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Outubro 31, 2024

Entre avanços e retrocessos, a pesca precisa de uma nova lei

Por: Oceana

O TEMA: Lei da Pesca

Pesca de tainha em Santa Catarina. Foto: Bento Viana

 

Por Ademilson Zamboni*

 

O anuário da revista Seafood Brasil abre um espaço de reflexão sobre os rumos da pesca brasileira: os caminhos que percorremos, aonde chegamos e quais desafios precisamos ainda vencer para garantir o futuro dessa atividade, cujo desenvolvimento depende fundamentalmente do equilíbrio entre o uso e a conservação dos recursos pesqueiros.

Nessa perspectiva, é imprescindível iniciar essa jornada com algumas informações fornecidas pela mais recente Auditoria da Pesca da Oceana, que em sua quarta edição, traçou um panorama detalhado da administração pesqueira brasileira em 2023. Os novos indicadores permitem agora cruzar resultados das atividades finalísticas da autoridade pesqueira, como monitorar e ordenar a pesca, com questões de natureza político-institucional, como os gastos públicos.

Não há dúvidas de que a recriação do Ministério da Pesca e da Aquicultura (MPA), no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, abriu uma avenida de oportunidades para o setor pesqueiro. Anteriormente sufocada por um orçamento extremamente reduzido, a pasta da pesca (agora MPA) ressurgiu em 2023 com orçamento 1.016% maior do que no ano anterior, somando R$ 188,7 milhões em recursos disponíveis para os programas do novo governo.

Apesar desse aumento expressivo, é interessante notar que a pesca continua sendo uma área com projeção ínfima dentro do Poder Executivo, possuindo um dos três menores orçamentos de toda a Esplanada. Trata-se, portanto, de uma pasta que permanece fragilizada e vulnerável aos ajustes políticos, como as reformas ministeriais.

Do orçamento disponível para 2023, somente 23% foi efetivamente executado pelo MPA em valores pagos, embora quase toda a verba tenha sido empenhada, indicando compromissos futuros. Chamou ainda a atenção a forma de execução do orçamento, centrada principalmente em Termos de Execução Descentralizada (TEDs): foram mais de 90 assinados com entidades federais para o desenvolvimento de projetos variados, desde a construção de currais de peixe até a coleta de dados estatísticos da pesca. Dentro deste contexto, nós, da Oceana, participamos da gestão pesqueira em fóruns de consulta como os dos Comitês Permanentes de Gestão (CPGs), mas não como foi feita a seleção das entidades e projetos. Neste caso, trata-se de um processo que poderia – e deveria – ter sido mais transparente e participativo.

Falando de transparência, a Auditoria da Pesca aportou boas notícias: tivemos avanços significativos em muitos aspectos da governança, com destaque para o funcionamento de 90% dos CPGs, 60% dos Grupos Técnicos Científicos (GTCs) dos CPGs, além de uma melhoria expressiva na abertura e no acesso aos dados e informações sobre o Registro Geral da Pesca. Desde que começamos a acompanhar esses quesitos, ainda em 2020, a evolução é nítida e digna de reconhecimento.

Até meados de 2022, destacávamos que o Brasil enfrentava um verdadeiro apagão de dados, quando quase 95% dos estoques pesqueiros explorados pela frota nacional não dispunham de diagnósticos robustos sobre seu estado de exploração. Esse cenário mudou, com 2023 sendo um ano no qual os gestores da pesca dispuseram de dezenas de novas avaliações de estoques, além de recomendações claras elaboradas por cientistas de todo País sobre como avançar na gestão das pescarias.

No entanto, apesar deste cenário promissor, praticamente nada mudou em termos de ordenamento da pesca. Os estudos publicados há quase 2 anos não subsidiaram novos planos de gestão, e os limites de captura seguem sendo uma exceção no regramento que ordena a pesca brasileira. Mesmo com mais recursos financeiros e informações disponíveis, há um descompasso, uma demora em se avançar com a revisão de portarias ultrapassadas e regramentos defasados e ineficazes. Mantido esse passo lento, teremos um longo e indesejável futuro em que os estoques seguirão sobrepescados e o setor produtivo navegará em um mar de insegurança jurídica.

Sendo assim, concluo essa reflexão apontando que, para que ocorra uma guinada profunda e duradoura na maneira como administramos nossas pescarias, dependeremos de uma mudança em nosso marco regulatório, sobretudo na Lei da Pesca.

Transformar avanços hoje transitórios, como os CPGs e a produção de pesquisa aplicada em conquistas perenes, depende de uma legislação federal mais robusta e dedicada, que estabeleça critérios mínimos para gestores e usuários dos recursos. É imprescindível que a sociedade discuta uma nova legislação pesqueira que aponte, minimamente, o que e como deve ser feito, bem como quem deve fazê-lo para que tenhamos um desenvolvimento verdadeiramente sustentável dessa importante atividade.

 

*Ademilson Zamboni é oceanólogo e diretor-geral da Oceana. O artigo foi publicado originalmente no 10º Anuário Seafood Brasil.