Tainha, por que a espécie precisa de cotas? - Oceana Brasil
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Tainha, por que a espécie precisa de cotas?

Por: Oceana

Foto: Oceana/Bento Viana

 

Entenda o caminho que fez o Brasil adotar a proteção ao estoque

Durante a maior parte de sua vida, a tainha é encontrada dentro de estuários e lagunas costeiras, onde permanece para crescimento e alimentação. Nos meses de outono e inverno os indivíduos se agrupam em densos cardumes e deixam esses ambientes, iniciando uma migração reprodutiva que termina com a desova no mar. É justamente durante essa migração que a pesca da espécie é mais intensa, tanto pela frota industrial quanto por pescadores artesanais. A tainha da “safra” é extremamente apreciada, sobretudo pelo teor de gordura elevado e pela presença da ova (bottarga) – uma iguaria muito cobiçada na culinária local e de grande valor de exportação.

A pesca

A pesca artesanal da tainha é uma das mais tradicionais e antigas do país. Diferentes artes são utilizadas, como tarrafas, redes de emalhar, redes de caceio e arrastão de praia. Durante a safra, há grande demanda em toda a região Sul e Sudeste e as capturas realizadas por pescadores artesanais abastecem além de suas próprias famílias, os pequenos comércios locais e regionais, tais como peixarias e mercados municipais. A produção dessas e de outras frotas abastece também as indústrias produtoras e exportadoras de ovas. Os cardumes são alvo de uma frota industrial de traineiras, que se desenvolveu tendo por foco principal a exportação da ova para mercados asiáticos. O valor dessa iguaria, conhecida como o caviar brasileiro, é elevado, tornando o negócio muito rentável. Na costa Sul do Brasil (sobretudo nos municípios catarinenses de Itajaí e Navegantes), existem empresas que atuam formalmente na cadeia de processamento da tainha, com comercialização tanto da ova quanto do pescado, gerando centenas de empregos e receitas para os municípios, o estado e o país.

Sobrepesca da espécie

A pesca da tainha nas regiões Sul e Sudeste do Brasil levantou a preocupação quanto a sustentabilidade da espécie ao longo dos anos 2000. Enquadrada como sobre-explotada ou ameaçada de sobre-explotação no ano de 2004, a espécie tonou-se alvo da frota industrial de cerco durante o defeso de recrutamento da sua espécie alvo principal, a sardinha verdadeira (Sardinella brasiliensis), em virtude do alto valor de mercado das ovas.

A supersafra de 2007

No ano de 2007, a produção de tainha da frota industrial ultrapassou a marca das 13 mil toneladas, de acordo com os números reportados, mas estimativas obtidas a partir dos volumes de ovas exportados indicam que a produção pode ter alcançado patamares ainda bem mais elevados.  A supersafra acentuou a sobrepesca e reduziu o tamanho do estoque. A partir desse evento, ocorreram as primeiras disputas judiciais sobre o uso do recurso.

Primeiro Plano de Gestão

O primeiro Plano de Gestão para o Uso Sustentável da Tainha nas regiões Sudeste e Sul foi publicado somente em abril de 2015. Os debates à época ocorreram dentro de grupos de trabalho, uma vez que os Comitês Permanentes de Gestão e Uso Sustentável dos Recursos Pesqueiros, previstos na legislação pesqueira nacional, encontravam-se inoperantes ou intermitentes desde 2009.

O governo federal aplicou nas três safras seguintes (2015-2017) as medidas previstas no Plano de Gestão, as quais tiveram grande oposição por parte do setor produtivo industrial, que questionava a ausência de participação e falta de transparência no processo de discussão e aprovação dessas medidas.

Sem critérios claros e metas para uma redução gradativa no número de licenças da modalidade de pesca industrial de cerco, o Plano se revelou ineficaz.

