A crise anunciada na pesca do pargo – O preço de não fazer nada
Oceana defende o controle dos volumes capturados por meio das exportações
Janeiro 15, 2024
Ademilson Zamboni
Em maio de 2022, escrevi na coluna que assino no Seafood o artigo “Pargo: novas safras, velhos problemas” sobre a abertura de mais uma temporada de pesca sem a implantação das medidas previstas no Plano de Recuperação da Espécie, como por exemplo, a resolução do imbróglio da atuação das embarcações irregulares, e um monitoramento decente da produção que, ao não existir, escancara a inconsistência entre os dados de produção declarada e os volumes exportados. Nem a apresentação de um contexto caótico tampouco o trabalho da Oceana somado a de outros atores para mudar esse cenário junto ao Governo Federal e ao setor produtivo foram, até aqui, capazes de gerar qualquer transformação positiva.
A safra de 2023 ocorreu tendo essa realidade como pano de fundo. A boa notícia é que existe agora um fato novo com nome e sobrenome: avaliação de estoque, ou seja, novos números que dar ao ano de 2024 uma dinâmica bem diferente para essa pescaria.
Explico. Até o início de 2023, trabalhava-se em propostas para a pesca do pargo sem ter uma noção clara da situação do estoque, nem quais eram os níveis de pesca sustentáveis. As quantidades exportadas eram a melhor informação disponível sobre o volume pescado, o que levava ao uso de métodos científicos aplicáveis a situações em cujos dados não são os melhores. Isso era o possível a ser feito considerando o “confortável” mar de incertezas que permitia avançar devagar (quase parando) com as coisas. Agora, com uma Avaliação detalhada do estoque do pargo publicada como resultado do projeto REPENSAPESCA, outras balizas foram postas. E isso muda, se não tudo, quase tudo.
O que esse estudo nos diz? Primeiro que o tamanho atual do estoque foi reduzido para níveis não seguros. Em outras palavras, a população atual de pargo está 29% abaixo do seu tamanho ideal, o que se classifica como um estoque sobrepescado.
Segundo, que nessa situação, é necessário recuperar a população. Como? Pescando menos e, assim, permitir, ano a ano, que um excedente faça esse estoque crescer até atingir novamente seu nível ideal. Olhando de forma mais detalhada, o estudo do REPENSAPESCA também mostra que a intensidade de pesca atual está 175% acima do máximo sustentável. Disso resulta que, mantidos os volumes atuais de captura (hoje, entre 5 e 6 mil toneladas), o tamanho da população seguirá diminuindo. Uma trajetória exatamente oposta à desejada, que é de crescimento e recuperação.
Para reverter esse cenário, os cientistas recomendam que as capturas totais não excedam 2.750 toneladas/ano pelos próximos dez anos. Se isso for feito, teremos um estoque em situação segura com potencial para aumentar bastante a produção no futuro, sem qualquer risco.
O que está posto pela ciência coloca os gestores – Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) – na posição de escolher entre modificar o ordenamento da pescaria para tentar alcançar o objetivo de reduzir a pressão da pesca ou manter um “insustentável estado de coisas”, como vem sendo feito desde 2019.
A diferença é que agora a avaliação de estoque ilumina claramente os riscos, as consequências e as responsabilidades na escolha desses dois caminhos, pois tudo está quantitativamente estimado, detalhado e justificado.
Caso nada seja feito, a mensagem passada será a de que o MMA e o MPA, de forma consciente, optaram por deixar que o estoque siga em trajetória de declínio e aceitaram que, em breve, essa pescaria entrará em colapso. Não há outra interpretação possível. Soma-se a isso o fato de que, em 2014 o pargo se tornou parte da lista de espécies ameaçadas de extinção, o que põe ingredientes extras nessa panela de pressão.
Caso se opte pelo caminho correto, agindo para tentar recuperar o pargo, cientistas, setor produtivo e gestores estarão diante de uma segunda questão: como fazer para que esse objetivo seja alcançado?
Mais especificamente como manter a produção dentro das 2.750 toneladas anuais, reduzindo em cerca de 50% os volumes atuais? São muitos os caminhos possíveis na gestão pesqueira para reduzir a pressão pesqueira. Medidas como reduzir o tamanho da frota ou prolongar os períodos de defeso têm, cada qual, seus lados positivos, negativos e suas incertezas.
A Oceana entende que, no caos atual, uma forma simples para limitar a produção é olhar para o único lugar onde, hoje, há alguma possibilidade real de controle dos volumes capturados, que são as exportações para os Estados Unidos.
Um estudo publicado pela Oceana, em parceria com empresas exportadoras, mostrou que essa é uma alternativa viável, já que o controle da frota, até o momento, tem sido uma medida inócua. Mas nossa proposta é (e será) apenas mais uma.
Com o menu vasto de alternativas para o amargo remédio de reduzir a produção, a tendência é a de que nenhuma decisão seja tomada. Isto porque cientistas, pescadores e gestores vão iniciar um longo debate sobre quais medidas adotar, e sabe-se lá quanto tempo isso vai levar até que se chegue em um consenso.
A famosa “batata quente”, pulando de colo em colo. E é justamente aí que mora o perigo. Como escrevemos, manter a situação atual e não revisar a normativa de ordenamento da pescaria é optar pelo caminho que certamente leva ao erro. Para todas as outras alternativas, há possibilidade, ainda que remotas, de acerto. Nessa crise anunciada aos quatro ventos, há de se buscar caminhos simples e viáveis, reconhecendo que, em situações limítrofes, o ótimo é inimigo do bom. Algo tem que ser feito para mudar essa pescaria, e não fazê-lo tem um risco e um custo que alguém assumirá.
Este artigo foi originalmente publicado no Seafood