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Holofotes sobre os mares

Como a Oceana usa a plataforma Global Fishing Watch para conservar os oceanos e combater a pesca ilegal

Lançamento da plataforma Global Fishing Watch, em 2016. Foto: Oceana/Franz Mahr

Em julho de 2018, o governo espanhol multou duas embarcações de pesca por se ocultarem, ou seja, desativarem seus Sistemas de Identificação Automática (AIS, na sigla em inglês) por mais de mil horas ao longo de vários anos. Desligar o AIS – dispositivo que compartilha direção, velocidade, localização e identificação de embarcações a intervalos de 2 a 30 segundos – é perigoso, pois essas transmissões ajudam a evitar colisões e promovem a transparência das operações de pesca.

Como o governo soube desses dois infratores quando há milhares de navios de bandeira espanhola no mar? O país foi alertado sobre esse comportamento questionável pela Oceana, que usou o mapa público da Global Fishing Watch (Observatório Global da Pesca, em uma tradução livre) para rastrear o paradeiro das embarcações.

Muitos anos atrás, María José Cornax fez, a mão, um trabalho investigativo semelhante. Quando era gerente de campanhas da Oceana na Europa, ela cumpriu a minuciosa tarefa de rastrear os movimentos de uma única embarcação espanhola por meio de suas transmissões de AIS. A diretora de políticas da Oceana, Jacqueline Savitz, lembra-se de María José identificando a localização da embarcação a cada hora, usando os pontos criados no mapa para determinar se ela estava pescando ou em trânsito. Seus esforços levaram a uma descoberta esclarecedora: a embarcação estava pescando em uma área onde não tinha licença para operar.

Logo depois desse fato, um membro da equipe do Google disse a María José que eles poderiam obter dados do AIS. Foi ali que ela teve um estalo: o que ela levava meses para fazer poderia ser feito de forma muito rápida por computadores. E não apenas para um barco, mas para todos os outros que transmitem dados de AIS no mundo.

“Eu me lembro de enviar um e-mail para ela depois, listando várias ações que poderíamos realizar se tivéssemos esses dados. Poderíamos ver quando as pessoas estavam pescando em lugares onde não deveriam estar, como áreas marinhas protegidas, ou pescando o que não deveriam pescar”, rememora Jacqueline Savitz.

Não demorou muito até a realização de uma reunião da Oceana com o Google e a SkyTruth, uma ONG que usa dados de satélite para monitorar ameaças ambientais. A equipe da SkyTruth teve uma ideia semelhante à dela. Reunido, o trio de organizações criou o Global Fishing Watch (GFW), em 2016. Trata-se de uma organização independente, sem fins lucrativos, que fornece uma ferramenta online gratuita e fácil, baseada em tecnologia de satélite, para dar ao público uma possibilidade inédita de visualizar e rastrear atividades de pesca comercial em todo o mundo.

Desde a sua criação, a Oceana usa a plataforma Global Fishing Watch para identificar as ações de pesca no mar e identificar os infratores. Em 2020, a organização usou o GFW para identificar quase 300 embarcações chinesas pescando nas águas da Reserva Marinha de Galápagos por mais de 73 mil horas em apenas um mês, provavelmente em busca de lulas. Também foi possível detectar embarcações chinesas desativando seus dispositivos de rastreamento e realizando outras atividades suspeitas. A denúncia gerou graves alertas em todo o mundo a respeito do impacto que a enorme frota da China está tendo sobre os oceanos.

Em sua campanha para ampliar o Parque Nacional de Cabrera – uma área ao sul de Maiorca onde há uma rica biodiversidade marinha, incluindo corais, golfinhos e baleias -, na Espanha, a Oceana também usou os dados do GFW.

Na época, a organização mostrou que a área proposta para a expansão não era muito explorada e, portanto, não teria um grande impacto econômico sobre a pesca da região. Isso ajudou a convencer o governo, que aumentou oficialmente o parque em quase dez vezes em 2018, tornando-o o segundo maior parque marinho do Mediterrâneo.

