Novembro 25, 2024
“Tudo que nós queremos é que a pesca artesanal permaneça fortalecida”
Por: Oceana
O TEMA: Lei da Pesca, Proteger habitats
Mais do que um trabalho ou uma fonte de renda, Josana Pinto da Costa tem na pesca a luta de uma vida. Pescadora artesanal de uma comunidade ribeirinha em Óbidos (PA), ela viu as fronteiras de seu território se expandirem no encontro com pescadores e pescadoras de diversos cantos do mundo ao longo dos últimos anos e, com eles, vem promovendo diálogo, dividindo experiências e desafios.
Na semana em que o Dia Mundial da Pesca (21 de novembro) é celebrado, enquanto coordenadora do Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP) e articuladora internacional do WFFP [sigla em inglês para World Forum of Fisher People, ou Fórum Mundial dos Povos Pescadores], ela é uma das anfitriãs da 8ª edição da Assembleia Geral do WFFP, realizada em Brasília.
Nesta edição da Oceana Entrevista, Josana explica a importância desses encontros, compartilha suas expectativas para uma nova Lei da Pesca no Brasil e ressalta que os povos das águas têm muitos conhecimentos para nos ensinar.
Nos conte um pouco da sua história: como começou a sua caminhada na pesca e na defesa de direitos relacionados a essa atividade?
Eu nasci e me criei na roça, e migrei para a pesca em 1993. Eu mudei da roça para uma comunidade ribeirinha, de pescadores artesanais, quando me casei, porque o meu marido é pescador dessa comunidade denominada Amador, que fica no município de Óbidos, no estado do Pará. E ali eu cheguei e me envolvi na profissão da pesca.
Essa região era de muito conflito dos pescadores. Então, eu já cheguei fazendo diálogo com eles e, mais para frente, nós criamos um acordo de pesca, envolvendo várias comunidades que fazem fronteira com o município de Óbidos, como Alenquer, Santarém e Curuá. Foi a partir desse acordo que eu fiquei mais conhecida na região, fui convidada para participar de uma atividade em Belém, onde conheci o pessoal do Conselho Pastoral dos Pescadores e eles me apresentaram o Movimento dos Pescadores. Foi quando eu comecei a viajar para as atividades e, em 2011, eu entrei no Movimento dos Pescadores e Pescadoras, o MPP.
Ali eu fui conhecendo e participando de outros espaços, como a Via Campesina, e em 2017 eu fui para a Assembleia do WFFP na Índia, em Deli. Dali eu saí como representante do Movimento dos Pescadores no Brasil, como uma das coordenadoras no WFFP, com esse papel de articuladora internacional do Movimento aqui no Brasil e como representante do MPP nesse Fórum – o qual estamos realizando agora a Assembleia aqui no Brasil.
Em 21 de novembro é celebrado o Dia Mundial da Pesca. No Brasil, hoje, temos motivos para comemorar? Quais as maiores lutas que ainda existem pela frente?
Nós temos conquistas e temos algo para comemorar, mas também nós temos muitos desafios. Por todo o mundo, a gente vê que nós, pescadoras e pescadores artesanais, enfrentamos ainda muito preconceito dentro da atividade da pesca e enfrentamos muitos desafios dentro dos próprios governos. Eu não estou falando apenas do governo brasileiro, eu estou falando dos governos, porque a gente viu esse ano na COFI 36 [sigla em inglês para Committee on Fisheries, o Comitê de Pesca da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO)], em Roma, que a prioridade não foi a agenda da pesca artesanal, mas sim a expansão da pesca, a expansão da aquicultura em grande escala. Então, para nós, isso é um grande desafio. Para nós, isso é muito perigoso porque acaba colocando, de certa forma, a pesca artesanal na invisibilidade e tudo que nós queremos é que a pesca artesanal permaneça fortalecida. E nós, pescadores e pescadores artesanais, empoderados.
A gente não vê motivo para parar de lutar. Hoje, nós temos muito mais motivo para permanecer cada vez mais firmes na luta do que pensar em motivo de comemoração, porque nós vivemos um momento muito desafiador.
Você participou do processo de construção coletiva para uma nova Lei da Pesca, que contou com reuniões em todo o país e a participação de representantes da pesca artesanal e industrial. Quão relevante foi este processo? E quais foram os principais aprendizados e trocas de experiências nesses encontros?
A atual Lei da Pesca que nós temos é muito fragmentada e deixa muito a desejar. Em todas as discussões, em todas as oficinas, em todas as longas horas debruçadas nesse trabalho, eu aprendi muito. Eu aprendi que nós temos que nos unir cada vez mais. Eu aprendi que cada região tem o seu diferencial, tem o seu potencial. Nós conhecemos muitas pessoas de várias regiões do Brasil nessas reuniões e essas pessoas, cada um que veio para essa conversa, veio para somar.
