Expedições da Oceana mundo afora
Por: Beatriz Ribeiro
O TEMA:
Nos últimos dois anos, cientistas da Oceana viajaram a alguns dos lugares mais incríveis da Terra para documentar habitats subaquáticos e coletar dados para garantir sua proteção.
As praias de areia branca e as águas azuis do recife Alacranes (que significa escorpiões, em espanhol) podem parecer convidativas, mas as ondas amenas desse aglomerado de corais no Golfo do México escondem um cemitério de navios que foram vítimas de perigos ocultos nesse recife. Em 1524, marinheiros que sobreviveram a um naufrágio passaram quase cinco meses em uma de suas ilhas desertas, bebendo sangue de aves marinhas para sobreviver.
Em 2021, durante uma expedição a esse remoto parque nacional mexicano e ao recife Bajos del Norte, próximos dali, cientistas da Oceana não tiveram uma experiência tão radical, mas a viagem não foi nada fácil. Dias seguidos de mau tempo ameaçaram a integridade da equipe e sua embarcação. Um furacão que se aproximava obrigou o navio de de pesquisa Caribbean Kraken a voltar para a costa — forçando o hiato de um ano entre a primeira e a segunda metades da missão.
Essa não foi a única expedição da Oceana a enfrentar grandes riscos — e recompensas ainda maiores — à medida que as restrições à pandemia diminuíram nos últimos dois anos. Com o propósito de documentar e proteger os berçários ameaçados e outros habitats importantes, equipes da Oceana viajaram para alguns dos cantos mais remotos do globo, dos fiordes chuvosos da Patagônia às águas congelantes de Kodiak, no Alasca. Essas expedições ajudaram a proteger quase 10 milhões de quilômetros quadrados de habitat oceânico.
Uma festa de peixes no “recife dos escorpiões”
O recife Alacranes fica a 140 quilômetros ao norte da Península de Yucatán, a 10 horas de barco da costa. Embora represente um desafio enorme para os marinheiros, o isolamento do recife tem sido uma benção para a vida marinha. Enquanto os corais definham em outras partes do Golfo do México e do Caribe, vitimados por excesso de construções e outras ameaças, o Alacranes permaneceu relativamente intocado.
Mergulhos em pontos chamados de “os cogumelos” e “colunas das belas artes” são áreas que enchem os olhos de mergulhadores e cientistas. Grandes quantidades de peixes “donzelinhas” em tons de arco-íris atravessam arcos subaquáticos, enquanto procissões de tartarugas marinhas e tubarões-lixa deslizam entre os recifes de corais. “Foi realmente incrível”, afirmou Mariana Reyna, cientista de Oceanos e Pesca da Oceana e líder da expedição. Ela comentou a reação de uma colega da tripulação que, surpresa diante de tamanha diversidade, disse: “Eu tinha receio de me mexer, tinha tanta vida ali. Eu tinha medo de bater em alguma coisa”.
Mas a localização isolada do parque não foi suficiente para proteger o recife Alacranes de todos os perigos. Suas antigas colônias de corais chifre-de-alce e chifre-de-veado foram exterminadas décadas atrás por doenças e, como constatou a equipe da Oceana, patógenos continuam sendo uma ameaça contínua. Segundo Reyna, o peixe-leão é um invasor encontrado “em quase todas as partes” que, com seu apetite insaciável, é uma ameaça à existência de muitas espécies nativas de peixes.
Além disso, a equipe, que incluía cientistas e cinegrafistas de câmeras de vídeo em 3D, também avistou vários barcos pescando ilegalmente na região, o que comprova a falta de fiscalização no parque. Graças ao apoio de Blancpain, Sobrato Philanthropies e Fundação Wyss, a Oceana está fazendo campanhas para aumentar a proteção no recife Alacranes e preservar os Bajos del Norte, uma área de pesca que faz parte do mesmo sistema de recifes do Alacranes. O objetivo é declará-la como área protegida específica ou integrá-la ao parque nacional. A Oceana também está pressionando o governo mexicano para aumentar o monitoramento e a fiscalização no recife e atualizar o plano de manejo do parque, que está desatualizado e não leva em consideração o recente aumento do turismo naquela região.
Os Bajos del Norte, que surpreenderam os pesquisadores da expedição com a abundância de sua vida marinha, constituem um importante abrigo para peixes juvenis. Proteger esse berçário incrustado de corais é fundamental não apenas para a biodiversidade do Golfo, mas também para as 4 mil famílias de pescadores locais que dependem de espécies comerciais, como pargo, garoupa e lagosta. “Se perdermos essas áreas de recifes de corais, perderemos os meios de subsistência de muitas famílias em Yucatán”, disse Reyna.
