Oceana, 10 anos no Brasil defendendo o mar e a vida
Organização lidera campanhas para aprimorar políticas públicas voltadas à proteção da biodiversidade marinha no Brasil e no mundo
Desde que aportou no Brasil em julho de 2014, a Oceana – nascida internacionalmente em 2001 – dedica-se a transformar políticas públicas voltadas à conservação dos ecossistemas marinhos e garantir sua produtividade para sempre. Para tanto, revestiu-se da missão de recuperar a abundância das águas, advogando, por exemplo, por uma gestão pesqueira eficaz, transparente, baseada em ciência, e por um oceano mais limpo. Esse compromisso está no DNA das campanhas da organização contra a sobrepesca, a poluição por plásticos e a perda de biodiversidade. Também está na sua essência lutar pela proteção de territórios e habitats fundamentais à vida no mar, buscando o bem-estar das populações que dependem dele para sobreviver.
As vitórias emblemáticas que a Oceana colecionou ao longo desta jornada também foram permeadas por eventos políticos, econômicos e sociais transformadores e desafiadores para o país, onde até mesmo a legitimidade da presença de organizações da sociedade civil em solo brasileiro foi questionada. “As consequências da instabilidade institucional e dos hiatos de poder que há muito rondam a política pesqueira no país também foram observadas de perto. Assim, em vários momentos em que muitos retrocederam, a Oceana construiu parcerias estratégicas e duradouras com diversos atores, gerou ciência e aproveitou cada brecha nos espaços de participação pública, ainda escassos na política nacional”, explica o diretor-geral da Oceana, Ademilson Zamboni.
O time da organização, formado por cientistas, comunicadores, consultores especializados e gestores de diferentes áreas, sempre prezou pela produção e compartilhamento de conhecimentos técnicos. Ao longo desta década, essa equipe publicou diversos estudos que influenciaram e alimentaram um debate franco e contribuíram para legislações em escala nacional e subnacional, a exemplo de quatro edições da Auditoria da Pesca, o principal documento de gestão pesqueira do país, e do relatório Um Oceano Livre de Plástico, considerado um referencial sobre a segunda maior ameaça ambiental ao planeta.
Tão importante quanto fazer seu trabalho e entregar o melhor resultado possível, é caro para a Oceana o modo de o fazer. A organização tem genuína disposição para o diálogo amplo, para tratar de temas ásperos, estressar teorias e ideias e explicitar, respeitosamente, os limites institucionais de uma organização ativista para seus interlocutores. Nos temas relacionados à pesca, por exemplo, foi possível trabalhar com vários segmentos – de pescadores industriais a artesanais, de cientistas a legisladores, de organizações não governamentais a tomadores de decisão no centro do poder. Essa concertação e energia foram orientadas para estabelecer cotas de captura, recuperar espécies ameaçadas e avaliar a situação de estoques pesqueiros, não raro, compensando a falta de ação governamental.
O mesmo caminho foi trilhado nas campanhas para reduzir a poluição por plásticos, operando com transparência e excelência na oferta de informações em um ambiente – especialmente o regulatório – ainda tão desafiador à permeabilidade das contribuições das organizações não governamentais que não sejam as setoriais de interesse privado.
“Ao longo desta década, conseguimos vitórias importantes graças ao diálogo contínuo e qualificado que, acredito, tem nos colocado em condições de contribuir para marcos regulatórios e políticas em diferentes escalas. É parte do nosso trabalho atuar tecnicamente em parcerias que podem ir de ministérios a órgãos de controle, levar nossas contribuições à Suprema Corte ou atuar coletivamente no Congresso Nacional para aprimorar e criar leis que promovam mudanças reais”, completa Zamboni.
“Mas também é fato que, apesar de possuir uma extensa e rica costa e uma variedade invejável de recursos oceânicos – muitos sequer descritos, e milhões de brasileiros vivendo do que o mar provê –, o Brasil carece de governança e de políticas públicas de excelência para proteger esse tesouro”, resume.
Pesca do futuro
Hoje, discutir o futuro da pesca no Brasil passa, invariavelmente, também por visitar o resultado de uma década de trabalho da Oceana em pesquisa científica, em engajamento social e escutas aos mais diversos segmentos dessa cadeia produtiva. Esse esforço colocou a Oceana em posição de interlocutora frequente entre o Poder Público e os diversos setores associados à pesca.
“Temos produzido um trabalho científico intenso e consistente, que mais do que dar contribuição para a melhoria da gestão pesqueira, também já demonstrou que o país não tem uma política para a pesca à altura dos desafios que o futuro apresenta”, avalia Martin Dias, diretor-científico da organização.
“Ao reconhecer a importância dos pescadores artesanais de todo o Brasil, desenvolvemos coletivamente uma proposta de como podemos avançar para um cenário melhor, a partir da completa revisão do marco regulatório pesqueiro do país. Essa proposta vem sendo debatida junto a outro segmento muito relevante, que é a indústria pesqueira”, completa.
Muitas das mazelas da gestão pesqueira com as quais o Brasil convive há muito tempo, mas também os progressos que ocorrem nesse campo, são elemento das Auditorias da Pesca da Oceana, hoje em sua quarta edição, e que têm recebido ampla cobertura da mídia nacional. São relatórios que revelam um conjunto de desafios que vão da carência de dados de qualidade e monitoramento e regramentos mais atuais, até uma maior estabilidade política e institucional para tratar desse segmento da nossa economia.
