De Brasília a Manila: 10 anos da Oceana no Brasil e nas Filipinas - Oceana Brasil
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Fevereiro 4, 2025

De Brasília a Manila: 10 anos da Oceana no Brasil e nas Filipinas

Foto: Oceana/Christian Braga

 

Basta perguntar aos times da Oceana no Brasil e nas Filipinas como eles continuam conquistando vitórias para os oceanos, e alguns padrões comuns começam a surgir.

“Uma das coisas que a Oceana fez muito bem nas Filipinas foi construir uma relação de confiança com pescadores artesanais e mostrar a eles que há esperança”, diz Gloria Estenzo Ramos, a Golly, vice-presidente da Oceana nas Filipinas.

“Nós fortalecemos o nosso engajamento com pescadores artesanais, cujas vozes ainda não tinham sido ouvidas no Brasil”, explica Ademilson Zamboni, vice-presidente da Oceana no Brasil.

Entender a importância dessas parcerias, assim como do valor de oceanos abundantes, ajuda a explicar por que a Oceana expandiu seu trabalho para o Brasil e as Filipinas em 2014. Ocupando o 12º lugar no mundo em termos de pesca extrativa, mais de 100 milhões de filipinos dependem da pesca marinha para alimentação ou renda. No outro lado do mundo, o Brasil ocupa a 30ª posição, e abriga 771 mil pescadores artesanais, que representam 71% dos trabalhadores da pesca do país.

É por isso que, de acordo com o CEO da Oceana, James Simon, a conservação dos oceanos nesses dois países tem um impacto descomunal – não apenas sobre a vida marinha, mas também sobre as pessoas que moram e trabalham neles. “A Oceana estabeleceu equipes de campanha no Brasil e nas Filipinas porque vimos uma oportunidade de reconstruir pescarias para milhões de pessoas cuja subsistência e, em muitos casos, as necessidades nutricionais, dependem delas”, afirma Simon.

“Nos últimos dez anos, a Oceana tem lutado, ao lado de pescadores artesanais no Brasil e nas Filipinas, por políticas que priorizem a gestão pesqueira de base científica, combatam a pesca ilegal e destrutiva e reduzam a poluição plástica em nossos oceanos. A diferença que essas campanhas fizeram para os oceanos é como a noite e o dia.”

Uma luz na escuridão

Quando a Oceana chegou ao Brasil, há uma década, o estado das pescarias do país era desanimador. A falta de limites de captura significava pescarias de livre acesso, e muitas espécies de peixes já estavam revelando os efeitos da sobrepesca. “Não havia dados, monitoramento, comitês de gestão pesqueira ativos, nem planos de gestão para espécies críticas”, conta o diretor científico da organização no Brasil, Martin Dias. “Chegamos aqui na escuridão total.”

Para defender a gestão científica da pesca, a equipe da Oceana sabia que teria que provar que isso era importante. Assim, em 2018, o time trabalhou com autoridades governamentais na definição de um limite de captura para a importante pescaria da tainha, e depois publicizou os dados de mapa de bordo, de forma acessível, na internet. Dois anos depois, o governo brasileiro usou o modelo da organização como base para seu próprio sistema, disponibilizando dados nacionais de captura na internet pela primeira vez.

Vieram mais vitórias, incluindo cotas de pesca para as lagostas vermelha e verde, que são especialmente importantes para os pescadores artesanais. A Oceana e seus aliados também restauraram os Comitês Permanentes de Gestão (CPG) que haviam sido fechados e conseguiram que os dados das embarcações pesqueiras industriais do Brasil fossem disponibilizados ao público no mapa da Global Fishing Watch, ajudando a rastrear e combater a pesca ilegal.

No entanto, apesar do aumento da transparência no país, ainda faltam dados. Só se conhecem informações biológicas de 52% dos estoques pesqueiros do país, de acordo com a edição de 2023 da Auditoria da Pesca, um relatório anual da Oceana que apresenta a avaliação mais abrangente da gestão pesqueira no Brasil. Das pescarias sobre as quais há dados suficientes disponíveis, 66% estão sobrepescadas.

“Temos cumprido um papel importante na agenda da pesca, mas infelizmente, a situação ainda é terrível”, diz Zamboni. “O Brasil não tem uma política de pesca forte, e as instituições são muito frágeis.” Isso se deve, em parte, à alta rotatividade relacionada às mudanças dos governos, interrompendo qualquer avanço feito pela autoridade pesqueira. Para abordar essa questão, a Oceana está fazendo campanhas para reformar a Lei de Pesca no Brasil, na esperança de criar uma estrutura que não esteja sujeita à porta giratória da política.

