Julho 23, 2025
“O mercado consumidor de pescado é consciente, quer um produto mais sustentável e comércio justo”
Por: Oceana
Oceanólogo e mestre em Aquicultura, André Brugger é um dos cofundadores e diretor do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), e gerente de Sustentabilidade e Compliance da empresa Netuno USA, distribuidora atacadista de pescados com sede nos Estados Unidos (EUA), que está, atualmente, entre as principais importadoras do pargo proveniente do Brasil. Nessa edição da Oceana Entrevista, ele avalia os riscos que esta importante pescaria enfrenta em decorrência da falta de implementação de mecanismos eficazes de gestão pesqueira no Brasil e da iminência das novas tarifas que devem ser cobradas pelo governo estadunidense aos produtos brasileiros.
Os Estados Unidos são, hoje, o maior mercado mundial de pescados. Como a ciência e a gestão pesqueiras são avaliadas no país, sobretudo no que impacta o comércio internacional?
A gestão pesqueira é muito bem-feita nos Estados Unidos, mas nós quase não compramos de produção local. O país tem poucos estoques que são explorados em um nível comercial alto, como a lagosta de águas frias ali na região do Maine; algum salmão selvagem na fronteira com o Alasca, na costa oeste; um pouco de camarão no Golfo do México; e até o próprio pargo, o mesmo que a gente pesca no Brasil também é pescado no Golfo do México, mas com uma gestão pesqueira muito boa, com comitês, bastante ciência. Esse processo funciona muito bem aqui.
Nós temos notado, nos últimos 2, 3 anos, um aumento da fiscalização por parte do governo norte-americano para que as empresas, ainda que sejam daqui, respeitem a legislação dos países de origem. Então, no caso do Brasil, temos que estar bem atentos com às regras vigentes, como, por exemplo, capturas em áreas cuja profundidade seja menor que 50 metros, verificar se o barco está devidamente licenciado, enfim. E o Brasil até criou a LPCO [Licenças, Permissões, Certificados e Outros Documentos] onde o Ibama emite uma licença que revisa todo o arcabouço legal e vê se a carga está lícita para ser exportada.
Por outro lado, nós também estamos sofrendo mais fiscalização por parte da NOAA [National Oceanic and Atmospheric Administration, agência científica e reguladora estadunidense, responsável por monitorar a atividade pesqueira, entre outros] e do CBP [Customs and Border Protection, responsável pela alfândega e proteção de fronteiras dos EUA]. Mas isso é bom! Antigamente só se avaliava qualidade, por questões de segurança alimentar, mas agora essa parte de compliance também tem sido levada em conta, garantindo que toda documentação esteja realmente em dia, se não tem nenhum documento frio, não só do ponto de vista contábil, mas também da legislação ambiental e de direitos humanos.
De todo modo, o fato de os Estados Unidos serem o maior mercado mundial se dá pelo fato de ser uma economia muito pujante, com uma população com poder aquisitivo alto. Então, seja por opções culturais ou por questões de saúde, o consumo de pescado aqui vem crescendo ano a ano. Por isso todo mundo está de olho e, também por isso, essas novas tarifas preocupam tanto os exportadores brasileiros e os importadores de pescado provenientes do Brasil.
Em torno de 95% do que é consumido internamente nos EUA é importado. Então quando a tarifa é de 10 a 20%, como alguns competidores do Brasil, da Ásia e outros países da América Central e Caribe, vai tudo bem. Mas uma tarifa de 50%, e com possibilidade de aumento por conta de todo esse ruído que vivemos no momento, realmente preocupa, podendo trazer inflação e até mesmo a quebra de algumas cadeias de comércio.
Quais são as principais preocupações das grandes importadoras hoje, no que diz respeito à sustentabilidade das pescarias? Como vocês podem atuar para coibir problemas globais como a sobrepesca e a pesca ilegal?
Essa é uma pressão internacional, mas sobretudo, de mercado – não de governos ou de Estado. Claro que algumas entidades do terceiro setor, entre elas a própria Oceana, fazem um bom advocacy sobre o segmento nesse sentido. Mas o mercado consumidor de pescado é consciente, quer um produto mais sustentável, um comércio justo, uma pescaria que não tenha problemas com direitos humanos, trabalho escravo ou trabalho infantil.
