Março 14, 2023
“Pretendo unir esforços para atualizar a Lei da Pesca”
Por: Beatriz Ribeiro
O TEMA: Lei da Pesca
Com pouco mais de dois meses à frente do recém-criado Ministério da Pesca e da Aquicultura (MPA), o ministro André de Paula sinaliza que quer restabelecer de imediato o diálogo tanto com os diversos atores da cadeia produtiva da pesca quanto com a pasta do Meio Ambiente, fortalecendo os Comitês Permanentes de Gestão da Pesca e do Uso Sustentável dos Recursos Pesqueiros (CPGs). A ideia é criar uma câmara permanente com servidores dos dois órgãos para desenharem processos e procedimentos que envolvam ações conjuntas. Quer também implementar políticas públicas que fortaleçam a cadeia produtiva da pesca artesanal, principal responsável pela segurança alimentar do pescado que chega à mesa dos brasileiros. Ciente da necessidade de modernização da Lei da Pesca (Lei nº 11.959/2009), uma das campanhas da Oceana que até o momento contou com a participação de 150 lideranças nacionais da pesca artesanal, o ministro garante: “O movimento pela atualização da Lei da Pesca pode contar com meu apoio”.
Confira a entrevista exclusiva do ministro André de Paula para a Oceana.
O senhor defende o desenvolvimento sustentável da pesca, equilibrando pilares como desenvolvimento econômico, combate à fome e proteção ao meio ambiente. Nesse sentido, sabendo que a gestão da pesca volta ser atribuição conjunta entre a sua pasta e o Ministério do Meio Ambiente, quais são as medidas que serão adotadas para que esse diálogo entre as pastas viabilize uma gestão eficiente? Existem planos de diálogos com outras pastas da Esplanada, para além da gestão conjunta?
A gestão do uso sustentável dos recursos pesqueiros é um dos nossos compromissos, juntamente com o combate à fome. A proteção ao meio ambiente, de maneira alguma menos importante, será além de um compromisso, uma consequência do nosso trabalho bem executado. Acredito firmemente que a gestão compartilhada não será um problema, ainda mais por causa da excelente relação que carrego desde muitos anos com a titular do Meio Ambiente, a ministra Marina Silva. Sobre isso, os dois ministérios acordaram a criação de uma câmara permanente onde técnicos das duas pastas manterão diálogo constante sobre os processos e posicionamentos a respeito das ações que envolvam a gestão compartilhada.
A recriação do Ministério da Pesca exige uma ampla articulação e um espírito de união entre diversos setores da sociedade. Para além da pesca artesanal, o senhor acenou positivamente para a pesca industrial e destacou a importância da abertura para o mercado internacional. Quais prioridades o senhor elencaria para o seu primeiro ano à frente do Ministério? E quais os maiores desafios?
O fortalecimento da participação da sociedade civil organizada é importantíssimo. Nossa gestão será pautada pelo diálogo e pelo conhecimento técnico-científico. A curto prazo podemos destacar a isonomia tributária de PIS e COFINS da ração para aquicultura e a reabertura do mercado europeu. Os maiores desafios serão melhorar todas as etapas da cadeia produtiva, da captura ou cultivo à comercialização do pescado brasileiro, ampliar o consumo nacional e retomar algo que 100% dos atores do segmento apontam como necessidade máxima: a estatística pesqueira. Para isso, aliás, nasceu a nova Secretaria Nacional de Registro, Monitoramento e Pesquisa, com atribuições capazes de subsidiar a melhor estratégia para o desenvolvimento setorial.
Ao assumir o Ministério da Pesca, o senhor defendeu de imediato o apoio à criação de políticas públicas para a geração de emprego e renda e garantia da segurança alimentar de pescadores e pescadoras artesanais. Quais são as principais ações a serem implementadas para concretizar esse projeto?
Inicialmente, vale frisar que a pesca artesanal é a base de segurança alimentar e de geração de renda não apenas para as próprias comunidades de pescadores e pescadoras artesanais, que chegam a mais de um milhão de pessoas envolvidas diretamente com esse trabalho e modo de vida em nosso país. É também fundamental para a segurança alimentar para outras milhares de pessoas em inúmeras localidades, municípios, regiões, sendo, por exemplo, o esteio de uma cadeia produtiva dinâmica e extensa (pequenos, médios e grandes comerciantes de pescados; bares e restaurantes; carpinteiros de barcos; vendedores de gelo; turismo; vendedores de petrechos de pesca). Uma das provas disso foi a tragédia do petróleo, que atingiu todo litoral do Nordeste do Brasil e mais dois estados do Sudeste (Espírito Santo e Rio de Janeiro), levando a paralisação da economia de várias comunidades e municípios pela importância que a pesca artesanal tem para elas, o que afetou a segurança alimentar dessas localidades e suas populações, como constataram em estudos desenvolvidos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). A própria criação da Secretaria Nacional de Pesca Artesanal é um aceno importante de que novos tempos serão construídos para as comunidades pesqueiras artesanais de nosso país.
O senhor pode detalhar algumas dessas iniciativas?
Essas políticas públicas – que serão criadas – resultam, em larga medida, de demandas colhidas e do criterioso diagnóstico do setor realizado ao longo dos debates estabelecidos pelo Grupo de Trabalho da Pesca durante o Governo de Transição, com movimentos sociais e entidades representativas da pesca artesanal. Várias dessas ações serão debatidas, para seu aprimoramento, com os sujeitos da pesca artesanal, isto é, a participação social será permanentemente valorizada em nosso ministério.
