Mudanças climáticas ameaçam a pesca marinha
Abril 22, 2020
Foto: Natividad Sánchez | OCEANA
Hoje, 22 de abril, é celebrado o Dia Internacional da Terra. Com o tema Mudanças Climáticas, a data relembra a necessidade de respeitar o planeta, especialmente em tempos de grandes desafios para a humanidade, como a atual pandemia de coronavírus.
Como vem alertando a Oceana, o aquecimento dos oceanos gera impactos significativos nos ecossistemas marinhos e na ocorrência de eventos atmosféricos extremos globalmente. Estudo publicado pela revista científica Advances in Atmospheric Sciences mostra que o aumento da temperatura dos oceanos atingiu um índice recorde no ano passado.
De acordo com a pesquisa, mais de 90% do calor retido na terra pelos gases de efeito estufa são absorvidos pelos oceanos. Nos últimos 30 anos, a taxa de aquecimento registrada em águas marinhas cresceu 450% se comparada ao período anterior (1955 a 1986).
O aumento da temperatura provoca a redução de oxigênio dissolvido, essencial para o metabolismo dos organismos aquáticos. Como resposta, muitas espécies deslocam-se em direção a águas mais frias, mudando seu padrão natural de distribuição. As evidências desses efeitos vêm sendo coletadas por mais de 40 anos pelo renomado cientista pesqueiro Daniel Pauly, membro do Conselho Diretor da Oceana.
Pauly lidera o projeto Sea Around Us, na Universidade da Columbia Britânica (UBC, no Canadá), que mapeou a distribuição de mais de 2 mil espécies de peixes em todo o mundo. A pesquisa resultou no primeiro mapa a mostrar os efeitos do aquecimento global na biodiversidade marinha. Acesse os estudos aqui.
“Uma mudança que podemos notar é que os peixes estão se movendo em direção aos polos. Isso ocorre porque a água está esquentando e eles estão procurando a temperatura adequada. Os peixes estão saindo do cinturão intertropical, mas não estão sendo substituídos”, explica Pauly.
Essa movimentação pode ter consequências drásticas. “Cada um desses peixes que se move é uma pesca potencial, de modo que a pesca vai diminuir, especialmente nos trópicos”, reforçou o cientista pesqueiro.
Daniel Pauly afirma ainda que a situação pesqueira é ainda mais alarmante porque não sabemos – e não saberemos – a real causa desse cenário, uma vez que as pesquisas em regiões tropicais são escassas.
Desde a conclusão do Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (ReviZEE) em 2006 não temos no país nenhuma iniciativa robusta de pesquisa científica voltada aos recursos vivos marinhos.
Há uma década o país não produz estatísticas sobre a atividade pesqueira. Desde 2009, quando o governo deixou de coletar sistematicamente dados de pesca, as informações sobre a cadeia produtiva se restringem a levantamentos pontuais, a maioria deles voltado para a aquicultura. O último Boletim Estatístico trouxe dados até 2011, mas com sérias lacunas e uso de inferências.
Além disso, hoje, o Brasil e a Coréia do Norte são os únicos países que não relatam sistematicamente seus dados pesqueiros à Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Consolidando um quadro ainda mais nebuloso, os fóruns de debate sobre a gestão pesqueira, que contavam com participação da sociedade civil e suporte científico, foram extintos em 2019 e, até o momento, não foram recriados. Eram os Comitês Permanentes de Gestão (CPGs), que reuniam governo, setor pesqueiro e especialistas da sociedade civil. “O estabelecimento desses colegiados ou de instâncias similares é urgente para discutir o futuro da pesca e promover uma gestão sustentável dessas pescarias com base em ciência”, enfatiza o diretor-geral da Oceana no Brasil, o oceanólogo Ademilson Zamboni.
Formular cenários de redistribuição de estoques por conta de outras forçantes como o aumento da temperatura das águas marinhas, e adotar medidas para reconstrução dos mesmos, quando for o caso, depende de dados sobre o status das populações de peixes, sobre a atividade pesqueira e da formulação de regras transparentes a serem aplicadas às pescarias. “Há uma série de medidas que os governos de todo o mundo precisam adotar para reduzir o impacto das mudanças climáticas. No entanto, no campo da pesca, políticas públicas urgentes precisam ser implementadas para reduzir os impactos que já estão prejudicando os ecossistemas marinhos”, completa Zamboni.
De acordo com Pauly, com a recuperação dos estoques, não somente teremos uma melhor pesca, mas teremos maior variabilidade nas populações e maior capacidade de adaptação e de acomodação para as mudanças que estão chegando.
Teoria GOLT
Daniel Pauly é autor do livro Gasping Fish and Panting Squids: Oxygen Temperature and the Growth of Water Breathing Animals, cuja segunda edição revisada e ampliada foi lançada em fevereiro de 2020. Na publicação, o cientista apresenta a teoria chamada GOLT (do inglês, Gill-Oxygen Limitation Theory) que demonstra que o oxigênio na água é um fator limitante especialmente para os peixes. Os impactos das mudanças climáticas e do aquecimento das águas resultam migração dos peixes para águas mais frias e ricas em oxigênio.
De acordo com a teoria, a distribuição e o crescimento de animais que respiram na água são, em grande parte, determinados pelas dificuldades de tirar oxigênio da água ao seu redor. “O que acontece é que a área de superfície das brânquias — onde o oxigênio é absorvido — é bidimensional e não cresce no mesmo ritmo que o resto do corpo, que é tridimensional”, afirma Pauly.
À medida que os peixes crescem, sua demanda por oxigênio aumenta, pois sua massa corporal se torna maior. Mas como as brânquias não estão crescendo no mesmo ritmo há um ponto em que eles não podem fornecer oxigênio suficiente para um crescimento adicional. Com isso, há uma tendência para o estresse, que se reflete em aumento de mortalidade, com impactos significativos nas populações de peixes, incluindo importantes estoques pesqueiros.
Acesse:
Apresentação do Dr. Daniel Pauly no Brasil
Artigo publicado na Advances in Atmospheric Sciences
Relatório IPCC 2019
Projeto Sea Around Us