Atualmente, esse conjunto de reformas está tramitando no Congresso Nacional, e Dias está confiante que seu encaminhamento terá êxito. A Oceana passou 600 horas discutindo os detalhes para a construção de uma nova legislação com pescadores artesanais e industriais, cientistas e outras organizações sem fins lucrativos. Depois dos workshops, por exemplo, pescadoras e marisqueiras apresentaram suas demandas aos formuladores de políticas públicas, defendendo uma Lei da Pesca que reconheça a identidade e os direitos das mulheres que trabalham com pesca no Brasil.

“Esta é uma grande conquista para mim: trazer pescadores artesanais e as maiores indústrias à mesma mesa para chegar a um acordo sobre como deve ser uma nova Lei da Pesca”, revela Dias.

“A Oceana cumpriu um papel fundamental em reunir todos para atingir o mesmo resultado, que é reformar a lei e tentar encontrar objetivos comuns.”

“Uma longa luta”

Ecoando a experiência da Oceana no Brasil, a gestão da pesca nas Filipinas tinha muito o que melhorar em 2014. Naquele ano, a União Europeia alertou que proibiria as importações de peixes das Filipinas se o país não resolvesse seu problema com a pesca ilegal.

Logo depois, a Oceana aproveitou a oportunidade para apoiar uma atualização do Código de Pesca, bem como das regras e dos regulamentos que regem sua implementação. A lei e as regulamentações alteradas reprimiam a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU, na sigla em inglês), mas os avanços nem sempre foram lineares em um país onde esse modelo de atividade é responsável por até 40% das capturas.

Uma das primeiras vitórias da Oceana nas Filipinas foi o rastreamento obrigatório de todos os navios de pesca comercial que entrassem na maior área marinha protegida do país, no Estreito de Tañon, que abriga uma grande variedade de corais, baleias e golfinhos. Em 2016, a Oceana defendeu a instalação de dispositivos públicos de rastreamento em todos os navios de pesca comercial, agora com um índice de conformidade de 90%.

Ramos diz que essa ação ajuda a detectar e impedir a pesca IUU em todo o país, principalmente nas chamadas águas municipais, que se estendem por 15 quilômetros (pouco mais de 9 milhas) da costa. “A sobrepesca e a pesca ilegal continuam sendo os maiores desafios nas Filipinas, principalmente em águas municipais reservadas a pescadores artesanais”, diz ela. “Foi uma longa luta, mas nós conseguimos bloquear todas as tentativas de permitir a pesca comercial nessas águas.”

A Oceana também fez avanços significativos no campo da pesca, defendendo com sucesso a criação de 12 Áreas de Gestão Pesqueira (FMAs, na sigla em inglês), que inauguraram uma nova era de gestão da pesca sustentável e científica. Isso abriu caminho para outra vitória: a exigência de que as FMAs implementassem um plano nacional para ajudar na recuperação da sardinha.

“As sardinhas são uma das espécies de peixe mais importantes das Filipinas”, explica Ramos. “Os mais pobres as comem porque elas estão disponíveis e são baratas, mas as sardinhas também estão enfrentando um declínio alarmante. Esse plano de gestão, se implementado corretamente, restauraria a abundância da nossa pesca de sardinha e apoiaria aqueles que mais dependem dela.”

A organização também tem lutado contra projetos de aterro, que prejudicam as sardinhas e outras espécies valiosas. Esses projetos de recuperação de terras dependem de materiais para aterrar, como areia, sedimento e lama, que são dragados do fundo do mar. O processo, conhecido como mineração marinha, pode destruir habitats vulneráveis ​​e áreas de pesca. Ao priorizar a saúde das sardinhas e seus habitats, a Oceana também espera apoiar os pescadores artesanais, que têm sido tão importantes para a organização.

Pesca de pequena escala, grande impacto

As Filipinas são o país mais dependente de peixes dentre os que a Oceana atua hoje em dia. Embora suas águas municipais sejam reservadas para pescadores artesanais, as incursões ilegais de pescadores industriais podem ter repercussões graves para quem depende de peixes mais próximos da costa para se alimentar e obter renda.

“Nós somos considerados o centro da biodiversidade marinha no mundo inteiro, mas o fato de nossos pescadores artesanais estarem entre as pessoas mais pobres das Filipinas realmente mostra que os benefícios (a riqueza marinha) não chegaram até eles”, relata Ramos.

Desde o início, a Oceana vem capacitando pescadores artesanais a participar de processos de decisão que afetam seus meios de subsistência. Esses pescadores cumpriram um papel fundamental ao ajudar a garantir a exigência de monitoramento de embarcações no Estreito de Tañon e tiveram muita disposição para assinar como codemandantes em muitos dos processos judiciais movidos pela organização para combater a pesca ilegal.

