbi, no Quênia, em novembro de 2023.
5) E o que o Brasil precisa fazer para, efetivamente, reduzir a poluição marinha por plásticos?
O Brasil precisa fechar a torneira da produção de plástico e parar de bater na mesma tecla de apostar no gerenciamento de resíduos como solução, que comprovadamente não resolve e desfoca a solução. Precisamos eliminar o plástico de uso único, criar condições para que a indústria invista em materiais mais sustentáveis, em modelos de reuso e refil, para implementarmos, de fato, uma Economia Circular no médio prazo – o que vai exigir também mudanças regulatórias, de logística, e de comportamento. Não podemos mais insistir em falsas soluções como a reciclagem química, a recuperação energética ou a incineração de resíduos. Precisamos avançar rumo à regulamentação de uma Economia Circular do Plástico, cujo Projeto de Lei (PL) 2524/2022 já está tramitando no Congresso Nacional, após uma ampla discussão com diversos setores da sociedade civil e da indústria. Nesse sentido, o apoio do governo brasileiro é fundamental. Temos um PL alinhado com as discussões do Tratado.
6.Como esse Tratado se relaciona ao trabalho da campanha de Combate à Poluição Marinha por Plásticos da Oceana?
O Tratado tem uma função importante para a campanha porque sustenta nosso objetivo central, que é a redução do plástico. Esse documento vai conscientizar um maior número de pessoas devido à sua amplitude internacional. Diretamente, fortalece a companha pela aprovação do PL 2524/2022 e exerce uma pressão de opinião pública internacional para que o Brasil tenha um posicionamento condizente com o tamanho da sua responsabilidade na poluição por plástico, avançando em soluções concretas para esse problema, de dimensão planetária.
Entrevista e texto: Sérgio Maggio