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O que é sobrepesca?

Por: Oceana

O TEMA: 

Cerca de 400 toneladas de cavala (Trachurus murphyi) capturadas em rede de cerco. Foto: Oceana/ C. Ortiz Rojas

 

A atividade pesqueira é fundamental para a geração de renda, a garantia de uma alimentação saudável e a preservação do modo de vida tradicional de inúmeras populações. No entanto, quando feita de maneira desordenada, pode trazer incontáveis prejuízos, como o colapso de espécies inteiras e a destruição de habitats de valor inestimável. Nesse contexto, ganha destaque o combate à sobrepesca, que ainda está muito presente nas águas do mundo todo. No Brasil, a Auditoria da Pesca 2024 revelou, por exemplo, que 68% das espécies avaliadas estão sobrepescadas. Nesta edição da série Mar aberto: especialistas respondem, o oceanógrafo Martin Dias, diretor científico da Oceana, explica esse conceito e aponta caminhos para reverter esse cenário.

 

Martin Dias. Foto: Oceana/Nathalia Carvalho

Dentre os vários objetivos da gestão pesqueira, o mais importante, sem dúvidas, é evitar que os estoques de pescados se esgotem. Isso significa, basicamente, combater o que se chama de sobrepesca – que pode ser entendida tanto como um processo quanto um estado.

Quando nos referimos ao processo de sobrepesca – muitas vezes chamado também de sobreexplotação, um termo derivado do inglês overexploitation – estamos falando de uma situação em que a pesca de determinada espécie acontece em níveis superiores à capacidade de reposição natural do estoque, por meio da reprodução e do crescimento.

Para deixar mais claro, podemos fazer um paralelo com as nossas finanças pessoais. Imagine uma pessoa equilibrada financeiramente, que sempre mantém uma reserva de segurança na sua conta bancária, mas que, a partir de determinado momento, começa a gastar mais do que recebe. O que acontece neste caso? Suas reservas financeiras começam a ser consumidas e vão diminuindo com o tempo. Isso não significa que ela já está endividada, mas indica um processo de endividamento, pois se mantiver esse padrão de despesas, suas reservas se esgotarão. Quando dizemos que um estoque está sofrendo sobrepesca (ou em sobreeexplotação), a situação é exatamente a mesma: retiradas superiores às entradas resultam em uma tendência de diminuição do tamanho do estoque ao longo do tempo.

Quando não se toma nenhuma medida de gestão para controlar essas retiradas (as capturas) e a sobrepesca se mantém por muito tempo, a tendência é que o estoque fique sobrepescado – não mais como processo, mas agora como estado, em referência ao termo inglês overfished. Voltando ao exemplo financeiro, é como se a pessoa que passou muito tempo gastando mais do que recebia tivesse, finalmente, suas reservas esgotadas, passando a usar empréstimos ou o cheque especial para pagar suas despesas, uma vez que não há mais dinheiro em conta. No mar, porém, não existe empréstimo, nem conta no negativo, quando o assunto é a disponibilidade de peixes.

Qual é, então, o ponto de referência utilizado para classificar um estoque como sobrepescado? Geralmente, isso ocorre quando a sua biomassa está abaixo daquela que produz o Rendimento Máximo Sustentável, ou seja, uma quantidade capaz de gerar a máxima produtividade daquele estoque. Essa é uma situação que indica tanto a melhor produção possível quanto um limite de segurança biológica, que não deveria ser ultrapassado.

No entanto, quando isso acontece e o estoque fica, de fato, sobrepescado, é necessário agir da mesma forma que se faria com uma pessoa endividada: buscar a recuperação para retomar uma situação financeira segura. Para isso, é preciso gastar menos do que se recebe, gerando um saldo que a permita ir pagando suas dívidas e, aos poucos, reconstruir seu colchão financeiro. Uma vez recuperada a situação, a pessoa pode voltar a gastar sem o risco de falência – sempre com atenção para que o ciclo de endividamento não se repita.

Na pesca, o processo é o mesmo, pois é preciso reduzir as capturas por certo período, deixando um excedente de produção no ambiente, seja no mar ou no rio. Isso significa pescar menos do que o estoque consegue repor naturalmente. Com o tempo, a biomassa vai se recuperando e a produção pode ser aumentada de forma segura, alcançando, por exemplo, o já mencionado Rendimento Máximo Sustentável.

Contudo, o que vemos é o pior cenário possível: estoques sobrepescados que seguem sofrendo sobrepesca. É como aquela pessoa endividada que segue gastando mais do que recebe, acumulando dívidas. E o destino provável, em ambos os casos, é a falência completa, um colapso no qual não há mais recursos, os bens estão bloqueados e nem empréstimos são possíveis.

Na pesca, o nome é exatamente esse: colapso. A biomassa dos estoques fica tão baixa que os retornos obtidos com a pesca não cobrem sequer os custos de produção, e a atividade, como um todo, é obrigada a parar. Trata-se de uma crise extremamente complexa de superar, na qual a recuperação depende, na maioria das vezes, de decisões drásticas como o fechamento completo de pescarias por muitos anos.

A pesca é uma atividade de enorme importância social, econômica e cultural, que fornece alimentos de alto valor nutricional para milhões de pessoas. Mas seus impactos no ambiente não podem ser ignorados. Por isso, uma gestão eficiente é fundamental para assegurar que os estoques sejam explorados em níveis biologicamente seguros e os ecossistemas não sofram danos graves. Desta forma, os benefícios da pesca para a humanidade podem ser mantidos indefinidamente.