“O plástico vai para o lixão e não tem valor algum” - Oceana Brasil
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Julho 31, 2024

“O plástico vai para o lixão e não tem valor algum”

Por: Oceana

O TEMA: 

Foto: Júlia Nagle / Pimp My Carroça / Cataki

 

Laura da Cruz tornou-se uma referência ao fazer vídeos bem-humorados em que explica o que é e o que não é reciclável, ajudando a sociedade a compreender os impactos do plástico nos oceanos e na vida humana 

Em busca do sonho de um trabalho decente, a paraense Laura da Cruz, hoje com 62 anos, migrou para São Paulo em 2015. Chegou à capital paulista com apenas R$ 10 na bolsa, descobriu as dores da maior cidade da América Latina e, no meio do caminho, encontrou uma profissão pela qual se apaixonou: catadora de materiais recicláveis. Comunicativa, despojada e dona de uma gargalhada contagiante, ela chamou a atenção da ONG Pimp My Carroça, fundada pelo artivista Mundano. Veio, então, um inusitado convite: falar sobre o ofício diante de uma câmera de celular. Logo o primeiro vídeo já repercutiu nas redes sociais e, assim, nasceu o perfil @lauradacruzreciclagem. Sim, a influenciadora fez questão de agregar ao seu nome a vocação que deu um novo sentido à sua vida. Atualmente, com mais de 20 mil seguidores, Laura costuma criticar o uso descontrolado do plástico na sociedade brasileira e defende a aprovação do Projeto de Lei 2524/2022. “O plástico vai para o lixão e não tem valor algum. Às vezes, o caminhão da prefeitura nem recolhe, deixa lá no meio da rua”, conta.  

 Nesta edição da Oceana Entrevista, conversamos com ela sobre a sua trajetória e a necessidade de reduzirmos o problema do plástico no mundo.  

 

Como foi sair de Belém e vir para São Paulo sozinha, sem conhecer ninguém e sem dinheiro? E como essa experiência te levou a trabalhar com reciclagem?  

Cheguei em São Paulo, em 2015, com R$ 10 e uma promessa de estadia. Vim atrás de trabalho porque eu sou mãe, avó e bisavó. Infelizmente, quem me prometeu a moradia negou, disse que não me queria mais. Quando fui avisada, já estava no avião. Foi uma experiência triste. Fiquei morando um mês no Aeroporto de Guarulhos. Depois, fui para um abrigo. Lá, descobri um aviso para trabalhar com reciclagem, mas quando cheguei o dono não queria mulheres. Fui, então, em outras buscas, até que comecei a trabalhar com reciclagem numa rede de supermercados que não separava os materiais. Era tudo misturado. Essa empresa perdeu a concorrência e fui absorvida por outra cooperativa vencedora, que me treinou. Fui levada para conhecer a esteira de separação, a prensagem, e a separação em si. Aí, comecei a entender o que era a reciclagem.  

Como foi a trajetória para você se tornar uma influenciadora digital?   

Esse convite aconteceu a partir de uma pessoa da ONG Pimp My Carroça, que me pediu para fazer um vídeo sobre reciclagem. Ela gravou e postou nas redes sociais. Deu certo. Nesse momento, eu tinha uma conta no Instagram para postar fotos dos meus netos, bisnetos, coisas da família. Pedi, então, para que abrisse uma conta que colocasse a palavra reciclagem no meu nome e ficou Laura da Cruz Reciclagem (@lauradacruzreciclagem).  

Em que momento você percebeu que o plástico era um material, em sua maioria, não reciclável?   

Foi quando eu vi o plástico com um impacto enorme na vida do ser humano. Uma vez, aqui em São Paulo, houve uma chuva muito forte que entupiu os bueiros e provocou enchentes. Eu estava acuada na rua e vi a quantidade de lixo plástico que saía dos esgotos. Depois, acompanhando meu neto, que gosta de pescar, vi quando ele achou um peixe preso dentro de uma garrafa pet. Ele encontrou também outro enrolado em lixo plástico. Fui ganhando essa consciência porque antes eu participava desse erro, jogando esse tipo de lixo nas ruas de Belém. O plástico vai para o lixão e não tem valor algum. Às vezes, o caminhão da prefeitura nem recolhe, deixa lá no meio da rua. É o catador que chega e, mesmo não valendo nada, recolhe porque sabe o mal que aquele resíduo vai fazer à cidade. 

Nas redes sociais, você fala bastante sobre o problema da poluição plástica. Como o público reage a essa problemática?  

Sim, as pessoas começam a entender assistindo aos meus vídeos. Tem pessoas que vieram me conhecer na sede no Pimp My Carroça porque são minhas seguidoras. Elas me dizem: “Laura, eu comprava aquele material porque eu pensava que era reciclável. Agora, não compro mais”. Minha família também não compra. Esse é meu melhor exemplo. 

Você integra as organizações Pimp My Carroça e Cataki que apoiam a campanha Pare o Tsunami de Plástico. Qual a importância do Projeto de Lei 2524/2022 para catadores e catadoras?  

Esse Projeto de Lei é muito importante porque o catador é um profissional invisível que luta pelo meio ambiente. Merece ser remunerado e reconhecido há muito tempo. Nem precisava acontecer esse tsunami de plásticos que ameaça a todos para a sociedade saber da nossa importância.  

Como você percebe o olhar da sociedade hoje para catadores de material recicláveis. Você acredita que diminuiu o preconceito?  

Põe aí, nesta entrevista, entre aspas que “diminuiu o preconceito”. Há muita gente ainda que trata o catador como “lixeiro”. Há relatos de carros que batem propositadamente nos carroceiros, quebram as suas carroças. Acho que o trabalho da Pimp My Carroça, da Cataki e dos meus vídeos ajudam muito. Mas precisamos de mudanças reais nas leis. Quando mexem no bolso, acredito que resolve. Precisamos multar essas empresas que produzem esse bando de lixo plástico que não se recicla. Multas exorbitantes, de preferência. Precisamos tirar essa lei do papel. Quero ver um mundo sem plástico. 

O que os governos devem fazer para diminuir a poluição plástica? E as indústrias?  

Acabar com o plástico. Proibir essa produção desse lixo, porque o plástico é lixo. Valorizar o catador como profissional e agente do meio ambiente, assinando a sua carteira, garantindo os seus direitos.