Como o aquecimento global está afetando a pesca? - Oceana Brasil
Inicio / Comunicados de Prensa / Como o aquecimento global está afetando a pesca?

Como o aquecimento global está afetando a pesca?

Abril 29, 2022

Por Daniel Pauly

O bacalhau do Atlântico é uma das pescarias mais importantes do mundo. Entre as décadas de 1950 e 1970, pescadores britânicos e islandeses travaram “Guerras do Bacalhau” pelos direitos às áreas de pesca. As mudanças climáticas podem alimentar mais “guerras do peixe”, à medida que as espécies se mudam para novos territórios em busca de águas mais frias. Foto: Juan Cuetos | Oceana

As notícias sobre o impacto do aquecimento global nos oceanos – mais precisamente sobre o aquecimento e a desoxigenação dos oceanos – estão aos poucos se tornando mais graves e abrangentes. Nesse sentido, é apresentada uma breve revisão dessas questões, várias referências para que os leitores possam ter um conhecimento da literatura existente.

  1. As temperaturas elevadas aumentam as necessidades de oxigênio dos peixes, ao mesmo tempo em que reduz a concentração de oxigênio disponível na água¹ (veja também em Oceana Magazine, 2015). Esse efeito é pior em zonas do oceano que são pobres em oxigênio, as quais estão se disseminando². Um dos principais efeitos é a redução do tamanho máximo de peixes e invertebrados (como lagostas e lulas) e, consequentemente, do tamanho em que atingem a maturação sexual¹, o que reduz o número de ovos que podem produzir.
  2. Outro efeito importante do aumento da temperatura dos oceanos é que as populações de peixes (que geralmente ocorrem em várias latitudes) tendem a se desenvolver melhor no seu limite mais frio do que no seu limite mais quente³. Assim, o aumento da temperatura leva as populações de peixes a se distribuírem cada vez mais próximas em direção a regiões polares e se esgotarem em águas tropicais.
  3. As mudanças na distribuição populacional estão bem documentadas em todo o mundo e são conhecidas por fazer com que muitos “estoques” de peixes tradicionalmente explorados por um determinado país (ou Estado) se afastem de suas águas e adentrem em águas sob jurisdição de outros países (ou Estados).
  4. Na melhor das hipóteses, essa situação pode causar problemas de gestão pesqueira entre a Carolina do Sul e a Carolina do Norte, na costa leste dos Estados Unidos, por exemplo, mas em outros casos pode levar a conflitos reais ou “guerras do peixe” em países tropicais, onde os peixes tendem a desaparecer lentamente.
  5. Portanto isso exigirá acordos entre países e Estados para compartilhar ou trocar direitos de exploração dos recursos. No entanto, esses acordos devem ser feitos rapidamente, pois as populações de peixes não estarão esperando por decisões ideais para migrarem.
  6. Infelizmente também podemos esperar uma recorrência de ondas de calor como a que afetou o noroeste do Pacífico no verão de 2021, matando cerca de 1 bilhão de animais no litoral da Colúmbia Britânica. As ondas de calor tornam inócuos os procedimentos e acordos de gestão de pesca.
  7. Em outras palavras, se queremos ter peixes no oceano e pescarias para explorá-los a longo prazo, precisamos reduzir de forma urgente e intensa as nossas emissões de gases de efeito estufa.Isso também demandará a eliminação da pesca de arrasto de fundo, que não apenas consome grandes quantidades de combustível para arrastar gigantes redes no fundo do mar – emitindo, assim, enormes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera, como também remobilizam o carbono que estava retido nos sedimentos do solo marinho.Se não reduzirmos nossas emissões de gases de efeito estufa, teremos graves problemas.

     

    Por Daniel Pauly

     

    *Dr. Daniel Pauly é o fundador e principal pesquisador do projeto Sea Around Us, no Institute for the Oceans and Fisheries, da Universidade de Columbia Britânica, além de ser membro do Conselho da Oceana.

     

    1 Pauly, D. 2021. The Gill-Oxygen Limitation Theory (GOLT) and its critics. Science Advances, 7(2), https://doi.org/10.1126/sciadv.abc6050.

    ² Levin, L. A., 2018. Manifestation, drivers, and emergence of open ocean deoxygenation. Annual Review of Marine Science, 10: 229-260; https://doi.org/10.1146/annurev-marine-121916-063359.

    ³ Cheung, W. W. L., V. W. Y. Lam, J. L. Sarmiento, K. Kearney R. Watson and D. Pauly. 2009. Projecting global marine biodiversity impacts under climate change scenarios. Fish and Fisheries 10: 235-251; https://doi 10.1111/j.1467-2979.2008.00315.

    4 Cheung, W. W. L., R. Watson and D. Pauly. 2013. Signature of ocean warming in global fisheries catch. Nature 497: 365-368; https://doi.10.1038/nature12156.

    5 Cheung, W. W. L., V. W. Y. Lam, J. L. Sarmiento, K. Kearney, R. Watson, D. Zeller and D. Pauly. 2010. Large-scale redistribution of maximum fisheries catch potential in the global ocean under climate change. Global Change Biology 16: 24-35; https://doi 10.1111/j.1365-2486.2009.01995.

    6 Palacios-Abrantes, J., Frölicher, T. L., Reygondeau, G., Sumaila, U. R., Tagliabue, A., Wabnitz, C.C. and Cheung, W. W., 2021. Timing and magnitude of climate-driven range shifts in transboundary fish stocks challenge their management. Global Change Biologyhttps://doi.org/10.1111/gcb.16058.

    7 https://www.cbc.ca/news/canada/british-columbia/intertidal-animals-ubc-research-1.6090774.

    8 Sala, E., Mayorga, J., Bradley, D. et al. 2021. Protecting the global ocean for biodiversity, food and climate. Nature 592, 397-402; https://doi.org/10.1038/s41586-021-03371-z.

    9 Oreskes, N. and E.M. Conway. 2014. The Collapse of Western Civilization: A View from the Future. New York: Columbia University Press, 2014. 105 p.