Lobby da indústria petroquímica impede consenso, apesar do apoio da maioria dos países por medidas de redução da produção de plásticos. Nova reunião ainda será agendada em 2025
Após dois anos de muitas tratativas era esperado que o Tratado Global para conter a poluição plástica fosse anunciado em 1º de dezembro, na conclusão da então quinta e última rodada de debates do Comitê Intergovernamental de Negociação da ONU (INC-5), que aconteceu em Busan, na Coréia do Sul. No entanto, a falta de consenso entre os Estados-membros sobre pontos críticos, como a redução da produção de produtos químicos e plásticos, trouxe como único resultado possível a sinalização de uma nova reunião (já sendo chamada de INC-5.2) – ainda a ser agendada para 2025.
De um lado, as maiores nações produtoras de petróleo se aliaram a mais de 220 lobistas da indústria petroquímica, número recorde em relação às sessões anteriores, para defender que o foco do texto deveria tratar única e exclusivamente da gestão de resíduos. Uma insistência que, fora do âmbito do Tratado, já vem sendo forçada no debate público há algumas décadas – mas que tem sucessivamente falhado enquanto solução concreta, já que endereça apenas os sintomas do problema, que segue se agravando de maneira acelerada.
Na outra direção, um grupo formado pela maioria dos países participantes, se opôs firmemente à adoção de um Tratado que não considerasse toda a cadeia do plástico e sua forma de produção – uma variável central para o enfrentamento ao problema. Liderados pelo México, mais de 100 países, incluindo o Brasil, defenderam que o acordo só seria possível se mecanismos de proibições globais obrigatórias e prazos para a eliminação de plásticos e produtos químicos prejudiciais fossem devidamente contemplados.
Para Lara Iwanicki, gerente sênior de advocacy da Oceana que participou de quatro das cinco rodadas de negociação da ONU, as diferenças significativas de interesses, somadas ao processo de decisão baseado no consenso, impediram os avanços esperados. “O que testemunhamos aqui, nesta que seria a última reunião para a construção de um Tratado Global para, de fato, reduzir a poluição plástica mundial, foi um claro fracasso do multilateralismo, com a distorção de evidências científicas e a falta de vontade política de certos líderes mundiais, que priorizam interesses econômicos em vez dos direitos humanos, da saúde e do meio ambiente. Apesar disso, mais de 110 países exigiram a redução da produção de plásticos problemáticos. Agora é necessário ser mais firme e exigir um tratado legalmente vinculante contendo esses dispositivos.
Brasil precisa assumir sua responsabilidade e avançar
O Brasil é hoje o 8º maior poluidor global de plásticos e o maior na América Latina. Todos os anos, nosso país injeta 500 bilhões de itens de plásticos de uso único no mercado. Com esse histórico e importante tradição diplomática, inclusive em agendas ambientais, era de se esperar que o país tivesse um papel chave na negociação em Busan. A participação brasileira com uma delegação de mais de 30 profissionais altamente qualificados de diferentes áreas da administração pública foi uma importante sinalização da seriedade e abertura ao diálogo para uma questão urgente e complexa.
Ainda que tenha se alinhado ao grupo de países que defendeu que o Tratado precisava abordar a redução na produção de produtos químicos e plásticos problemáticos, o Brasil não apresentou uma posição específica e oficial sobre a produção de polímeros e plásticos problemáticos. Uma proposta com esses últimos elementos chegou a ser elaborada e validada por diversos membros da delegação, mas acabou bloqueada unilateralmente pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), conforme reportou a Agência Pública.
Iwanicki destaca que o Brasil tem responsabilidade não só na arena internacional, mas que também precisa promover avanços domésticos. “Enquanto o Tratado Global não avança, é urgente adotar políticas públicas nacionais, como a aprovação do Projeto de Lei 2524/2022, que já tramita no Senado Federal, pois a única forma de resolver a crise do plástico é reduzir sua produção, fechando a ‘torneira’ da poluição”.
De acordo com o estudo Oportunidades na Transição para um Brasil Sem Plásticos Descartáveis, desenvolvido pela consultoria Systemiq a pedido da Oceana e do WWF, medidas que promovam a redução dos plásticos de uso único e a adoção de alternativas podem promover benefícios econômicos – incluindo um impacto positivo no Produto Interno Bruto (PIB), adicionando 403,3 milhões de reais à economia brasileira. A pesquisa também revela que, considerando o período de 2025 até 2040, a transição do plástico descartável para alternativas mais sustentáveis pode resultar em uma redução líquida de 3,2 milhões de toneladas na geração de resíduos e uma diminuição de 18 milhões de toneladas de CO₂ emitido.
O horizonte pós-Busan
O anúncio de medidas vinculantes fortes fracassou em Busan. No entanto, o resultado não é de todo negativo. Mesmo que ainda não totalmente aprovado, o texto final teve muitos avanços e está mais maduro. “O resultado de Busan também mostrou a união e a força da ciência, da sociedade civil e de mais de cem países que se recusaram a sair do INC-5 com um tratado que não focasse na produção. Isso é um avanço importante. A Oceana segue comprometida em atuar para um tratado juridicamente vinculante, que traga medidas para todo o ciclo de vida do plástico e que proteja a nossa saúde e os nossos oceanos. E vamos seguir lutando para que o Brasil faça a sua lição de casa e aprove o PL 2524/2022”, conclui Iwanicki.
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