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Na corda bamba, safra da lagosta será novamente sem limite de capturas

Maio 5, 2021

Ademilson Zamboni

A lagosta (Panulirus argus) é um dos recursos de grande importância para o Brasil, sob qualquer perspectiva. Dados do Registro Geral da Pesca (RGP) revelam que ao menos 2.900 embarcações, a maioria de pequeno porte, atuam na pescaria. 

São cerca de 15 mil pescadores envolvidos, segundo o Centro de Desenvolvimento Sustentável de Pesca do Brasil (Cedepesca). Esse recurso de alto valor agregado é o principal responsável pela redução do déficit da balança comercial de pescados do Brasil, já que suas exportações somam em média 75 milhões de dólares por ano – o maior valor dentre todas as categorias de pescado exportado pelo País.

Esses números, que destacam a lagosta no contexto da pesca brasileira, deveriam inspirar um maior controle e uma melhor gestão desse recurso, visando assegurar os benefícios socioeconômicos de forma perene. Mas não é isso que se tem observado.

                        Visualização da imagemFoto: Shutterstock

Duas avaliações de estoque publicadas pela Oceana ainda em 2020 indicam que a lagosta se encontra numa situação extremamente delicada com apenas 18% de sua biomassa virginal, isto é, o tamanho teórico do estoque na ausência de pesca. Consecutivas falhas na gestão da pescaria fizeram com que o estoque sofresse uma redução superior a 80%. 

O estudo aponta ainda que a pressão pesqueira, historicamente acima do sustentável, tem reduzido o tamanho das lagostas capturadas, o que compromete a capacidade da espécie de se reproduzir. Hoje praticamente não se encontram mais lagostas de grande porte, que carregam mais ovos e que, por isso, têm maior potencial de contribuir com seu repovoamento. Restam basicamente juvenis e jovens adultos nessa população. 

O que vivemos hoje é um cenário de alto risco de colapso da pescaria com todos os impactos ambientais, sociais e econômicos que isso representa.

O lado bom é que soluções existem e não são complexas. A proposta de estabelecer um limite de captura anual para essa pescaria com controle focado nos volumes de exportação foi amplamente discutida entre sociedade civil, cientistas e com o setor produtivo. Entidades representativas da pesca artesanal inclusive produziram um documento, entregue ao governo ainda em 2019, solicitando a adoção de cotas. 

O desafio de se controlar cotas na pesca da lagosta não precisa ser tratado como tabu. Notem que, muito embora a produção de lagostas seja dispersa, com milhares de embarcações distribuídas ao longo de centenas de quilômetros de costa, a sua cadeia produtiva é afunilada. Estima-se que 90 a 95% da produção seja voltada para o mercado de exportação, dominado por um pequeno grupo de empresas. Essa cadeia de exportação já se encontra submetida a medidas de controle sanitárias e fiscais. Bastaria apenas ampliar este controle, incluindo também sistemas que possibilitem que estas empresas registrem volumes de lagosta recebidos, processados e exportados para fins de controle dos limites de captura.

Tecnicamente, tanto os estudos da Oceana quanto outras avaliações de estoque disponíveis, produzidas por universidades e até mesmo por empresas exportadoras dão ao governo toda a argumentação para que cotas sejam adotadas com base científica. As características da cadeia produtiva da lagosta e a curva de aprendizado que se tem tido com outras pescarias, como o caso da tainha, trazem segurança para que o governo implemente em curto prazo um limite de captura. 

Não há mais tempo para se apostar unicamente nas medidas chamadas de “controle de esforço”, que buscam limitar o tamanho da frota e, até mesmo, a quantidade de armadilhas teoricamente utilizadas – algo cujo controle é atualmente impraticável. 

Todos os elementos para que se aprimore a gestão da pescaria já estão postos na mesa. O que falta agora é um senso de prioridade, de urgência, haja visto que a safra que se inicia em junho de 2021 deve seguir nos mesmos moldes dos anos anteriores. 

Não é novidade que existem inúmeros problemas na pesca da lagosta. De toda forma, discuti-los só faz sentido se ainda houver lagosta a ser pescada. É preciso que se trate com a devida prioridade as medidas para recuperação de um dos mais valiosos recursos pesqueiros do Brasil. 

Já dissemos uma vez, mas é importante que se repita: não há tempo a perder. Abrir a pesca da lagosta sem qualquer controle de captura pode representar seu colapso. 

 

Artigo publicado no SeaFood Brasil, dia 04 de maio