“Não estamos no rumo certo. Há muitas barreiras entre atores do sistema de gestão de recursos pesqueiros” - Oceana Brasil
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“Não estamos no rumo certo. Há muitas barreiras entre atores do sistema de gestão de recursos pesqueiros”

Presidente do Conepe fala sobre os caminhos da gestão pesqueira no país

Março 26, 2024

Cadu Villaça defende a revisão da Lei da Pesca. Foto: Arquivo Pessoal

Presidente do Coletivo Nacional da Pesca e da Aquicultura (Conepe), o oceanólogo Cadu Villaça decidiu, depois de se formar na Fundação Universidade do Rio Grande (FURG), em 1986, mergulhar no lado prático e operacional da pesca. Começou embarcando na frota de Santa Catarina, aprendeu os detalhes da cadeia produtiva e seguiu a carreira no setor empresarial. Entre agosto de 2020 e junho de 2021, teve a experiência de ser diretor de Registro e Monitoramento DRM, da Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP), hoje transformada em Ministério da Pesca e da Aquicultura (MPA). Entre as experiências na iniciativa privada e no poder público, Cadu Villaça faz um balanço, para o Oceana Entrevista, sobre a situação da pesca no Brasil e a importância de se atualizar a Política Pesqueira do Brasil.

Como conhecedor da pesca e da oceanografia, qual o caminho para encontrar o equilíbrio entre uso econômico e conservação dos recursos pesqueiros?

O caminho é manter os recursos em seu pleno potencial de explotação. Apesar da pesca ter influência, há outros fatores, como poluição e degradação ambiental, que alteram significativamente taxas de fecundidade, crescimento, e, portanto, interferem na biomassa e, em sendo mais ou menos influentes em determinadas espécies, causam desequilíbrios que afetam toda a cadeia e o ecossistema.

Não é simples, nem estanque. Trabalhar com margens de segurança é sempre recomendado.

Estamos hoje no rumo certo?

Não estamos no rumo certo. Há muitas barreiras e pouca comunicação, respeito e reconhecimento entre atores básicos num sistema de gestão de recursos pesqueiros, formada pela cadeia produtiva, academia e gestores. Há enormes diferenças e, talvez, o mais grave de todos os problemas: há uma excessiva politização.

Medidas antipáticas, como estabelecer limites de captura e negar pedidos, não são tomadas, pois prevalecem considerações como o “desgaste político”, sem um pleno entendimento de que o desgaste do potencial produtivo dos estoques é muito maior, mais prejudicial aos interesses nobres de uma nação e com sérios reflexos em gerações futuras de cidadãos brasileiros.

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Completamos agora 15 anos da publicação da Lei da Pesca, mas infelizmente sem nenhum avanço real. Estamos no momento de revisar e refundar essa legislação? 

Não se vê muitos avanços, mas, sim, um processo de degradação da atividade, custos que sobem e receitas que caem. Caem seja por menor produção por unidade de custo (barco), por menor disponibilidade do recurso (diminuição de biomassa), ou por ter que dividir por mais barcos (aumento de frota ou capacidade de pesca de barcos). Há ainda o surgimento importante da competitividade de produção aquícola e da importação de pescados. É o momento de revisar e do que for definido ser, de fato, implementado. Que seja absorvido pela sociedade e não apenas mais uma lei a ser desconsiderada, como tantas outras que conhecemos.

Ver publicada uma lei não é vitória. Vitória é ver cumprida uma boa lei!

O pargo e a lagosta são duas locomotivas das exportações brasileiras de pescado, mas os estudos indicam que os estoques estão em uma situação ruim. Por que temos tanta demora em atualizar o regramento destas duas pescarias?

As duas espécies são biológica, operacional e mercadologicamente muito diferentes. O pargo apresenta sinais mais evidentes de queda de produtividade, infelizmente, e limites estabelecidos como tamanho de frota e defeso não foram absorvidos. Já no caso da lagosta são duas as principais espécies exploradas [Panulirus argus e Panulirus laevicauda]. Elas têm uma característica de resiliência enorme: há quase uma década as exportações, quando convertidas para peso vivo, flutuam entre 5 mil e 6 mil toneladas. Para ambos os recursos, têm-se falado em cotas, o que acho interessante e viável, muito embora eu considere mais simples o controle na pesca da lagosta dada as características da cadeia e do mercado. Mas é uma forma de estabelecer limites e buscar recuperação de biomassa e aumento de limites sustentáveis. É um caminho que precisa ser absorvido.

Recursos têm limites de sustentabilidade e as cotas, amplamente utilizadas em gestão ao redor do globo, são uma forma inteligente de equilibrar a capacidade de produção de determinado estoque com a quantidade explorada. Mas é preciso ter em mente que as flutuações de biomassa devem ser refletidas em variações de cotas.

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Como oceanólogo e empresário da pesca, como você enxerga o papel da ciência na gestão da pesca?

A ciência é fundamental. Sem conhecimento não há gestão, características biológicas, ecológicas, dados pesqueiros e independentes da pesca, considerações ambientais, interespecíficas e tantos outros aspectos e perspectivas técnico-científicas só podem iluminar a atividade e, portanto, o seu futuro e sustentabilidade. O setor produtivo já é bastante tributado e entendemos que, até pela necessária isenção, minorando conflito de interesses, o ideal é que a pesquisa seja financiada por recursos públicos. Acho que há uma percepção da importância da ciência, mas há, sim, muita distância entre a academia e o usuário primário.

O gestor público, que tem a atribuição de absorver o melhor conhecimento e empregá-lo nas políticas públicas, ou seja, fazer a ponte, realçar e promover o conhecimento, acaba derivando conforme já exposto em ideias previamente.

O Conepe é membro da Alpescas (Aliança Latino-americana para a Pesca Sustentável). Estamos muito distantes de países como Argentina, Chile e Peru? Onde estão nossas maiores lacunas e quais lições podemos aprender com esses países?

Estamos distantes da maioria. Iniciar pensando que a atividade pesqueira tem uma relevância econômica muito maior nesses países, que são todos, ao contrário do Brasil, sob influência de correntes da Antártica, de alta produtividade e capazes de suportar biomassas muito mais expressivas. O Brasil, fora períodos de influência das correntes de Sul e nas áreas de deságue de rios (com absurdo destaque para a foz do Amazonas), é preponderantemente banhado por águas tropicais pobres. Esse recorrente paralelo entre a extensão da costa brasileira e a pouca relevância da produção pesqueira precisa ser revisto. Não faz sentido, não é sensato. Mesmo com todos os estoques em seu ótimo, seríamos um pais modesto em produção pesqueira selvagem. Está na aquicultura o nosso caminho de relevância internacional e, a diferenciação entre o produto selvagem e o cultivado, é o desafio mercadológico a ser buscado. É aquela máxima, somos o que comemos, e o produto que come ração não tem de forma alguma a mesma textura e sabor que produtos oriundos de produção selvagem. Entram rastreabilidade e compliance como instrumentos de mercado a serem positivamente explorado pela atividade pesqueira.