Com a ciência a bordo, só falta a vontade política
Outubro 19, 2023
Por Ademilson Zamboni*
Em julho de 2023, a Oceana lançou a terceira Auditoria da Pesca que, por meio de 22 indicadores, avaliou a situação da gestão da atividade pesqueira no País e mostrou avanços, retrocessos e caminhos. A metodologia, aplicada desde 2020, olha para quatro eixos: situação dos estoques pesqueiros; ordenamento das pescarias; transparência na gestão e qualidade do marco legal que rege a pesca.
A cada edição, a Auditoria da Oceana traz uma perspectiva analítica diferente ao conjunto das informações tratadas. No primeiro ano, mostramos o “apagão” de dados, evidenciando que o Brasil não conhecia nem 10% dos estoques pesqueiros para os quais as autoridades davam permissão para ser explorado comercialmente. Em 2021, falamos sobre a importância da pesca no contexto da produção dos chamados “alimentos azuis” e da segurança alimentar, além de os caminhos que asseguravam esses ativos ambientais.
Nessa última edição, a linha de análise foi a importância da ciência no suporte à gestão da atividade pesqueira. Em 2023, mostramos o salto no nível de conhecimento disponível sobre os estoques explorados no país, resultado de uma série de projetos de pesquisa financiados por meio de recursos federais e operacionalizados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A iniciativa de financiar tais projetos teve início há oito anos e, agora, espera-se que seus resultados sejam úteis para subsidiar decisões políticas de melhor qualidade na pesca.
Desde sua criação, a Oceana defende o uso do melhor conhecimento na gestão pesqueira de modo a equilibrar os interesses de natureza social e econômica no uso dos recursos vivos marinhos com as questões ambientais: tais como a saúde dos estoques e a conservação dos ecossistemas. Defendemos também que o orçamento público não deve ser a única fonte para pesquisas. Como ocorre em diversos países e em diversos setores econômicos do Brasil, outras partes interessadas em explorar tais recursos devem investir em ciência.
Contudo, os avanços da produção científica ainda não parecem estar surtindo efeito na gestão pesqueira nacional e, em um cenário otimista, isso só venha a acontecer em médio e longo prazos. Portanto, continua posto o velho desafio de traduzir informações e recomendações científicas em políticas públicas. Quando isso não acontece, o resultado é sabido: um ordenamento da pesca muito aquém do desejável para assegurar a sua sustentabilidade.
Aqui, levanto outro ponto, talvez, o pano de fundo mais relevante para a geração e aplicação desse conhecimento: a ausência de políticas de longo prazo ancoradas em uma visão de Estado para a cadeia produtiva da pesca. Qual lugar e com quais atributos o Brasil pretende ocupar o cenário da pesca local, regional e global nas próximas décadas? Esse é um balizador determinante para impulsionar (ou não) uma ciência pesqueira com consequências para além da produção acadêmica – importante sim – mas não suficiente se não internalizada em um plano estratégico para o futuro.
O cenário político e o arranjo administrativo atuais do Executivo, em tese, são favoráveis para avanços, pois não temos um, e sim, dois Ministérios dividindo a responsabilidade pela implementação da política pesqueira. Os dois gestores de peso na liderança do Ministério da Pesca e Aquicultura e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, por certo estão ávidos por aquilo que a ciência pode prover e, assim, fazer as transformações na pesca que garantam o sustento de milhares de famílias e o equilíbrio dos estoques de mais de 100 espécies, hoje, e no futuro.
* Diretor-geral da Oceana Brasil. Oceanólogo, mestre e doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo.
Este artigo foi publicado originalmente na Seafood Brasil (acesse aqui)