Avaliações de estoque

As primeiras avaliações de estoques da espécie foram iniciadas como um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq ainda em 2012, cujos resultados foram publicados em periódico científico em 2017. Somaram-se mais duas avaliações elaboradas pela Oceana em 2016 e 2018, e uma avaliação da Univali  de 2020, feita por meio de financiamento público e edital. Ocorreram ainda, ao longo de 2017, intensas discussões sobre as alternativas para controle dos volumes de produção, uma pré-condição para que um modelo de cotas de captura fosse implementado com base científica. No início de 2018, o CPG Pelágicos Sudeste e Sul aprovou a inclusão das cotas de captura como uma medida de gestão, a ser combinada às demais medidas já existentes, em uma nova versão do Plano de Gestão da Tainha.

Por meio da avaliação de estoque são obtidas informações importantes para o ordenamento da pesca, como o tamanho da população, e a partir disso estima-se quanto é possível retirar do estoque sem comprometer sua capacidade biológica de reposição no longo prazo.

A mais recente Avaliação aponta que o estoque sul de tainha no Brasil está sobrepescado com evidências de que vem sofrendo sobrepesca, ou seja, a biomassa do estoque é inferior àquela capaz de produzir o Rendimento Máximo Sustentável (RMS) e o esforço de pesca atuante é maior do que a sua capacidade de reposição natural.

Construção da gestão por cotas

A necessidade de revisão das medidas e de solução de impasses jurídicos motivou a mudança do Plano de Gestão no âmbito do CPG Pelágicos Sudeste e Sul. Uma das alternativas propostas foi uma guinada na estratégia de gestão, aplicando-se um modelo híbrido de controle de esforço e de capturas para as frotas industrial de cerco e artesanal de emalhe anilhado.

As cotas de captura como medidas de ordenamento visavam encontrar uma solução que reduzisse as interferências judiciais na pesca da tainha, além de encontrar meios alternativos à redução progressiva da frota industrial, mudando-se de um modelo de gestão baseado no controle de esforço (número de barcos) para um modelo baseado no controle das capturas (quantidade de peixe). O objetivo era estabelecer limites de captura biologicamente seguros para permitir a recuperação do estoque, algo que, pelas características da pesca da tainha, não poderia ser alcançado unicamente com o controle do esforço.

Atualmente, o limite considerado “biologicamente aceitável” para espécie, conforme avaliação de estoque realizada em 2020, é de 5.974 toneladas. De acordo com a metodologia atual de cálculo das cotas paras as frotas, desse total são aplicados os seguintes descontos:

  1. Volume de tainha capturado no Estuário da Lagoa dos Patos/RS
  2. Volume de produção fora do período de safra nas regiões Sul e Sudeste
  3. E produção das frotas não-submetidas às cotas durante o período da safra.

O montante restante é dividido pelas frotas artesanal de emalhe anilhado e industrial de cerco.

A safra 2023

Em fevereiro, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) juntamente com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) publicaram a Portaria Interministerial MPA/MMA nº 1 que estabeleceu as regras para a atividade neste ano.

Para a pesca artesanal de emalhe anilhado, em Santa Catarina, foram autorizadas 460 toneladas de peixe – uma redução de 45% em relação ao volume inicialmente estabelecido para a modalidade na safra de 2022. A norma também estabeleceu cota zero para a pesca industrial de cerco/traineira.

A redução do volume para a frota artesanal de emalhe anilhado e a suspensão da autorização da pesca industrial ocorreram pela mudança do valor utilizado para desconto no cálculo das cotas da média histórica de tainha proveniente do Rio Grande do Sul – de 828 toneladas para 1.457 toneladas. Isso levou a uma tensão entre setor pesqueiro e governo.

A metodologia de descontos para cálculo das cotas foi definida conjuntamente entre setor pesqueiro, sociedade civil, cientistas e governo durante reunião do extinto Comitês Permanentes de Gestão da Pesca (CPGs).

No caso da produção do Rio Grande do Sul, o emprego da média histórica se deu a partir da falta de dados de monitoramento atualizados. Este ano, novos dados das capturas realizadas nesse estado foram utilizados (as 1.457 toneladas), mas sem apresentação ou debate prévio com a sociedade.