Pescadores e pescadoras artesanais demandam do novo governo mudanças urgentes na Lei da Pesca
Por: Beatriz Ribeiro
O TEMA:
A “Carta de Brasília”, construída por lideranças das quatro regiões costeiras do país, reivindica garantia dos territórios pesqueiros, participação social e valorização das mulheres na pesca
Após mais de 300 horas de debates, em 10 oficinas realizadas nas quatro regiões costeiras do Brasil, o processo de “Construção Coletiva por uma Nova Política Pesqueira Nacional” culminou em uma Oficina Nacional nesta semana em Brasília, que contou com a participação de 36 lideranças nacionais da pesca artesanal de todo o país. Com o objetivo de finalizar uma minuta que propõe a atualização da legislação pesqueira, esse ciclo histórico – feito a partir das bases do setor pesqueiro – culminou com a redação da “Carta de Brasília”, protocolada, nesta sexta-feira (27) nas presidências da República, da Câmara e do Senado.
O documento pede a correção de problemas considerados urgentes, como a “insegurança jurídica e a instabilidade institucional provocadas pelas brechas na atual Lei da Pesca (11.959/2009), que prejudicam centenas de milhares de pescadores e pescadoras que têm na pesca artesanal seu modo de vida e que permitem a perpetuação de um modelo de exclusão e a marginalização das mulheres pescadoras e dos jovens”. Aponta também o risco futuro da atividade com a crescente escassez de pescado em rios, mares e estuários decorrentes dos mais variados impactos. Pela primeira vez, a construção de uma proposta de lei para o setor da pesca reflete as vivências, necessidades, culturas e tradições daqueles e daquelas que realizam esta atividade nos seus cotidianos.
Nesse sentido, a garantia dos territórios pesqueiros foi uma das principais preocupações dos 150 participantes dessa construção coletiva que teve início em agosto de 2022, em Fortaleza (CE). Além da capital cearense, em um período de três meses, outras quatro cidades receberam oficinas: Belém, Salvador, Rio de Janeiro e Florianópolis.
Outras demandas relevantes apresentadas pelas lideranças são: a necessidade de compreender as especificidades da pesca artesanal e regionalizar a gestão da pesca; a importância de garantir a participação social das comunidades na construção das políticas públicas; a garantia da estabilidade das instituições governamentais do setor – que não podem ficar sujeitas às desestruturações que têm ocorrido a cada mudança de governo; e a valorização das mulheres pescadoras – que, apesar de participarem de toda a cadeia da pesca, ainda não têm os mesmos direitos e o mesmo reconhecimento que os homens.
“Esse processo une as lutas e as reinvindicações de pescadores e pescadoras artesanais que são ditas há muito tempo, mas nunca aglutinadas de forma efetiva. É inédito também porque pode ser feito sem os pescadores e as pescadoras artesanais. É uma proposta deles de como deve ser construída uma política pública para eles”, destaca Marcelo Apel, do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).
Classe fortalecida
Esse pertencimento dos pescadores e das pescadoras artesanais traz para a proposta de lei a legitimidade de uma classe historicamente sem segurança no exercício da função. Flávio Lontro, da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (Confrem), acredita que esse é o início de um processo para que a pesca artesanal seja protegida. “Hoje, têm pessoas que, apesar de não serem da pesca artesanal, classificam-se dentro do nosso ofício, beneficiando-se indevidamente de nossos direitos”.
A falta de proteção trabalhista que atinge toda a classe reflete-se, com maior intensidade, sobre as mulheres que trabalham em diversas atividades da cadeia da pesca artesanal. “Estamos lutando pelo respeito da mulher dentro do nosso trabalho e trazendo para a lei a necessidade de empoderamento da pescadora, com uma proposta que tenha a nossa cara. Estou aqui representando uma multidão de 35 mil trabalhadores e trabalhadoras filiados à Federação dos Pescadores do Estado do Amazonas (Fepesca) e espero que nossa proposta seja abraçada pelo atual governo, que restituiu o Ministério da Pesca e tem claro comprometimento com o nosso setor”, aponta Raimunda Célia Ferreira de Souza, que também representa a Confederação Nacional de Pescadores (CNPA).
Josana Pinto da Costa, integrante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), comemora a importância da mulher dentro do processo de construção da proposta da nova política nacional da pesca não só pela representação de seus anseios, mas também pela força da discussão pautada ao longo desse múltiplo debate. “Essa é a primeira etapa de uma jornada de construção de muitas mãos, de muitas pessoas e territórios. E a nossa participação feminina se reflete em todo esse caminho, que foi também de autoconhecimento para a mulher da pesca”.
“Tivemos, nesse processo de construção dessa minuta de lei, os maiores representantes da pesca artesanal em toda a diversidade do Brasil. Os resultados alcançados são inéditos porque refletem demandas estruturais importantíssimas mas que levantadas pelo próprio setor produtivo, com o apoio da Oceana. É um processo que indica a confiança, aprendizado e o amadurecimento das organizações”, avalia o diretor científico Martin Dias.
Agora, a Oceana prossegue o processo de aprimoramento da minuta de lei com novas discussões com representantes da pesca industrial, cientistas e organizações não governamentais. Em dezembro de 2022, a instituição lançou o estudo “A Política Pesqueira no Brasil”, que compara o atual marco legal da pesca com a Constituição Federal, políticas ambientais e legislações de outros seis países.
Acesse a integra da “Carta de Brasília”
Saiba mais sobre as 10 primeiras oficinas
Fotos: Oceana/Andressa Anholete
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