Na Patagônia, preservando a natureza e a tradição
Mais de 8 mil quilômetros ao sul, a equipe chilena da Oceana iniciava sua própria jornada marinha para ajudar a preservar os modos de vida de comunidades locais. Katalalixar – um extenso labirinto de ilhas e fiordes a oeste dos campos de gelo da Patagônia – é a terra ancestral dos Kawésqar, um povo indígena que atualmente tem cerca de 600 pessoas.
Sob a superfície de temperatura glacial, anêmonas, esponjas e corais rosa compartilham o cenário com peixes e mamíferos, como o raro golfinho-chileno. Apesar do acesso difícil e do clima rigoroso, a região está em perigo — principalmente devido à indústria de criação de salmão do país, altamente poluente. Em 2018, uma campanha promovida durante anos pela Oceana e a população local conseguiu impedir a instalação de viveiros de salmão em cerca de 7 mil quilômetros quadrados em Tortel, área bastante próxima de Katalalixar.
Enquanto a Oceana procurava afastar a indústria do salmão de outras partes da Patagônia, tornou-se essencial proteger Katalalixar, um elo fundamental entre a os parques nacionais Laguna San Rafael e Bernardo O’Higgins. No entanto, a agência nacional de conservação do Chile tinha outras ideias. Primeiro, pediu à equipe que encontrasse evidências de espécies de líquens raros nas florestas da região, que foram fornecidas pela Oceana e por uma ONG parceira. Em seguida, exigiu prova do apoio dos povos indígenas.
Em resposta, a Oceana financiou um projeto de coleta de histórias com consultores Kawésqar, para documentar e mapear seu conhecimento tradicional da terra e do mar da região. O trabalho inspirou a primeira expedição cultural da organização, que reuniu membros de nossa equipe a uma família Kawésqar de cinco membros, em uma jornada de 15 dias.
Mas a Patagônia não é exatamente um lugar calmo e levar todos a Katalalixar já foi um exercício de arrepiar os cabelos. Uma tempestade impediu a saída da balsa que a família usaria para a conexão, junto com todo o suprimento de comida da expedição. Embora os participantes de Kawésqar tenham conseguido chegar em um voo de última hora, outros desafios lhes aguardavam. No meio da travessia para Katalalixar, o céu azul deu lugar a uma tempestade e ondas de três metros de altura sacudiram a embarcação como se fosse um brinquedo em uma banheira. Alguns dias depois, a comida da expedição acabou.
Porém, há lugares ainda mais desafiadores para se viver do mar. O capitão, pescador habilidoso, trouxe caranguejos-rei e baldes de mexilhões. “Comemos maravilhosamente bem”, riu a doutora em medicina veterinária Liesbeth van der Meer, diretora-geral da Oceana no Chile.
Ela chama atenção para um fato que ofuscou até mesmo o delicioso bufê livre de frutos do mar: o conhecimento íntimo, quase misterioso, do ancião Kawésqar Francisco Arroyo sobre o oceano. “Ele adormecia e, de repente, abria os olhos e sabia exatamente onde estávamos”, lembrou van der Meer. Arroyo sabia onde encontrar côngrios ou mariscos ou até mesmo poluição plástica, com precisão, deixando a tripulação fascinada.
Vídeos gravados na expedição estão sendo transformados em um documentário que deve estrear no início de 2023 O objetivo é chamar atenção do povo chileno para os Kawésqar e seu lar em Katalalixar, e ampliar o apoio para a proibição da criação de salmão naquela área, que pode ter impactos devastadores sobre o ecossistema marinho ao redor. Van der Meer enfatizou que os Kawésqar são os protagonistas dessa história, tendo a Oceana como parceiro. “Nós, os cientistas, estamos sempre ensinando as pessoas sobre o oceano”, disse ela. “Desta vez, foram eles que nos ensinaram tudo.”
“Congelando a pegada” no Golfo do Alasca
Do outro lado do globo, a expedição da Oceana ao Golfo do Alasca, apoiada pela Fundação Becht e pela Fundação Krupp, tinha muitos pontos em comum com sua equivalente patagônica: água gelada, clima desafiador e participações especiais de dois membros da equipe chilena, o diretor-científico da Oceana, Matthias Gorny, e o submarino robótico da organização. Mesmo diante do mar agitado que, em algumas ocasiões, forçou a equipe a se refugiar em baías protegidas e fiordes, os desafios foram enfrentados com calma. “Você precisa ser realmente adaptável e ter muitas opções diferentes em uma expedição”, disse o gerente de campanhas e cientista sênior da Oceana Jonathan Warrenchuk. “Você tem que ter planos b, c e d”.
