Outubro 13, 2022
Pescadores/as artesanais apontam necessidade de nova política nacional que fortaleça gestão regional da pesca
Por: Oceana
O TEMA: Lei da Pesca
Encontro em Niterói discute documento que pede também mais autonomia para comunidades pesqueiras na gestão da pesca
A 10ª Oficina para a “Construção Coletiva de uma Nova Política Pesqueira Nacional”, apoiada pela Oceana, discute documento composto por cerca de 150 representantes de pescadores e pescadoras artesanais do país como um novo parâmetro para dialogar com os entraves da atual Lei da Pesca (Lei nº 11.959). O texto é fruto de oficinas que aconteceram em duas jornadas, entre agosto e outubro, contemplando vozes de todas as regiões do país. O último encontro realizado nos dias 10 e 11 de outubro, reunindo 23 participantes dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo.
Como resultado desse processo de escuta e construção colaborativa, o documento compreende visões plurais da pesca artesanal e abrange tanto o caráter administrativo e gerencial dos recursos pesqueiros. Engloba tanto a importância socioeconômica e cultural da proteção dos territórios pesqueiros, quanto a valorização do conhecimento de saberes tradicionais e a inclusão das mulheres na política pesqueira. “É um resultado que se apresenta pelo seu olhar plural para enfrentar os problemas da lei de uma maneira completa e holística”, aponta o diretor científico da Oceana, Martin Dias.
O desafio é o de equalizar, na ótica de política nacional para a pesca, o país de dimensão continental com as diferentes realidades regionais, a exemplo da amazônica, do extremo Sul e da costa de corais e águas quentes do Nordeste. “São atividades pesqueiras distintas que precisam estar contempladas dentro de uma política nacional menos centralizadora e dotada de instrumentos que fortaleçam a pesca artesanal”, explica Martin.
PONTOS DE CONVERGÊNCIA
Nos 10 encontros realizados, pescadores e pescadoras da costa brasileira apontaram pontos de convergência como bússola para a melhoria da atual Lei da Pesca. Além da descentralização e autonomia das regiões, há a importância da criação de espaços participativos, como comitês federais e regionais, para que a gestão seja democrática e garanta a participação de todos os que integram a cadeia produtiva. Outra demanda predominante é a estabilidade da estrutura da gestão da pesca, numa governança que não seja desestabilizada por políticas de governo e mudanças ministeriais. A presença da mulher como uma das protagonistas do setor pesqueiro artesanal e a valorização dos saberes tradicionais também dominaram os debates de ponta a ponta do País.
Em Niterói, Cleusa Remédios Rocha, catadora de marisco em Arraial do Cabo (RJ), e Abbul Mahmebb, pesquisador e pescador em Paraty (RJ), sustentaram esses pontos comuns que precisam estar contemplados na modernização da política pesqueira nacional. Ela defende a cultura da mulher pescadora para resgatar tradições. Ele mostra a importância do processo de escuta participativa para que a cadeia produtiva esteja contemplada nas decisões políticas sobre a pesca.
“Descobri a pesca como turista, indo para a comunidade de Cajaíba (Paraty). Aprendi com a comunidade nesse processo de escuta e observação. Aprendi a pescar camarão, lula e corvina para sustentar minha segunda universidade, em História Social. Sou um pesquisador que me tornei pescador. Esse processo participativo é importante porque o Estado não nos ouve e precisamos levar essa prática para a lei”, defende Abbul, geógrafo, descendente de indígena e indiano.
“Participar dessa coletividade para a construção de uma nova lei, tira a mulher da invisibilidade na cadeia produtiva da pesca artesanal. A história da pesca artesanal passa pela mulher, desde a salga do peixe [beneficiamento do pescado com uso de sal grosso numa época sem eletricidade], um resgate que fazemos na Cooperativa de Mulheres da Prainha, primeiro bairro negro do Arraial do Cabo”, conta Cleusa, revelando que as mulheres são atuantes em todas as etapas da cadeia produtiva da atividade, desde a captura até a comercialização do pescado.
CONSTRUÇÃO COLETIVA DE UMA NOVA LEI
Durante dois ciclos de oficinas para a “Construção Coletiva de uma Nova Política Pesqueira Nacional”, trabalhou-se na redação de um documento que espelhasse a realidade da pesca artesanal do Brasil, representantes da pesca artesanal relataram os problemas e as especificidades das comunidades locais, apontando questões que deveriam estar contempladas numa política pesqueira nacional que estivesse em sintonia com a base da cadeia produtiva. Destacaram-se nessa etapa a forte presença feminina e a defesa e pertencimento aos territórios. As reuniões aconteceram nas cidades de Salvador, Fortaleza, Belém, Florianópolis e Niterói entre agosto e outubro de 2022.
A Oceana, organizadora dos encontros, pretende ainda promover mais diálogos com pesquisadores, organizações não governamentais, representantes da pesca industrial e da sociedade civil, para garantir que todos os envolvidos na pesca participem desse processo, contemplando transparência, conhecimento técnico e empírico, saberes tradicionais e participação social.
Fotos: Acervo Oceana
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