“Enquanto houver quem queira cuidar dos mares, há esperança” - Oceana Brasil
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“Enquanto houver quem queira cuidar dos mares, há esperança”

Por: Oceana

Foto: Oceana/Rodrigo Gorosito

 

É quase impossível dissociar a figura do professor e oceanólogo Lauro Barcellos, do Museu Oceanográfico Professor Eliézer Carvalho, espaço ligado à Fundação Universidade do Rio Grande (FURG), onde atua como diretor desde 1991. Ali, à margem esquerda do canal do estuário da Lagoa dos Patos, entre coleções raras de moluscos e o trabalho diário para salvar espécies marinhas, ele é a memória viva de um lugar que tem como missão zelar pela saúde dos oceanos. Ao longo de sua trajetória, Lauro ajudou a fundar outros centros memoriais, a exemplo do Museu Antártico (1997); do Eco-Museu da Ilha da Pólvora (1999); e do Museu Náutico (2007). Criou também o Centro de Convívio dos Meninos do Mar (CCMar), uma escola pré-profissionalizante para jovens em vulnerabilidade social. “Cada museu possui sua tipologia e seu escopo, porém todos são atravessados pelo eixo da emancipação, da crítica e, portanto, da cidadania planetária”, conta Lauro Barcellos ao Oceana Entrevista.

 

Em sua trajetória acadêmica, imaginou-se nesse desafio de gerir o Museu Oceanográfico? O que é dirigir uma instituição que tem como lócus o mar?

Ao entrar aqui como estudante sabia que queria ser diretor. Preparei-me para a função e tive o apoio de grandes mestres e amigos. Estou aqui há 50 anos e dediquei todos os dias de minha vida a cuidar dessa casa que é de todos. Tenho orgulho de ser diretor, não pelo cargo, mas pela possibilidade de cuidar desse lugar tão relevante e belo. O museu é feito de objetos e pessoas, essa “curadoria” não é tarefa simples, mas é um desafio que dá sentido à vida. Sinto-me muito honrado e contente em ter sido convidado a conduzir esse museu e cuidar desse espaço tão querido pela comunidade. Sou um ambientalista e um humanista, portanto, sinto que cumpro com minha missão de servir ao poder: oferecer meu trabalho ao nosso septuagenário Museu Oceanográfico Professor Eliézer de Carvalho Rios, esse “templo das musas” que cuida e estuda o mar para cuidar melhor das pessoas e do Rio Grande. Transborda-me o coração de alegria cada vez que vejo uma criança brincando no jardim e uma escola explorando as coleções, despertando os jovens pelo estudo da vida. Enquanto houver quem queira cuidar dos mares, há esperança.

 

Qual foi a motivação para criação do museu?

A motivação era a curiosidade epistêmica (científica, formal e sistemática) de um grupo de pesquisadores e entusiastas das “Ciências do Mar”, liderados pelo mestre, o Dr. Eliézer Rios. O museu também emerge de uma preocupação da comunidade para melhor compreender os ecossistemas do bioma local para um manejo sustentável (termo ainda não criado à época, porém que se adequa ao espírito que animou o projeto). Nasceu para mobilizar a sociedade pela proteção dos oceanos por meio da pesquisa e da divulgação do conhecimento.

A missão do museu se decanta na popularização, ou seja, na democratização do conhecimento gerado sobre os oceanos e a biosfera em suas diversas possibilidades.

Como esse espaço se consolidou com o tempo?

Consolidou-se pelo trabalho coletivo (professores, funcionários, alunos, voluntários, parceiros e colaboradores). Além disso, pelas contribuições para o conhecimento sobre botos, moluscos, peixes e aves. Pela ação incansável do CRAM e pela capacidade de dialogar com a diversidade de comunidades em que se insere. Consolidou-se pelo diálogo e pela expressão acurada do saber humano. Contribuiu sobremaneira a comunidade acadêmica e a FURG, pois o museu faz parte dessa instituição que constrói o Rio Grande que sonhamos.

Qual o papel do Museu Oceanográfico para conscientização e proteção do litoral brasileiro?

O Museu Oceanográfico tem como missão a divulgação do conhecimento científico sobre os oceanos para a sociedade por meio de uma linguagem compreensível, plural e diversa. A narrativa do museu remonta às origens da Terra e ao fenômeno da vida, intrinsecamente ligados aos oceanos, considerando aspectos ambientais, naturais, sociais e políticos. O museu é um importante difusor de conhecimento e mobilização ecológica por meio de texto, imagens, ações e objetos que contam uma história cujo escopo é a tomada de consciência coletiva pela saúde planetária. Acreditamos que o conhecimento é central para a proteção, a preservação e a crítica. Dessa forma, terno e contundente, o roteiro do museu acende mentes e corações para o cuidado da biosfera.

