Outubro 2, 2024
Descoberta de plástico no cérebro é alerta máximo para o combate dessa poluição
Por: Oceana
O TEMA:
Há apenas dois meses da rodada final para consolidação do Tratado Global Contra a Poluição Plástica, pesquisa inédita Brasil-Alemanha evidencia grave contaminação por microplástico
Um dos órgãos mais protegidos do corpo humano, o cérebro, não resistiu ao avanço de uma das maiores ameaças ambientais do século 21: a poluição plástica. Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em parceria com a Universidade Livre de Berlim detectou partículas entre 5.5 a 26.4 nanômetros no bulbo olfatório, região responsável por processar odores no sistema nervoso central. A pesquisa analisou o cérebro de 15 pessoas falecidas que moravam em São Paulo. Deste universo, oito indicaram presença positiva para fibras e fragmentos de plástico, sobretudo o polipropileno – matéria-prima de roupas, embalagens de alimentos e garrafas.
Liderada pelos pesquisadores Thais Mauad (FMUSP) e Luis Fernando Amato-Lourenço (Universidade Livre de Berlim), a descoberta inédita indica que a contaminação provavelmente se deu por vias olfativas e evidencia que mais estudos são necessários para entender o comportamento desse material nas vias sanguíneas e sua transposição da barreira hematoencefálica. O artigo com o resultado da pesquisa foi publicado no Journal of the American Medical Association (Jama), uma das mais importantes revistas acadêmicas de saúde do mundo.
“O ingresso dos nanoplásticos pelas vias olfativas é preocupante devido à capacidade da internalização dessas partículas pelas células e a possibilidade de interferência no metabolismo celular. O risco pode ser maior em crianças com o cérebro em desenvolvimento, com o potencial de causar alterações definitivas na vida adulta”, alerta Mauad.
Em 2019, a equipe da pesquisadora já havia detectado, também de forma inédita, a presença de partículas de microplástico no pulmão de pessoas falecidas, também moradoras de São Paulo. Em entrevista à Oceana, em 2023, Mauad constatou: “Há um uso abusivo de plásticos descartáveis. Trata-se de algo excessivo que a sociedade precisa parar de produzir e de consumir”.
A presença do plástico já foi verificada em diversos outros órgãos vitais do corpo humano, como coração e fígado, além do sangue, da placenta e do leite materno. “Nos animais, há uma implicação direta na saúde. No corpo humano, sabemos que temos uma partícula inerte em circulação, e o nosso sistema imunológico não dá conta de eliminá-la, o que pode levar a efeitos adversos”, afirmou Mauad.
Uma vez no organismo, o plástico que circula carrega em si uma série de substâncias nocivas, como aditivos, metais pesados, substâncias cancerígenas. Caberá uma nova ordem de pesquisa mundial apontar o que essa condição pode afetar na saúde humana, segundo explicou a pesquisadora. “O que sabemos é que há bilhões de toneladas de plástico no meio ambiente e vai demorar muito para que o planeta seja despoluído, mesmo que a indústria, que tem um lobby fortíssimo, parasse de produzir plástico. O assustador é que as pessoas não estão totalmente conscientes desse impacto”, destacou Mauad à Oceana Entrevista.
Segundo a gerente de Advocacy e Estratégia da Oceana, Lara Iwanicki, que tem acompanhado de perto as negociações do Tratado Global, essa descoberta acontece no momento em que o mundo todo se dedica a finalizar a consolidação de um Tratado Global Contra a Poluição Plástica.
“Diante da gravidade do problema, em 2022, a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente aprovou o mandato para a criação do primeiro Tratado Global Contra a Poluição Plástica – que deve ser concluído no final deste ano, com caráter juridicamente vinculante – ou seja, com força de lei para os países signatários. No Brasil, é inaceitável que o Projeto de Lei 2524/2022 continue engavetado. Nunca se teve tanta evidência dos impactos negativos do plástico na saúde das pessoas e do planeta”, pontua Iwanicki.
A 5ª e última rodada de negociação (INC-5) entre os países-membro da ONU acontecerá entre os dias 23 de novembro e 1º de dezembro, na cidade de Busan, na Coréia do Sul. A expectativa é que seja aprovado o texto do Tratado, que será aberto para ratificação em 2025.
Cientistas unidos contra o microplástico
No dia 19 de setembro, um grupo de especialistas publicou um estudo científico na revista Science avaliando o que se aprendeu desde que a constatação e o termo microplásticos se integraram ao conhecimento científico. Liderado por Richard Thompson, que cunhou o termo em 2004, o documento ainda expressa preocupação por novas ações que precisam ser tomadas para lidar com o avanço dessa crise de poluição plástica. Afirma ainda que o tratado internacional da ONU oferece uma oportunidade concreta para ações nesse sentido.
“Após 20 anos de pesquisa, há evidências claras dos efeitos prejudiciais da poluição por microplásticos em escala global. Isso inclui danos físicos à vida selvagem, impactos sobre sociedades e culturas, além de uma base crescente de evidências de danos aos seres humanos. Além disso, os microplásticos são contaminantes persistentes e, uma vez no ambiente, são praticamente impossíveis de remover. Ainda existem incertezas mas, desde nosso primeiro estudo, a quantidade de plástico nos oceanos aumentou cerca de 50%, ressaltando ainda mais a necessidade urgente de ação”, destacou o pesquisador em nota da Universidade de Plymouth.
Uma estratégia circular
O Brasil, maior produtor de plástico da América Latina, produz cerca de sete milhões de toneladas desse material todos os anos. Desse total, cerca de três milhões de toneladas são de itens de uso único, que acabam sendo despejados nos aterros, rios e oceanos. A poluição plástica é considerada a segunda maior ameaça ambiental ao planeta, segundo a ONU, atrás apenas da emergência climática.
Diante desse preocupante cenário, mais de 80 organizações da sociedade civil se uniram na campanha Pare o Tsunami de Plástico, com o objetivo de propor uma regulação que modifique a forma como o plástico é produzido, consumido e descartado no país. A campanha surgiu para fazer avançar o Projeto de Lei 2524/2022, apelidado de PL do Oceano Sem Plástico, estacionado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado desde outubro de 2023.
A partir da implementação de uma Economia Circular do Plástico no Brasil, o PL propõe a redução da produção de itens plásticos desnecessários e problemáticos, que as embalagens sejam retornáveis, comprovadamente recicláveis ou compostáveis e estabelece metas de reuso e de reciclagem.
Saiba mais sobre a campanha Pare o Tsunami de Plástico e participe do abaixo-assinado em apoio ao PL 2524/2022.
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