Gostaríamos de elencar algumas dessas iniciativas para este ano de 2023:
1. Programa Nacional de Assistência e Extensão Pesqueira;
2. Programa Nacional de Apoio à Cadeia Produtiva da Pesca Artesanal e um Programa Nacional de Certificação do Pescado – Selo Pescart;
3. Programa de Crédito e Fomento da Pesca Artesanal;
4. Programa de fortalecimento do cooperativismo, associativismo e economia solidária nas comunidades pesqueiras;
5. Pesca Artesanal no PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar);
6. Programa “RU na Hora do Pescado Artesanal”;
7. Ação intitulada “Culturas Pesqueiras Artesanais do Brasil” – para apoiar e promover as manifestações culturais da pesca artesanal;
8. Programa de Inclusão Digital das Comunidades Pesqueiras.
O senhor anunciou que pretende viajar pelo Brasil para conhecer melhor a situação de pescadores e pescadoras, que vivem realidades regionais diferentes e têm seus próprios saberes e fazeres tradicionais. Como o senhor vai enfrentar o desafio da pesca diante da diversidade cultural e regional do Brasil?
O Brasil é um país com dimensões continentais, portanto é extremamente complexo realizar a gestão pesqueira e aquícola, seja por fatores geográficos, de infraestrutura, seja pela diversidade cultural. Nesse sentido, contaremos com estruturas descentralizadas fortalecidas: as superintendências que poderão nos fornecer uma leitura mais acurada das necessidades e particularidades de cada região, assim como atender de maneira mais eficiente nosso público. Como gestor, considero muito importante conhecer as necessidades de cada região e, apesar da equipe técnica, com ampla experiência e composta por profissionais de todo o Brasil, a maturidade política de alguém que dedicou mais de 20 anos à vida pública, certamente contribuirá quando o desafio for lidar com a diversidade cultural do nosso país para realizar a gestão pesqueira.
Considerando que o governo Lula tem priorizado a participação social, quais são os planos para os Comitês Permanentes de Gestão (CPGs) da Pesca ou, como chamou o governo anterior, Rede Pesca Brasil? O Brasil lutou por quatro anos para restaurar os CPGs, é o espaço para construção e debate com a sociedade civil, cientistas, setor, MMA, MAPA. Quando serão realizadas as primeiras reuniões da nova gestão, considerando que várias safras se iniciam já no primeiro semestre?
O assunto não tem nenhuma controvérsia. O plano inicial é manter todos os CPGs existentes e a retomada das reuniões se dará muito em breve. A equipe do MPA tem experiência na condução de fóruns como esses. Assim que todos os demais atores estiverem prontos para atuar, coordenaremos as próximas reuniões, priorizando os CPGs relacionados com as safras mais próximas. Sobre isso, algumas safras que estão por vir já contam com reuniões realizadas ainda em 2022 e, neste sentido, para não haver prejuízo ao setor produtivo e respeitar a participação de todos, entendemos que basta executar aquilo que já foi deliberado.
O Brasil conseguiu resolver o problema da insegurança jurídica na pesca da tainha em 2018 por meio da adoção de limites de captura com base científica, as cotas. O MPA pretende implementar esse modelo de gestão para outras pescarias ainda em 2023?
Qualquer sistema de cotas é complexo e deve ser tratado com muita responsabilidade. São diferentes aspectos que precisam ser levados em consideração, desde o melhor conhecimento científico disponível, monitoramento robusto de toda pescaria, até os impactos socioeconômicos em cada região. O assunto será tratado com a maturidade que merece para que as cotas, além de adequadas ao uso sustentável dos recursos pesqueiros, sejam justas para todos os envolvidos naquelas pescarias. Por isso, comprometer-se agora com o ano de 2023 seria irresponsabilidade, até porque os CPGs ainda não começaram e a nossa equipe científica ainda está organizando sua estratégia.
A Oceana estudou a fundo o marco legal que rege a pesca, a Lei Federal nº 11.959/2009, e a comparou com as leis de seis outros países que são referência mundial em gestão pesqueira. Foram identificadas lacunas que prejudicam a gestão da pesca e, comparada à legislação de outros países, a lei brasileira é muito frágil e não fornece a base legal necessária para políticas eficientes. Diversos atores como a própria Oceana, pescadores artesanais, ONGs, acadêmicos e mesmo setor industrial já se manifestaram favoráveis à revisão da lei. Como o senhor avalia esse movimento pela modernização da lei da pesca? O senhor pretende unir esforços como representante do Executivo nesse processo de construção?
A análise comparada a que a pergunta se refere foi feita com África do Sul, Argentina, Austrália, Estados Unidos, Noruega e Rússia. São países grandes, com grandes extensões litorâneas e bacias hidrográficas, mas todos têm culturas completamente distintas, inclusive sobre as crenças de qual seria o papel do estado em relação ao domínio econômico. Dito isso, um caminho para a resposta seria: Sim. Pretendo unir esforços para atualizar a Lei da Pesca, até porque acredito que nosso sistema legislativo existe para isso mesmo, para manter as normas atualizadas com as crenças e costumes da sociedade, que se modificam com o tempo. Atualizar a legislação é sempre bem-vindo, então o movimento pela atualização da lei pode contar com meu apoio.”
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