Ampliando horizontes

Apesar de sua tecnologia inovadora, o início da implantação do Global Fishing Watch foi bastante desafiador. “Havia algumas áreas onde nós não tínhamos muitos dados em função da localização dos satélites; ou porque o tráfego de navios era tão grande que estava bloqueando as embarcações de pesca”, explicou Savitz.

Outra fonte de informação – o Sistema de Monitoramento de Embarcações (VMS, em sua sigla em inglês), instalado em algumas frotas industriais – poderia ajudar a preencher algumas lacunas da plataforma GFW, mas não estava disponível ao público.

A Oceana usou sua abordagem de campanha já testada para persuadir os governos a compartilhar seus dados de VMS e publicá-los na plataforma do GFW Em 2017, o governo do Peru concordou em compartilhar seus dados de VMS, tornando-se o primeiro país da América do Sul a fazê-lo, estabelecendo um precedente importante.

A partir daí, Belize, Brasil, México, Chile, Noruega, Benin, Costa Rica, Equador, Panamá, Ilhas Marshall e Papua-Nova Guiné também compartilharam seus dados de VMS com o GFW.

“A transparência e a colaboração entre os países e as organizações estão gerando mudanças concretas na água, ajudando a acabar com a pesca ilegal e outras práticas destrutivas”, disse Tony Long, diretor do GFW. “À medida que mais países compartilham seus dados de rastreamento de embarcações em nosso mapa, nossa visão global da atividade pesqueira ganha destaque, permitindo uma melhor governança oceânica”.

Foto: NOAA

Passagem para as baleias-francas

Desde 2019, a Oceana faz campanha nos Estados Unidos e no Canadá para salvar da extinção as baleias-francas do Atlântico Norte. Resta apenas uma população de 330 desses animais.

As baleias-francas do Atlântico Norte migram sazonalmente das águas daquela região para as águas mais quentes do Atlântico Sudeste. Elas são de cor escura e difíceis de detectar, nadam lentamente na superfície da água e não possuem barbatana dorsal. Combinadas, essas características as colocam no caminho direto de duas grandes ameaças: colisão com navios e enredamento em equipamentos de pesca.

Navegando em velocidades altas, as embarcações simplesmente não conseguem manobrar para evitar essas nadadoras lentas, expondo as baleias a um grande risco de serem atingidas. Uma colisão pode resultar em lesões fatais por trauma contundente ou cortes causados por hélices.

Desacelerar os navios pode ajudar a reduzir as colisões com as baleias-francas, mas muitos limites de velocidade estabelecidos pelos governos dos Estados Unidos e do Canadá têm sido voluntários, levando a um baixo cumprimento e à impossibilidade de fiscalização.

Usando dados do Global Fishing Watch sobre a velocidade e a direção de embarcações de pesca e carga, a Oceana criou uma plataforma autônoma – Ship Speed Watch – em 2020 para monitorar as velocidades dos navios ao longo da rota migratória das baleias francas.

“A maior parte do excesso de velocidade acontece além do horizonte”, disse Gib Brogan, diretor de campanhas da Oceana. “Tem sido muito difícil observar essas embarcações e verificar o cumprimento dos limites de velocidade. Agora, com a Ship Speed Watch, os órgãos públicos e governamentais podem monitorar navios em excesso de velocidade a partir de suas salas”.

Depois de conferir os dados que a Oceana obteve na Ship Speed Watch e confirmá-los por meio de sua própria análise, o governo dos Estados Unidos divulgou uma nova proposta de regra para a velocidade de embarcações, que visa reduzir o risco de colisões com as baleias-francas do Atlântico Norte.

“Não queremos que um mamífero marinho se extinga diante dos nossos olhos. Com a Ship Speed Watch e uma nova regra forte para desacelerar as embarcações, estamos dando uma chance de sobrevivência às baleias-francas do Atlântico Norte”, disse Beth Lowell, vice-presidente da Oceana nos Estados Unidos”.

