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A pesca ilegal de lagosta por mergulho é a atividade mais perigosa do mundo

Simpósio debateu os graves riscos que essa crescente prática representa para a saúde dos pescadores

Junho 22, 2022

Foto: Christian Braga / Oceana

Os riscos e problemas associados à atividade de pesca ilegal de lagosta realizada com aparelhos clandestinos de mergulho foi o tema do “1º Simpósio de Prevenção de Acidentes de Mergulho na Pesca de Lagosta”, realizado pelo Tribunal Marítimo, órgão vinculado ao Comando da Marinha, na cidade de Natal (RN) no último dia 30 de maio. Além da Marinha do Brasil, estiveram presentes representantes das Colônias de Pesca de diversos estados do Nordeste, o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte, e integrantes de outros órgãos do governo, além de empresários do ramo lagosteiro.

As exportações de lagosta geram cerca de 375 milhões de reais em divisas todos os anos, sendo o produto pesqueiro mais importante da balança comercial brasileira. No entanto, a prática ilegal de mergulho com o uso de compressores vem aumentando ao longo dos anos e, com isso, o número de acidentes.

Todos os anos, dezenas de pescadores morrem ou sofrem danos graves e até irreversíveis à sua saúde por conta de afogamentos e doenças descompressivas. Segundo o especialista em medicina hiperbárica capitão-de-corveta Nelson Andrade Junior “o número de acidentes fatais vem aumentando exatamente pelo uso de aparelhos de mergulho com mais frequência e porque as pessoas não estão preparadas para a atividade de mergulho”. Ele apresentou um dado bastante preocupante:  a atividade de mergulho é catalogada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como a atividade mais perigosa do mundo, seguida pela atividade de pesca embarcada, também extremamente perigosa. “E se a gente misturar a atividade pesqueira com a atividade de mergulho o que será que dá? Alguma coisa tipo fogo e querosene? Ou pólvora e chama?”, alerta o capitão.

Para o Ministério Público do Trabalho, a condição à qual os pescadores ilegais estão submetidos é grave, e a responsabilidade é tanto daqueles que atuam diretamente na atividade quanto das empresas que adquirem, processam e exportam a lagosta. A procuradora do Ministério do Trabalho, e coordenadora nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário Flávia Bauler avalia que não adianta culpabilizar o pescador porque ele não tem a efetiva liberdade se ele precisa daquilo para sobreviver. “Todos os atores, todos aqueles que de alguma forma se beneficiam do trabalho do pescador devem ser responsabilizados: empresas de pesca, empresas que compram pescado, empresas que exportam pescado (…) precisam mostrar o compromisso de saber que aquele pescado que estão comprando foi pescado obedecendo condições dignas de trabalho dos pescadores”, reforça Bauler.

A pesca da lagosta com mergulho ocorre há pelo menos 30 anos na costa Nordeste do Brasil, e o seu crescimento coincide com declínios nos estoques naturais da espécie. Um estudo publicado pela Oceana indica que a população de lagosta-vermelha, principal espécie capturada, sofreu reduções de até 87% e está à beira de um colapso. Segundo o seu diretor científico, o oceanógrafo, Martin Dias, a escassez de lagosta nos mares brasileiros tem tornado a pesca legal de lagosta inviável economicamente.  “A Secretaria de Aquicultura e Pesca deveria adotar imediatamente medidas para limitar as capturas e permitir que o estoque se regenere, utilizando um sistema, como fizeram na pesca da tainha, para monitorar o que é comercializado, isso facilitará ainda a fiscalização dessas atividades ilegais”, recomenda o oceanógrafo.

O método tradicional de pesca de lagostas é o manzuá, um tipo de armadilha jogada pelos pescadores para a captura da espécie. Mas com a escassez de lagostas, essa prática tem ficado cada vez mais rara, e a pesca de mergulho vem ganhando espaço. Atualmente, cerca de 15 mil pescadores sobrevivem diretamente dessa atividade, segundo dados de 2021 apresentados por Andrade Junior. No mergulho, os pescadores depositam milhares de atratores de lagostas, chamados de marambaias. As lagostas usam estes atratores como abrigo, facilitando a sua captura pelos mergulhadores.

Segundo representantes do setor pesqueiro presentes no evento, 98% da pesca da lagosta capturada tem origem ilegal, proveniente da pesca com mergulho e com as redes chamadas caçoeiras. Mesmo não tendo origem legal, esses produtos conseguem ser facilmente processados e exportados. Isso porque a identificação das fraudes na cadeia produtiva é extremamente complexa. “Hoje, não há sistemas informatizados que possibilitem o cruzamento de dados, como Notas Fiscais, Registro das Embarcações (RGP), Mapas de Bordo. Muitos destes sistemas ainda estão em papel e sob controle de diferentes órgãos. A rastreabilidade de um container de lagosta exportada é praticamente impossível, é preciso mudar essa realidade”, alerta Dias.