Por isso é que surgiram os selos de certificação de sustentabilidade: o MSC [Marine Stewardship Council] para a pesca marinha e o ASC [Aquaculture Stewardship Council] para a aquicultura. Esses selos estabeleceram padrões, que têm vários indicadores, de modo que você pode fazer uma avaliação da pescaria e saber se ela está próxima ou longe de ter um selo de pesca sustentável.
No caso do pargo, por exemplo, nós fizemos essa avaliação e a pescaria falhou diante de alguns indicadores, que são muito típicos do Brasil, como falta de estatística pesqueira e da aplicação da lei. As leis brasileiras são até bem-feitas, mas o Estado tem dificuldade de aplicar, de exercer o poder de polícia, de prender barcos e cargas que estão em desacordo com a legislação vigente. O Brasil falha nisso. Mas o nosso maior problema é no Princípio 1 dos indicadores da MSC [relativo à sustentabilidade dos estoques], porque seria preciso uma estatística de desembarque mais estruturada para trazer os dados necessários às avaliações de estoque.
Quando essas certificações não são possíveis, porque algum indicador está falhando, nós criamos e fomentamos os famosos FIPs (Fishery Improvement Projects), ou projetos de melhoria pesqueira, onde diversos atores tentam endereçar aquele problema para tentar melhorar a nota daquele indicador – que às vezes é mais fácil, às vezes é mais difícil. E é assim que temos tentado implementar uma política de abastecimento de matéria-prima mais sustentável em toda a cadeia de produção.
No Brasil, nós enfrentamos um momento delicado para a pesca do pargo, que segue sem limites de captura. O governo brasileiro está fazendo a parte dele na manutenção da atividade e desse comércio tão importante?
Toda a pescaria do pargo no Brasil desembarca em torno de quatro a cinco mil toneladas por ano. Desse total, mais ou menos uma tonelada deve ficar no mercado interno e o restante vem para os Estados Unidos.
Foi feito um trabalho, com alguns dados científicos recentes, para tentar estabelecer uma cota de captura ou, melhor dizendo, uma cota de exportação – uma vez que os dados do mercado doméstico são difíceis de rastrear, mas as exportações são bem controladas. Então a ideia era fazer a pesca parar, uma vez que a cota fosse atingida, ainda que o defeso não fosse se iniciar. Começamos com uma cota de quatro mil toneladas mais ou menos, pelo histórico das exportações, mas as recomendações científicas foram que ela ficasse em 3,3 mil toneladas. Aí o CPG [Comitê Permanente de Gestão dos Recursos Pesqueiros] se reuniu, aprovou isso e, também, um tamanho mínimo. Mas, infelizmente, a safra começou e isso ainda não entrou em vigor. Eu acho que o CPG fez a parte dele e só faltou o governo regulamentar.
Há uma preocupação das empresas estrangeiras em se planejar para o futuro, sabendo que importam produtos em risco de esgotamento e/ou advindos de países que não fazem a devida gestão de suas pescarias?
Há uma preocupação das empresas estrangeiras, claro, mas ela devia ser maior nas empresas brasileiras, porque nós também trazemos pescado de outros países. Esse mesmo pargo e outras espécies parecidas vêm da Venezuela, do Vietnã, da Indonésia. O importador vai dar um jeito, fazendo uma troca de produtos, então a preocupação deve ser das empresas e do governo brasileiro.
Os noticiários estão tomados, nos últimos dias, pela questão das tarifas que os EUA ameaçam aplicar ao Brasil, impactando diretamente a exportação de produtos como os pescados, entre os quais destacamos o pargo, a lagosta e os atuns. Essas cadeias correm risco com esse possível aumento de preços? Como vocês estão avaliando esse momento?
Não há nenhuma dúvida. As margens aplicadas em um business desse são de 10 a 15%, talvez uma empresa que encontra um mercado muito bom pode conseguir fazer uns 20% de margem. Então, se você arbitra uma tarifa de 50%, você inviabilizou o negócio. Para todas essas cadeias, mas também as do agronegócio, não existe a menor viabilidade econômica de comprar produto do Brasil com essas tarifas.
Tem o lado bom de que, de repente, sem a força da exportação, pode ser que as capturas diminuam e o estoque dê uma respirada. Nem toda coisa ruim traz só malefícios, do ponto de vista da conservação pode até ser interessante. Mas, comercialmente, essa alíquota inviabiliza o comércio de pescado entre o Brasil e os Estados Unidos.