Luz contra a pesca ilegal

Nas Filipinas, navios de pesca comercial são conhecidos por invadir as chamadas águas municipais do país, reservadas para pescadores artesanais. “Isso afeta a saúde dos habitats porque algumas das embarcações usam métodos de pesca destrutivos”, explicou Danny Ocampo, diretor sênior de campanhas da Oceana nas Filipinas. “Os pescadores municipais e artesanais não podem competir com a tecnologia, o equipamento e a capacidade dessas embarcações comerciais”.

Em alguns casos, os moradores relataram não conseguir pescar nada por uma semana ou mais depois que os navios de pesca comercial entram nas águas municipais. Isso significa perda de renda e alimentos nutritivos. “Somos considerados um dos centros de biodiversidade marinha e espécies de peixes que vive próximo à costa, mas nossos pescadores estão entre as pessoas mais pobres entre os pobres da sociedade filipina”, acrescentou Ocampo.

Embora os sistemas de monitoramento de embarcações tenham se tornado obrigatórios nas Filipinas após a campanha da Oceana e de seus aliados, a adoção da lei ainda é bastante lenta. Os dados do VMS ainda são bastante resguardados pelo governo, e apenas cerca de 50% das embarcações com licença para a pesca comercial a cumprem.

Apesar desses desafios, em 2019, a Oceana se juntou à Liga das Municipalidades para criar uma nova ferramenta chamada Patrulha do Karagatan (karagatan significa mar em filipino) para capacitar pescadores, cientistas, funcionários do governo e outros envolvidos com o propósito de proteger suas águas municipais da pesca comercial ilegal.

Através da criação de um grupo no Facebook, os pescadores e as autoridades passaram a publicar informações sobre pesca aparentemente ilegal em suas águas locais, alertando os órgãos fiscalizadores e os governos locais. Esses casos costumam ser registrados à noite porque as embarcações de pesca comercial com luzes brilhantes podem ser vistas da costa. “Nós nos inspiramos muito no Global Fishing Watch para criar essa plataforma”, afirmou Jessie Floren, administradora do banco de dados da Oceana

Os dados da Patrulha do Karagatan foram fundamentais para convencer as autoridades locais e nacionais e outros funcionários do governo a reduzir a pesca ilegal em suas municipalidades. A Oceana envia uma publicação trimestral aos governos locais com as principais áreas em que há descontrole da pesca comercial aparentemente ilegal.

“O Global Fishing Watch elevou o padrão a ser atingido por todos. Agora, as embarcações de pesca são visíveis, e essa é a norma. Atuando a partir dessas informações, podemos aumentar a transparência na pesca. É assim que teremos oceanos saudáveis, conclui Beth Lowell.

Captura de tela da plataforma Global Fishing Watch

Vitória da transparência no Brasil

Em novembro de 2021, os dados de rastreamento de mais de 1,4 mil embarcações de pesca industrial brasileiras foram disponibilizados de forma pública e online no GFW, possibilitando a geração de dados sobre o esforço e as áreas de pesca; a distribuição espacial e temporal da frota; e a identificação dos pontos de desembarque; bem como auxiliar ações de fiscalização e o mapeamento de embarcações.

“Com a abertura dos dados para o Global Fishing Watch, o Brasil finalmente se junta a países como Chile, Peru, México, Belize e tantos outros, impulsionando transformações positivas na maneira como gerenciamos os recursos pesqueiros em nosso oceano”, ressaltou o diretor-geral da Oceana, o oceanólogo Ademilson Zamboni, na ocasião, ressaltando: “Entendemos que incrementar as ferramentas de transparência é fundamental para uma gestão pesqueira eficaz e contribui muito para a proteção dos ecossistemas marinhos”.

Este artigo foi publicado originalmente na edição de Inverno 2022 da Oceana Magazine.