Fevereiro 28, 2023
“Só organizados seremos ouvidos e teremos o espaço merecido”
Por: Beatriz Ribeiro
O TEMA: Lei da Pesca
José Alberto Lima Ribeiro, conhecido como Beto Pescador, vem de uma geração tradicional de pesca da Praia do Canto Verde, litoral leste do Ceará. Começou o ofício quando era um menino de 8 anos. Ali, ouvia as histórias dos barracões, quando a comunidade retornava das pescarias para contar as façanhas e as dificuldades. Cresceu admirando, especialmente, a bravura de quatro homens que, liderados pelo pescador Jacaré, saíram, em 1941, por alto-mar, para encontrar o então presidente da República, Getúlio Vargas. A emblemática Jangada de São Pedro cruzou os mares com a missão de mostrar à autoridade maior do país a própria existência de pescadores e pescadoras artesanais, que eles e elas levavam alimento às mesas dos brasileiros e, portanto, mereciam respeito e acesso aos direitos trabalhistas.
Dessa oralidade, Beto herdou inspiração e a vocação para estar à frente das lutas de pescadores e pescadoras artesanais no Brasil. Em janeiro deste ano, ele esteve em Brasília para participar de mais um ciclo de debates do processo de “Construção Coletiva por uma Nova Política Pesqueira Nacional”, apoiada pela Oceana, que contou com a participação total de cerca de 150 lideranças da pesca artesanal em todo o país. Na ocasião, os integrantes assinaram a “Carta de Brasília”, entregue à Presidência dos poderes Executivo e Legislativo, com pedido de mudanças urgentes na atual legislação da pesca (Lei nº 11.959 – publicada em 2009, que apresenta uma série de falhas e lacunas).
A história da Jangada de São Pedro, que saiu de Fortaleza, em 1941, rumo ao Rio de Janeiro, então capital federal, com quatro pescadores, liderados por Jacaré, mostra o perfil corajoso do pescador brasileiro. Qual a importância de recuperar essas memórias para as lutas atuais?
Essa história da Jangada de São Pedro já mostrava que os pescadores sentiam a necessidade de chegar à autoridade maior, o presidente da República, para mostrar que a categoria existia, era grande no Brasil e precisava ser reconhecida, ter os direitos garantidos. Foi uma bravura bem pensada, com objetivo de conquistar e dar conta da necessidade que havia à época. Quando chegavam à velhice, muitos pescadores viviam pedindo esmolas, num fim de vida injusto e dramático. Eu vi acontecer esse processo com o meu avô. É importante ouvir essas histórias que fazem parte da cultura da pesca.
Qual a importância de pescadores e pescadoras se organizarem para a conquista de seus direitos? E como você avalia o atual processo de luta por uma nova Lei da Pesca?
Nós, pescadores e pescadoras artesanais, temos que ter a compreensão que uma lei só poderá ser próxima da nossa realidade e dos nossos desejos se a gente estiver organizado e participativo nesse processo de conquista. É muito importante a organização para a construção de uma nova lei, o acesso à política pública e até mesmo a garantia da defesa dos territórios. É preciso colocar o nosso ponto de vista sobre a sustentabilidade e a preservação dos ambientes para, assim, melhorarmos a pesca de um modo geral. Só organizados poderemos ser ouvidos e termos o espaço que merecemos. Essa construção de uma nova Lei da Pesca é bastante avançada se comparada ao que foi feito em relação à legislação vigente. Partimos, agora, dessa preocupação de envolver as principais lideranças do Brasil, os movimentos que representam os pescadores e as pescadoras artesanais.
Você considera que a própria existência das comunidades pesqueiras artesanais, com toda a sua tradicionalidade, está ameaçada?
Não é de agora que nós estamos ameaçados. É um conjunto de ameaças em curso, que causam prejuízos à pesca e às comunidades. Se falarmos das espécies, há a falta de ordenamento pesqueiro e de um trabalho de educação de médio e longo prazos para que nós tenhamos mais consciência dos problemas causados pela falta de pescado e as suas alternativas.
Há também essa falta de compreensão do gestor público sobre a importância da pesca artesanal no Brasil, como geração de trabalho e de renda, como produção de alimentos e como garantia de segurança alimentar. Quem sai perdendo não são só as comunidades à beira-mar, mas também as cidades e a própria oferta do pescado que chega à mesa do brasileiro, sendo que mais de 70% vêm da pesca artesanal.
Temos outras ameaças ainda, como a especulação imobiliária, que tira o povo dos seus territórios tradicionais. Eles são obrigados a ir para outro canto, ficam sem rumo, e perdem o modo de viver e de garantir a subsistência e a renda para suas famílias.
Hoje, a presença das mulheres lado a lado com os pescadores tem um pouco mais de visibilidade. O que essa presença feminina tem trazido de singular para a luta?
As mulheres sempre existiram na pesca, sempre estiveram presentes em todos os tempos, apesar de não terem sido vistas por muito tempo. Estavam na atividade da pesca e também nas discussões diretas e indiretas. Hoje, estão nas principais lutas para garantir o território e falam por elas mesmas, sobre as diferenças e as discriminações que sofrem. Elas trazem os olhares diferenciados e têm muito a ensinar aos homens. É um ponto de vista mais solidário e compreensivo. Há muito ainda a se avançar.
Atualmente, quais são as principais lutas das comunidades pesqueiras artesanais, tanto em relação às políticas públicas quanto dentro dos territórios e maretórios?
São muitas, posso destacar: a preservação do nosso modo de vida e do espaço onde a gente mora e trabalha; o acesso às políticas públicas específicas para os povos das águas; os avanços para uma educação diferenciada voltada aos pescadores e às pescadoras artesanais; e um entendimento maior sobre as doenças ocupacionais que não são compreendidas, por desconhecimento dos médicos clínicos.
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