Abertura dos dados da pesca do pargo é um avanço
Abril 3, 2020
A Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SAP/MAPA) abriu em sua página na internet um link de acesso aos dados consolidados dos mapas de bordo referentes à pesca do pargo (Lutjanus purpureus) na safra 2019. A iniciativa vem ao encontro do que a Oceana tem pregado, e atende ao disposto no Artigo 11º da Portaria 42/2018 que obriga o órgão competente a tornar públicos os dados da pescaria até o dia 31 de março de cada ano.
Os dados publicados pela SAP indicam uma produção de 1.466 toneladas de pargo. Esse volume, no entanto, se confronta com dados disponibilizados pelo ComexStat do Ministério da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Na plataforma de dados de exportação, os volumes de pargo chegam a 4.500 toneladas anuais. Isso significa que as capturas totais estão sub reportadas nos mapas de bordo. As causas ainda precisam ser avaliadas.
Dentre as possíveis razões estão o preenchimento equivocado dos formulários por parte dos pescadores ou até mesmo a perda de alguns dos documentos nos arquivos do governo. A abertura dessas informações foi um bom primeiro passo, mas persiste o desafio de aprimorar os registros dos mapas de bordo para que a gestão pesqueira possa ser feita com base em dados mais consistentes.
Uma das mudanças mais urgentes é a substituição dos formulários em papel dos mapas de bordo por formulários eletrônicos. A Oceana já testou e vem defendendo essa medida, que é simples e irá desburocratizar o processo, economizar recursos do contribuinte e facilitar que os dados sejam disponibilizados para pesquisadores e avaliadores de estoque e, assim, subsidiar cientificamente a gestão dessa pescaria. Facilitar o acesso, análise e uso dos dados é fundamental para o aprimoramento contínuo da sua qualidade.
A pesca do pargo passou por momentos de crise. Em 2014, a Portaria no 445/2014 do Ministério do Meio Ambiente classificou essa espécie como vulnerável à extinção, e sua pesca foi proibida. Como forma de encaminhar a solução para impasses dali decorrentes, a Oceana trabalhou em parceria com academia, governo e setor para desenvolver um Plano de Recuperação que compatibilizasse a atividade pesqueira com a conservação da espécie. Além da abertura dos mapas de bordo, ainda existe uma série de medidas previstas no Plano de Recuperação a serem implantadas para manter os estoques de pargo em níveis sustentáveis.
Dentre elas, uma das mais importantes é a regularização da frota pargueira. A SAP, cumprindo sua atribuição, deve iniciar urgentemente um recadastramento dessa frota para que todas as embarcações que já atuam na pescaria possam reportar suas capturas. A discrepância entre os dados disponibilizados pela SAP e os volumes registrados na base sobre exportações brasileiras pode também ter sua origem na atuação de barcos que não reportam suas capturas.
Para evitar que a regularização das embarcações abra caminho para aumentar a pressão sobre o recurso, é fundamental que esse movimento venha acompanhado de um futuro sistema de cotas. Se nesse momento não temos todos os estudos detalhados sobre os estoques, os que já existem permitem fixar um limite para a produção até que sejam produzidas avaliações mais completas e seguras.
A pesca do pargo é a única pescaria no país para a qual os dados de captura e esforço foram divulgados na internet. Embora essa iniciativa do governo seja um passo muito modesto para um Ministério tão forte como o MAPA – que já disponibiliza rotineiramente dados sobre outras cadeias – meu otimismo me faz crer que ainda há alguma chance de que a abertura e acesso a todos os dados de pesca no Brasil venha finalmente ocorrer.
Artigo de autoria do diretor-geral da Oceana no Brasil, Ademilson Zamboni, publicado no dia 03/04/2020 na revista Seafood Brasil.