Doutora em Patologia e professora-pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Thais Mauad é uma das especialistas mais respeitadas na comunidade científica mundial quando o assunto é microplástico. Em 2019, ela coordenou uma pesquisa que detectou pela primeira vez partículas de plástico em pulmão humano. Esse fato aconteceu antes da constatação de que esse material circulava pela corrente sanguínea. A descoberta chocante a fez mudar hábitos. Embalagens e descartáveis sumiram de sua rotina. Hoje, Thais supervisiona duas pesquisas inéditas sobre o tema: uma para investigar a presença de plástico no cérebro humano e outra sobre a extensão das fibras inaladas no meio ambiente e depositadas na cavidade nasal. “Há um uso abusivo de plásticos descartáveis. Trata-se de algo excessivo que a sociedade precisa parar de produzir e de consumir”, alerta a cientista.
Pesquisas científicas têm detectado a presença de microplásticos no pulmão, na placenta, na corrente sanguínea, no leite materno e, mais recentemente, no cérebro de roedores. O que a ciência já pode afirmar sobre os efeitos dos microplásticos na saúde humana?
No primeiro momento de pesquisa, precisávamos saber se existiam plásticos no corpo humano e em que órgãos se encontravam. Hoje já sabemos que o material está na corrente sanguínea, da placenta ao leite materno, circulando entre vários órgãos. O que isso traz para a saúde? Evidências de pesquisas de sistemas biológicos mais simples, a exemplo de uma cultura celular do epitélio intestinal ou pulmonar, demonstram que existe uma reação de resposta inflamatória. Em modelos com animais, como os roedores, foi observado que o nanoplástico chegou em duas horas ao cérebro, gerando rotas inflamatórias em conexões nervosas. Nos animais, há uma implicação direta na saúde. No corpo humano, sabemos que temos uma partícula inerte em circulação, e o nosso sistema imunológico não dá conta de eliminá-la, o que pode levar a efeitos adversos. Uma outra questão importante é que o plástico no organismo carrega uma série de substâncias nocivas, como aditivos, metais pesados, substâncias cancerígenas. Então, não se sabe, nesse momento de pesquisa mundial, o que vai acontecer de verdade com a saúde humana. O que sabemos é que há bilhões de toneladas de plástico no meio ambiente e vai demorar muito para que o planeta seja despoluído, mesmo que a indústria, que tem um lobby fortíssimo, parasse de produzir plástico. O assustador é que as pessoas não estão totalmente conscientes desse impacto.
O primeiro estudo científico brasileiro a detectar microplásticos no pulmão humano foi realizado sob sua supervisão. O que mais a surpreendeu nessa descoberta?
Esse estudo teve impacto mundial em 2020, quando, a partir de autópsias em amostras retiradas de pulmões de não fumantes, detectamos a presença de plástico em 13 de 20 materiais coletados. Naquele momento, tínhamos várias perguntas. Uma delas era se essa partícula inerte conseguiria sair do órgão, que tem uma alta rede capilar. Outras dúvidas eram se ela causava ou não inflamação e quais eram os impactos na saúde daqueles indivíduos. Isso foi antes de ser descoberta a circulação da partícula na corrente sanguínea. O que me impressiona é que as pessoas não se impactaram com o resultado. O consumo de plástico de uso único segue forte. Lógico que sabemos o quão difícil vai ser substituir o plástico em locais como aviões e hospitais, mas os descartáveis do dia a dia precisam acabar.
Como o plástico chega no corpo humano?
De três formas: ingestão, inalação e contato com a pele. Em nossas casas, temos a maior quantidade de plástico no ar, pois a ventilação é baixa. Estamos rodeados de plásticos nas roupas e nos móveis estofados. Estamos também comendo plásticos pelos vasilhames que acondicionam os alimentos e a água. E também por meio da triste cadeia marinha, com peixes e frutos do mar contaminados que chegam à mesa. Consumimos cerca de cinco gramas de plástico por semana, o que é equivalente ao peso de um cartão de crédito. Na pele, o microplástico [fibra de até 5 mm] e o nanoplástico [menor que 1 micron, a milésima parte de um metro] entram em contato com o organismo, sobretudo, pela maquiagem.
A senhora e sua equipe têm desenvolvido mais pesquisas nessa linha? Como a ciência prevê o futuro da nossa saúde nesse aspecto?
No momento, estamos conduzindo duas pesquisas. Uma na cavidade nasal, para entender a inalação do meio ambiente, o tamanho das fibras; e outra com amostras do cérebro humano, que é um sistema muito fechado e protegido, com uma barreira potente à suposta entrada dessa partícula inerte. A ciência estuda essa questão nesse momento, mas não tem nenhum resultado a respeito disso. É complexo porque são muitos tipos de plásticos. Não sabemos ainda qual é o limiar tóxico dessas substâncias no corpo humano, como já existe hoje para os metais pesados, por exemplo.
É possível evitar a contaminação por microplásticos? Se sim, poderia nos explicar como?
Você é capaz de evitar a poluição do ar? Um caminho é diminuir o uso de embalagens plásticas num ambiente mais controlado, e parar de guardar comidas em vasilhames de plásticos. Há um uso abusivo de plásticos descartáveis. Trata-se de algo excessivo que a sociedade precisa parar de produzir e de consumir.
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