Além da das incertezas causarem uma agitação na equipe, era comum que integrantes da expedição ficassem acordados até duas ou três da manhã para recuperar e fazer reparos nas “câmeras de lançamento”, depois que elas subiam à superfície. Mas todo esse esforço valeu a pena.
Imagens subaquáticas revelaram cenários inesperados, de florestas de algas kelp e hidrocorais do fundo do mar a pilhas de bacalhau ling, lembrou Warrenchuk. “Cada vez que checávamos as filmagens do dia, revelavam-se todos os tipos de pequenas surpresas, de polvos escondidos a peixes-pedra cochilando sobre esponjas”, comentou o cientista.
O tempo todo, a tripulação presenciava um show espetacular de vida selvagem do Alasca, com ursos pardos de Kodiak patrulhando a costa e lontras marinhas, baleias-comuns e bandos barulhentos de albatrozes vagando no mar. Uma jovem foca curiosa, que passou meia hora investigando o barco, foi um deleite especial para a equipe.
Mas nem todas as surpresas foram boas. Havia áreas de até mil metros de profundidade, onde as embarcações de arrasto haviam arado o fundo do mar, em que a biodiversidade era muito menor, com corais quebrados na base ou totalmente destruídos. Essas cenas representam ameaças à saúde e à produtividade desse ecossistema marinho único. O Golfo do Alasca é a última grande região ao longo da costa oeste dos Estados Unidos e do Canadá que permanece aberta à pesca de arrasto de fundo. A Oceana usará os resultados da expedição para frear a “pegada” do arrasto de fundo na região, evitando que esse método de pesca destrutivo se expanda para zonas ainda intocadas.
Sinais de vida em meio aos vestígios do arrasto e da poluição por plásticos na Espanha
No Mar de Alborán, a leste do Estreito de Gibraltar, no Mediterrâneo, a quarta e última expedição da Oceana em 2022 revelou as consequências no ecossistema marinho quando o arrasto “corre solto”.
“Em algumas áreas, não encontramos quase nada vivo no fundo do mar”, disse o assessor sênior da Oceana e líder da expedição, Ricardo Aguilar. Sejam marismas, leitos arenosos de gorgônias ou recifes de águas profundas, “a maioria deles desapareceu por causa do arrasto”.
As piores marcas de arrasto descobertas pela expedição estavam dentro de uma série de áreas marinhas protegidas ao longo da costa espanhola. Considerando-se que corais, esponjas e outras espécies que servem de base a recifes podem levar de dezenas a centenas de anos para se regenerar, essas descobertas foram particularmente preocupantes. Até mesmo os fundos cobertos por gramíneas marinhas, explicou Aguilar, se parecem com as grandes florestas no sentido de que levam pelo menos um século para se recuperar totalmente depois que as redes de arrasto passam nelas como arados.
As cicatrizes deixadas por equipamentos de pesca não eram os únicos sinais de dano. Em vários locais, a equipe registrou mais lenços umedecidos do que peixes — uma evidência, do descarte de esgoto não tratado, de revirar o estômago. Além disso, vários cânions marinhos foram encontrados entupidos de lixo.
Ainda assim, havia sinais de esperança.
Os pesquisadores ficaram emocionados ao descobrir um recife coberto de corais moles e esponjas vívidas – principalmente a esponja-de-chifre que desapareceu na maior parte de sua área e é protegida por um conjunto de leis de conservação específicas do Mediterrâneo. Tendo restado tão pouco habitat onde não houve arrasto no Mar de Alborán, esse recife representa um refúgio especialmente importante para peixes e outros animais.
A Oceana usará as evidências coletadas nesta expedição em uma campanha para que o governo espanhol e a União Europeia acabem com a pesca de arrasto de fundo em todas as suas áreas marinhas protegidas. “Eles não devem permitir métodos de pesca destrutivos nem atividades predatórias como a exploração de petróleo, ou resíduos nessas áreas”, defende Aguilar. “Restam algumas áreas muito boas e bem preservadas, mas que estão ameaçadas por causa da pesca de arrasto.”
O Mar de Alborán tinha uma característica em comum com as outras expedições recentes: mau tempo. Nesse trecho de oceano, geralmente calmo como um espelho e de sol escaldante, os ventos fortes fizeram com que, muitas vezes, fosse muito perigoso sair de portos protegidos. Considerando todas as ameaças que o oceano enfrenta, alguns “maus humores” são compreensíveis. Independentemente de qualquer adversidade, a Oceana continuará navegando os mares de polo a polo para garantir a restauração da saúde e abundância dos oceanos.
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Este artigo foi publicado originalmente na edição de Inverno 2022 da Oceana Magazine.
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