A Oceana também já alertou sobre uma situação biológica preocupante de recursos pesqueiros importantes como a tainha, a lagosta e o pargo, cruciais para as economias locais e regionais e, por consequência, para o sustento de milhares de famílias em todo o Brasil. Em resposta a isso, a organização vem continuamente trabalhando para implementar limites de captura nessas pescarias, visando sua sustentabilidade.
Proteger habitats marinhos estratégicos para a vida de muitas espécies e trabalhar para reverter quadros de redução drástica de estoques por sobrepesca está sempre no radar da Oceana. Uma vitória importante nessa direção foi a que resultou na aprovação, em 2018, da Lei Estadual nº 15.223 do Rio Grande do Sul (RS). Ao criar as bases para uma política de pesca sustentável, ela também endereçou o afastamento da pesca de arrasto de mais de 13 mil Km² do mar territorial daquele estado. Com isso, hoje já se colhem os resultados proporcionados pela recuperação da abundância de peixes na costa gaúcha.
Em 2023, essa mesma lei teve sua constitucionalidade definitivamente confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), beneficiando não só as famílias pescadoras do estado, mas também uma parcela da frota nacional que depende de espécies como pescada e corvina que ocorrem nas águas do extremo Sul. São exemplos como esse que proporcionam um ambiente sempre produtivo e farto, e que reabastecem nossa missão de proteger os oceanos para alimentar o mundo.
Por um oceano sem plástico
Combater a poluição marinha em suas mais diversas formas é um dos eixos de atuação da Oceana em todo o mundo. No Brasil, o lançamento do estudo Um Oceano Livre de Plástico – uma referência técnica sobre o tema – marcou o princípio de uma iniciativa nacional da organização para combater esse grave problema. Nesse sentido, a Oceana foca em ações que hoje se desdobram em várias frentes, como no Legislativo Federal, na cidade de São Paulo, junto às empresas e em locais públicos e eventos onde o plástico descartável e não reciclável não é bem-vindo.
Em 2023, em colaboração com dezenas de organizações da sociedade civil (hoje já são mais de 80), a Oceana lançou a campanha Pare o Tsunami de Plástico, ampliando o engajamento da população em apoio à aprovação do Projeto de Lei 2524/2022, também conhecido como PL da Economia Circular do Plástico no Senado Federal.
Essa é uma proposta alinhada com as discussões globais mais recentes sobre o tema e reflete uma necessidade urgente de o Brasil avançar com soluções eficazes para reduzir efetivamente esse problema. Nosso país é o maior produtor de plásticos da América Latina, nossas taxas de reciclagem, reuso e oferta de embalagens projetadas para não virarem lixo em poucos minutos são extremamente baixas. Até aqui, inclusive em termos de políticas públicas, tudo o que se apresentou são soluções ineficazes para combater essa contaminação sistêmica que destrói a vida marinha, contamina o ar, a água, a comida e está presente em diversos tecidos e órgãos humanos vitais. Portanto, a Oceana defende a necessidade de focar na raiz do problema: repensar os padrões de oferta e consumo e, ainda mais crucial, encontrar formas de reduzir a produção de plástico descartável e problemático desde o seu início.
“Trabalhamos para promover a transição de um sistema linear de produção-consumo-descarte para um modelo de Economia Circular que minimiza o desperdício e protege o meio ambiente, os oceanos e a nossa própria saúde”, observa Lara Iwanicki, gerente de Estratégia de Advocacy da Oceana.
“Já mostramos como empresas e corporações também podem fazer sua parte. Em parcerias estratégicas, como a estabelecida com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), foi possível impulsionar iniciativas como a da maior foodtech da América Latina, o iFood, que se comprometeu publicamente a reduzir o uso de itens de plástico descartáveis em suas operações”, destaca Lara.
Uma organização global com soluções locais
A Oceana é uma organização internacional que, desde 2001, acumula mais de 300 vitórias para proteger os oceanos em todo o mundo. Para fazer a diferença globalmente e trazer ganhos perenes e comprováveis para a saúde do ambiente marinho e para a sociedade, é necessário pensar e agir localmente. Assim, suas equipes atuam em nove países costeiros e insulares, na União Europeia e com times ainda na Malásia, Gana e Senegal, nações que, juntas, representam cerca de 30% da pesca mundial.
“Não há qualquer chance de proteger os ecossistemas costeiros e oceânicos hoje e amanhã sem se dedicar a essa tarefa com exclusividade e sem distrações. Isso é o que a Oceana faz. Tendo a ciência como bússola, continuaremos em campanhas para reduzir a poluição, proteger os ambientes mais preciosos e desconhecidos do planeta e batalhar por melhores políticas nacionais e internacionais de uso dos recursos marinhos. Não podemos, todos nós, falhar na missão de permitir às gerações futuras desfrutar desse bioma que cobre mais de 70% da Terra”, defende Zamboni.
“Que venham muitos outros anos de ações transformadoras e parcerias produtivas, que tragam benefícios para um número cada vez maior de pessoas. Um futuro em que a Oceana seguirá firme na sua missão de defender os oceanos e a vida que neles pulsa”, conclui ele.