“Quando começamos a trabalhar com a pesca ilegal, os pescadores artesanais nos disseram que tocamos em um assunto que nenhuma outra organização não governamental queria abordar, que era a pesca ilegal no Estreito de Tañon”, diz Danny Ocampo, gerente sênior de estratégia científica e campanhas da Oceana para as Filipinas. “Ainda trabalhamos com grupos e redes de pescadores em todo o país, e eles são uma parte muito importante das nossas campanhas”.

Da mesma forma, uma das vitórias mais emblemáticas da Oceana no Brasil não poderia ter sido conquistada sem o apoio dos pescadores artesanais, que conseguiram pressionar os políticos para que aprovassem a proibição da pesca de arrasto no estado do Rio Grande do Sul. Esse método de pesca destrutivo e indiscriminado estava prejudicando os meios de subsistência dos pescadores na região.

“A Oceana ajudou a mobilizar mais de 18 mil pescadores artesanais que enviaram mensagens aos deputados estaduais e geraram uma pressão popular decisiva e, de certa forma, inédita”, lembra Zamboni. “A combinação de organização, mobilização, pressão e ciência resultou na aprovação unânime da lei, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, e que protegeu 13 mil quilômetros quadrados de oceano no Rio Grande do Sul, garantindo o sustento de mais de 20 mil famílias”.

Pesquisas realizadas pela Oceana em parceria com universidades locais mostram que a proibição da pesca de arrasto já está dando significativos resultados. As conclusões iniciais dos estudos indicam que espécies importantes de peixes, como pescada e corvina, estão no caminho da recuperação. “O rendimento da pesca está aumentando, e já estamos vendo peixes maiores. Avaliações de estoque também indicam um declínio acentuado na mortalidade causada pela pesca. São sinais muito claros de que as nossas projeções estavam corretas”, celebra Zamboni.

Enfrentando a poluição por plásticos

Embora muitas das vitórias da Oceana tenham se concentrado na pesca, as equipes que atuam no Brasil e nas Filipinas também estão lutando contra a poluição causada pelos plásticos descartáveis, uma iniciativa mais recente em ambos os países.

Nas Filipinas, a Oceana tem feito campanhas para incluir os plásticos na lista do governo de produtos inaceitáveis ambientalmente, o que limitaria em muito a sua circulação. Enquanto isso, o time do Brasil está defendendo um projeto de lei de redução da produção de plásticos, que atualmente tramita no Senado Federal. O projeto recebeu apoio até do iFood, a principal empresa de entrega de alimentos do Brasil e objeto de uma campanha anterior, na qual concordou em remover itens como talheres, pratos, copos e canudos de plástico de 80% de suas entregas até 2025. Posteriormente, a empresa ampliou essa meta para incluir recipientes de isopor, além de sachês e sacolas de plástico.

Lara Iwanicki, gerente sênior de advocacy e estratégia da Oceana no Brasil, diz que essas medidas eliminariam 2,7 bilhões de objetos de plástico descartável por ano a partir de 2025. Considerando que nenhum desses objetos é reciclado no país, essa é uma grande vitória para os oceanos.

Iwanicki também observou mudanças em relação aos plásticos descartável no Brasil como um todo. A campanha pelo avanço do projeto de lei, apelidado de PL do Oceano Sem Plástico, recebeu apoio de mais de 80 organizações, incluindo grupos da área da saúde, movimentos de catadores de materiais recicláveis e comunidades de pescadores. Segundo ela, a Oceana desempenhou um papel fundamental na mudança dessa narrativa.

“Nosso foco tem sido responsabilizar as indústrias e pressionar por ações governamentais, em vez de culpar os consumidores individuais, um argumento no qual a indústria se apoia há décadas. Essa mudança é fundamental para a forma como estamos impulsionando o debate no Brasil e no mundo”, explica.

“Nossa Estrela do Norte”

Na última década, a Oceana percorreu um longo caminho no Brasil e nas Filipinas, desde a elaboração de estruturas para a gestão da pesca até a parceria com pescadores locais em políticas de importância nacional. E. apesar de alguns reveses, continua lutando por mudanças que pretendem resultar em oceanos saudáveis e pescarias abundantes.

Danny Ocampo, que enfrentou, ao longo dos anos, muitos desafios e ameaças da indústria durante as campanhas da organização, diz que as vitórias fazem o trabalho valer a pena. “Sabemos da importância da missão da Oceana, e isso nos mantém inspirados”, conta. “Sempre nos apegamos às vitórias como sendo a nossa Estrela do Norte, algo que nos guiará e nos dirá: ‘Vocês estão fazendo a coisa certa. Continuem’.”

 

*Texto publicado originalmente em inglês, na edição de inverno de 2024 da Oceana Magazine.