Ciência, participação social e nova lei da pesca para promoção da sustentabilidade
Ademilson Zamboni avalia os rumos da política pública para a pesca no Brasil
Outubro 24, 2023
Esta nona edição do Anuário de Produtos, Serviços e Conteúdo Seafood Brasil permite reflexões ampliadas sobre o panorama da pesca em nosso país. É um lugar valioso de discussão e avaliação dos avanços, retrocessos e perspectivas para a transformação de um setor que ainda padece pela precariedade das políticas públicas.
Sob este ponto de vista, iniciamos o exercício, abordando a transição de governo de 2022 para 2023, que gerou reflexos importantes sobre a administração pesqueira nacional. A retomada do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) – extinto em 2015 – trouxe novamente a pesca para o primeiro escalão do Poder Executivo. Dessa mudança, esperam-se evidentes resultados positivos, tais como mais orçamento, estrutura e pessoal.
A gestão pesqueira voltou a ser de competência conjunta entre o MPA e o agora Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), retomando um arranjo que, no passado, não funcionou muito bem. Pesca não se restringe aos aspectos econômicos, porém também não se trata unicamente de questões ambientais. Faz, portanto, sentido esse compartilhamento das competências. Todavia, a velha novidade exigirá dos gestores públicos muita capacidade de diálogo e negociação. Caso contrário, teremos novamente uma paralisia do setor, que é ruim para todos os campos.
Os Comitês Permanentes de Gestão (CPGs) sobreviveram à transição de governo. Sua estrutura e funcionamento, no entanto, ainda podem ter aprimoramentos. Mas, como se diz, “o ótimo é inimigo do bom”: o simples fato de os CPGs seguirem existindo e estarem se reunindo com certa regularidade é um excelente sinal desse novo momento.
Em julho de 2023, a Oceana lançou a terceira edição da Auditoria da Pesca, cujo tema foi a importância da ciência no suporte à gestão pesqueira. Tal escolha não se deu por acaso. No último ano, observamos um salto na produção de conhecimento científico, com dezenas de avaliações de estoques publicadas, cobrindo parte expressiva dos principais recursos pesqueiros do país. O desafio posto à mesa, neste momento, é como fazer com que as autoridades responsáveis se apropriem desse conhecimento e que incluam nesse processo, os já citados CPGs.
Ainda falando sobre ciência, o novo MPA agora conta com uma Secretaria de Registro, Monitoramento, Pesquisa e Estatística. Pesquisadores de vasto currículo lideram a área, aumentando a expectativa sobre a retomada do monitoramento pesqueiro – cuja coleta de dados estatísticos foi paralisada há mais de uma década.
O novo ciclo de governo também buscou elevar a participação social na administração pública, o que é altamente positivo. Proliferaram nos primeiros meses de 2023 fóruns, conselhos e grupos de trabalho, sobretudo, junto aos movimentos sociais da pesca. A retomada do Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca (CONAPE) é emblemática. Mas, infelizmente, perdeu-se a oportunidade de corrigir uma distorção histórica ao não se prever a participação das ONGs neste Conselho, limitando sobremaneira a capacidade dessas entidades de colaborarem para o desenvolvimento e a implantação da política pesqueira. Ganha espaço o socioeconômico, segue sem espaço o ambiental.
Todas essas mudanças têm algo em comum, que é a incerteza. Na administração pesqueira do Brasil, essa, infelizmente, ainda é a palavra-chave. Estruturas (como o MPA e suas Secretarias) e processos (como as tomadas de decisão) são criados, extintos e recriados ao sabor das marés. E essa constatação nos traz ao último ponto dessa reflexão: como trazer um pouco mais de segurança e estabilidade para a administração pesqueira do país?
Não parece haver solução duradoura sem uma reforma na legislação pesqueira do país. Uma Lei da Pesca que sirva de alicerce para direcionar a gestão pesqueira é essencial. Diálogos entre setores da pesca artesanal, industrial e ONGs para refundar a política nacional da pesca já foram iniciados e muitas propostas estão na mesa. Que consigamos todos, unidos, trabalhar para criar um novo marco legal, esse sim, transformador da história da pesca brasileira e um grande avanço em prol de sua sustentabilidade.
* Diretor-geral da Oceana Brasil. Oceanólogo, mestre e doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo.
Este artigo foi publicado originalmente no nono Anuário Seafood Brasil (acesse aqui)