 

Quando se pensa em museus o senso comum imediatamente estabelece uma relação estática com a memória. Como é a relação do Museu Oceanográfico à pesquisa e dinâmica de fluxo de conhecimento de uma Universidade?

Memória é identidade. As musas gregas, detentoras do saber absoluto, são filhas da memória. O museu resguarda a memória da pesquisa, a memória da Terra e suas águas. Esse papel mítico do museu é extremamente vivo, pois em cada canto há uma história a ser contada por um objeto.

Essas coisas falam, e o museu dá vozes aos objetos de memória, as “museálias”. O Museu Oceanográfico não só “faz parte” da Fundação Universidade do Rio Grande, ele é a Fundação Universidade do Rio Grande. O museu atua diretamente no tripé acadêmico: ensino, pesquisa e extensão. É um lócus extensionista, naturalmente, é um espaço de ensino não-formal e contribui para pesquisas em diversas áreas. Além disso, o museu contribui para a memória da pesquisa, ou seja, salvaguarda o patrimônio natural, mas também o patrimônio antropossocial das pesquisas realizadas nas últimas sete décadas. A coleção malacológica é um exemplo disso, pois se trata de uma coleção possuidora de um valor em si (natural), bem como de um inestimável valor histórico. O museu é uma das faces da pesquisa para o grande público, pois as comunidades não visitam os laboratórios. Estes podem expressar o conhecimento que produzem por meio do museu.

 

O que o visitante encontra no Museu Oceanográfico?

É difícil falar sinteticamente sobre o Museu Oceanográfico, mas posso dizer que o visitante pode esperar encontrar a obra de 70 anos de pesquisa e de preservação dos oceanos, feitas com muita luta e paixão pela vida. Um celeiro de saberes, uma história de 70 anos que se desenvolve em diversos painéis, dioramas e exposições narrando ao visitante uma exploração pelo mundo silencioso e prenhe de mistérios milenares belíssimos. A imensa coleção de moluscos é a espinha dorsal do roteiro, remontando ao início da segunda metade do século 20, época em que poucos cientistas debruçavam-se sobre a temática. Nesse tempo, falar sobre preservação da biosfera era um ato de vanguarda, em que pese isso ainda hoje ser uma transgressão contra a sede insaciável do consumo que corrói a estabilidade da biosfera. O visitante poderá ainda contemplar um jardim cuidadosamente elaborado para que a atmosfera seja plena de vida e beleza. Às margens do estuário, está localizado o Centro de Recuperação de Animais Marinhos (CRAM), hospital no qual centenas de animais são tratados e devolvidos ao seu hábitat. O CRAM é uma síntese eloquente da missão do museu, pois expressa uma práxis (estudo x ação/prática) de 40 anos de um olhar arguto e amoroso à biodiversidade

 

Como funciona esse Complexo de Museus e Centros Associados, cada um tem um recorte museológico diferente. O que encontrar em cada um?

Cada museu possui sua tipologia e seu escopo, porém todos são atravessados pelo eixo da emancipação, da crítica e, portanto, da cidadania planetária. No Eco-Museu Ilha da Pólvora, os visitantes encontrarão um museu ao ar livre, cuja casa é peça museal, e não o museu em si. O Eco-Museu possui uma coleção viva, numa riquíssima marisma e, nas suas diversas peculiaridades, desfilam as formas de vida mais sofisticadas. Já no Museu Antártico, vamos encontrar uma delicada réplica da antiga Estação Antártica Comte. Ferraz. Nos contêineres, são apresentados raros objetos da “terra incógnita” e primorosos textos da mestra Judith Cortesão, eminente ambientalista luso-brasileira que participou da elaboração da coleção antártica e textos de divulgação. É um pequeno museu que conta uma grande saga. No Museu Náutico, o visitante encontra uma coleção de embarcações que contam uma história épica, da navegação no Rio Grande, indissociável dos atravessamentos biopolíticos e sociais de nossa região. Cada barco é um pequeno universo que conta a história e a vida das pessoas que construíram o Rio Grande e o Brasil, por meio do engenho humano e da arcana arte da construção de barcos. É, sem dúvida, um museu que enche os olhos e os corações, pois falar em náutica é falar em aventura.