E quais suas expectativas para essa nova Lei da Pesca?
O que espero é que tenha uma nova Lei da Pesca. E que ela valorize muito mais as mulheres do que essa lei atual. Que ela quebre o preconceito. Que ela venha quebrar esse paradigma da lei atual, que diz que, principalmente para ter acesso ao benefício do seguro defeso do pescador artesanal, nós temos que pescar ininterruptamente por oito meses. Ou seja, ela diz que nós não podemos ter uma outra atividade, provendo uma outra renda a não ser a que vem da pesca. Isso é uma forma de criminalizar a nossa classe, é uma forma de exploração também ao meio ambiente e é uma forma de não respeitar a cultura, o modo de vida, as tradições.
Nós queremos que haja uma nova Lei da Pesca que traga mais direito para nós. E que nessa nova lei a gente possa entrar cada vez mais de cabeça erguida nos espaços, nos afirmar, nos autoafirmar como pescadores de fato e de direito.
Você está à frente da 8ª Assembleia Geral do Fórum Mundial dos Povos Pescadores. Conte-nos um pouco mais sobre este evento, sobre o que ele se propõe.
Essa é uma assembleia geral e está sendo realizada aqui no Brasil, unindo povos pescadores de mais de 40 países, das Américas, da Ásia, da África e da Europa. São pescadores de muitos países mesmo e isso representa a luta fortalecida e as reivindicações cada vez mais presentes para o melhoramento dos pescadores e das pescadoras a nível global. Então, para nós aqui, a Assembleia nos dá um horizonte de que o Movimento dos Pescadores pode se fortalecer cada vez mais, tanto aqui no Brasil como fora, mas também fortalecendo o WFFP, o qual somos membros e somos agora anfitriões. Por isso, esperamos que essa Assembleia nos dê cada vez mais direções a partir das muitas ideias e contribuições dos companheiros e das companheiras que estão vindo a somar nesta luta.
Esse momento é muito importante. Ele vai ficar como um marco na história dos pescadores aqui no Brasil e na história do Movimento dos Pescadores. Nós nos sentimos muito honrados em estarmos recebendo pescadores de regiões tão diversas e cada um com muita importância. Cada um e cada uma traz um conhecimento diferenciado, traz uma energia positiva, traz o seu modo próprio de ser, de fazer e de fazer acontecer. E ainda fazendo as várias barreiras de língua serem quebradas! Então, realizar a 8ª Assembleia, sendo pela primeira vez na América Latina, é muito grandioso e representa muito para nós aqui no Brasil.
O que os governos, e mesmo os cidadãos comuns, podem aprender de mais importante com os povos das águas e das marés?
Os governos têm muito a aprender conosco. Se os governos levassem em consideração 1% de todas as verdades, de todas as experiências que nós temos a contribuir, a coisa seria diferente. Então, os governos e outros povos não ligados à pesca artesanal têm muito ainda o que aprender com os povos das águas, porque nós sabemos dizer quando a maré está boa e quando ela não está. Sabemos dizer quando o rio está para peixe e, quando não está. Nós sabemos dizer qual lua é o período bom para se pescar e qual lua não está tão favorável assim para uma boa pescaria. Sabemos quando tem peixe pelo cheiro da água. Nós sabemos observar quando vai chover e se aquele dia de chuva pode ser bom para a pesca e se pode não ser. Para alguns, quando está chovendo, é dia de ficar em casa e curtir, mas para muitos de nós, povos das águas, quando dá um tempo a gente se arrisca mais. Vai porque sabe que no meio daquele temporal tem muito a se aproveitar, tem muito peixe para capturar, mas também tem muito vento a bater no nosso corpo, a soprar no nosso rosto, tem muita coisa boa para se aprender com a natureza.
Nós, povos das águas, temos uma relação muito diferente com a natureza e muitos não compreendem isso. Não compreendem quando afirmamos que não queremos sair do nosso território, porque é lá que nos sentimos bem. Então, para muitos que acham que a expansão da agricultura é a solução para matar a fome, nós afirmamos que preservar o meio ambiente e manter os estoques pesqueiros saudáveis é a melhor forma de se garantir uma vida saudável. Porque com alimentação saudável é que o povo permanece saudável, e não com alimentos envenenados pelos agrotóxicos e por várias formas de hormônios.
Não queremos apenas comer, nós queremos nos alimentar. E a pesca artesanal oferece alimentação saudável. Mas precisa que os governos aprendam conosco como cuidar do meio ambiente, como cuidar dos nossos mares, como cuidar dos nossos rios, como cuidar das nossas lagoas, como cuidar das nossas dunas, como não invadir as nossas praias. Eles precisam aprender conosco como preservar um território, e isso nós temos muito a ensinar. Os governos precisam ter consciência e precisam aprender conosco a respeitar esses espaços.
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