Por que o plástico no oceano é tão prejudicial? - Oceana Brasil
Inicio / Blog / Por que o plástico no oceano é tão prejudicial?

Setembro 23, 2022

Por que o plástico no oceano é tão prejudicial?

Por: Oceana

O TEMA: 

Foto: Shutterstock

 

Até a década de 1950, os animais da Terra, incluindo as espécies marinhas, tinham que lidar apenas com detritos e lixo na forma de substâncias orgânicas ou objetos que eram produzidos ou derivados de plantas ou animais. Esse processo incluía madeira, fibra, carne podre, ossos ou outros materiais que poderiam ser degradados por bactérias e fungos e, assim, transformados em nutrientes ou convertidos em minerais inofensivos. Por bilhões de anos, esses organismos microscópicos reciclaram matéria orgânica na Terra e em nossos oceanos e, literalmente, mantiveram nosso mundo limpo.

Esse panorama mudou radicalmente com o surgimento dos plásticos. Os químicos consideram os plásticos “orgânicos” porque, como a maioria das substâncias vivas, consistem em cadeias de átomos de carbono. No entanto, a maioria dos plásticos é derivada do petróleo. Esses plásticos são feitos de longas cadeias de átomos de carbono que têm formas de bactérias nunca encontradas em seus três bilhões de anos de existência. Assim, cada pedaço de plástico que jogamos fora (de sacos plásticos a lâminas de barbear descartáveis e até garrafas de detergente vazias) pode permanecer conosco por séculos ou até mais tempo.

Os plásticos não podem ser queimados com segurança porque algumas de suas cadeias de carbono, sob altas temperaturas, ligam-se e formam compostos “monstros”, como dioxinas, que são altamente tóxicos para todas as formas de vida, incluindo os seres humanos[i]. Além disso, a maioria dos plásticos não pode ser reciclada com segurança devido aos milhares de produtos químicos adicionados — muitos dos quais são tóxicos e acabam penetrando nos produtos reciclados[ii].

Enquanto é possível reciclar o alumínio infinitamente, os plásticos só servem para a subciclagem (downcycle), ou seja, a transformação de plásticos de alta qualidade, como os usados para fazer colheres descartáveis, em plásticos de baixa qualidade, como os usados para fazer bancos de parque (e ninguém precisa de tanto banco de parque assim).

Entretanto, é muito mais provável que os resíduos de plástico acabem num aterro ou no ambiente, incluindo os ecossistemas oceânicos[iii]. E quando o assunto é oceano, é importante distinguir entre dois tipos de poluentes plásticos: macro e microplásticos.

Os macroplásticos compõem o lixo que vemos flutuando na superfície do mar, formando gigantescas e crescentes “manchas de lixo” nos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico. Essa forma de poluição é uma ameaça crescente para as aves marinhas, tartarugas, baleias e outros mamíferos porque essas espécies podem confundir os macroplásticos com alimentos e morrer de forma agonizante com suas barrigas cheias de lixo indigesto e volumoso[iv].

Foto: Gumbo Limbo Nature Center Inc

Esses animais também podem ficar presos em pedaços flutuantes de plástico e até se afogar. Em outros casos, eles podem acabar com anéis de plástico ao redor de seus pescoços ou corpos, que os mutilam grotescamente e causam imenso sofrimento até que morram por causa de seus ferimentos purulentos.

Com os microplásticos, há situações ainda piores: por serem insidiosos representam uma verdadeira cilada. Os microplásticos são pequenos pedaços de plástico, difíceis de serem vistos — como os que são derramados da roupa nas máquinas de lavar — que agora podem ser encontrados em todos os mares do mundo.

Para entender completamente o que os microplásticos fazem, devemos aprender mais sobre outra propriedade desagradável das longas cadeias de carbono: elas fazem plástico lipofílico, que é o nome dado aos plásticos que repelem a água (que é a razão pela qual fazemos casacos de chuva com fibras plásticas).

Acontece que a maioria dos piores venenos que a indústria química produz, como  DDT (sigla de diclorodifeniltricloroetano), PCB (bifenilas policloradas), dioxinas, etc, também são lipofílicos.

Isso significa que cada pedaço de microplástico no oceano atua como uma esponja minúscula para os vários venenos que as indústrias química e de energia descartaram em vias navegáveis ou no ar, e que acabam no mar, onde se acumulam.

Esses produtos químicos se grudam às microfibras, transformando-as em pequenas pílulas de veneno que acabam sendo consumidas pelos zooplâncton, base da cadeia alimentar marinha. Esses pequenos animais armazenam substâncias lipofílicas na gordura de seus pequenos corpos[v]. O nome disso é bioacumulação. O zooplâncton é, então, consumido por pequenos peixes, como sardinhas e anchovas, que são depois consumidos pelo atum e depois … bon appétit!

É por isso que temos de desplastificar o mundo, começando pelo desperdício absurdo que os recipientes e utensílios de plástico de uso único representam.

[i] https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S187802961630158X

[ii] https://ipen.org/documents/plastics-toxic-additives-and-circular-economy

[iii]https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.1700782#:~:text=We%20estimate%20that%208300%20million,landfills%20or%20the%20natural%20environment

[iv] https://usa.oceana.org/reports/choked-strangled-drowned-plastics-crisis-unfolding-our-oceans/

[v] https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0025326X12005942

 

*Dr. Daniel Pauly é o fundador e principal pesquisador do projeto Sea Around Us do Institute for the Oceans and Fisheries da Universidade de Columbia Britânica, além de ser membro do Conselho da Oceana.