Novo relatório da Oceana aponta necessidade de atualizar a Lei da Pesca
O estudo “A Política Pesqueira no Brasil” compara o marco legal da pesca com a Constituição Federal, políticas ambientais e legislações de outros seis países
Dezembro 16, 2022
A legislação pesqueira no Brasil requer atenção imediata do poder público e da sociedade civil. O alerta é o cerne do relatório “A Política Pesqueira no Brasil”, lançado pela Oceana hoje (16/12), às 11h, em um webinário online. A publicação apresenta uma minuciosa análise sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca (Lei Federal nº 11.959/2009 – mais conhecida como Lei da Pesca), além de traçar um comparativo com as legislações de seis países notadamente avançados em termos de gestão pesqueira: África do Sul, Argentina, Austrália, Estados Unidos, Noruega e Rússia.
“O estudo nasce do paradoxo que rege a atividade pesqueira: a importância socioeconômica e cultural versus o impacto ambiental. No Brasil, há um profundo desequilíbrio nessa equação. Hoje, os mecanismos legais apresentam-se incapazes de otimizar a gestão da pesca e tampouco há dados suficientes sobre a situação dos estoques pesqueiros marinhos”afirma o diretor científico da Oceana, o oceanógrafo, Martin Dias.
Entre os destaques do documento estão problemas como a elevada instabilidade institucional, a carência generalizada de planos de gestão pesqueira, cobertura insuficiente dos mecanismos de monitoramento pesqueiro (no mar e em terra), a precariedade do ordenamento das pescarias e falta de transparência na divulgação de dados e nos processos de tomada de decisão.
À luz da Constituição
Composto por um Sumário Executivo, dois volumes e dois apêndices, o relatório “A Política Pesqueira no Brasil” aprofunda questões mapeadas nas duas edições da “Auditoria da Pesca”, de 2020 e 2021, publicadas pela Oceana. Além de avançar substancialmente ao comparar a estrutura da Lei 11.959/2009 com a Constituição Federal e com as políticas ambientais brasileiras.
“A Constituição reconhece a pesca como uma atividade econômica, pertencente à política agrícola e garante a proteção do pescador, sobretudo o artesanal, mas também determina que a atividade pesqueira, deve ocorrer integrada à proteção dos ecossistemas, fauna e flora. O marco legal sobre a pesca deveria, portanto, considerar essa compatibilização, o que não ocorre”, observa Dias.
O relatório evidencia as fragilidades do atual marco legal, incapaz ainda de promover a segurança jurídica da atividade. A atual Lei da Pesca não traz, por exemplo, as bases de uma política geral dessa atividade, não define sua finalidade, nem desenha os instrumentos de gestão e as atribuições de responsabilidades institucionais, assim como os direitos e as obrigações dos participantes diretos desse processo. Ao apresentar uma série de Recomendações, o estudo propõe conceitos e soluções para essas e outras questões.
“A Lei da Pesca não determina as responsabilidades dos agentes administrativos por sua implementação e muito menos a integração com as áreas afins, principalmente de proteção ambiental.”, explica o diretor científico da Oceana.
Vácuo também sobre águas internacionais
Ao ter como referência as legislações pesqueiras da África do Sul, Argentina, Austrália, Estados Unidos, Noruega e Rússia, a análise da Lei da Pesca brasileira revela que o Brasil precisa atualizar o seu marco legal no sentido de garantir que avanços sejam implementados com urgência. Por exemplo, em nenhum desses países pesca marinha e aquicultura (cultivo de organismos aquáticos) estão sob o mesmo marco jurídico, como ocorre no Brasil.
De acordo com o relatório, muito embora sejam frequentemente compreendidas como uma mesma cadeia produtiva sob a ótica da produção de alimentos e da garantia de sanidade dos produtos de origem animal, as atividades de pesca e de aquicultura são essencialmente distintas. Se do ponto de vista administrativo, faz sentido que estejam sobre as mesmas normas, mas na prática, para gestão das duas atividades e de seus impactos não há qualquer relação que justifique estarem juntas.
As leis nacionais da Argentina, dos Estados Unidos e da Noruega regem exclusivamente a atividade pesqueira marinha, enquanto na Austrália, a legislação disciplina apenas a pesca comercial. Já a política pesqueira russa contempla a atividade marinha e continental. Em nenhum dos casos analisados, pesca e aquicultura estão sob a mesma norma.
O estudo também aponta a necessidade de regras para o exercício da pesca fora das águas jurisdicionais brasileiras. Não há no marco legal vigente nenhum dispositivo que faça com que a pesca brasileira em águas internacionais se submeta ao conteúdo dessa legislação. Na África do Sul, na Noruega e na Rússia, a política pesqueira exerce esse controle, garantindo e reafirmando os compromissos desses países com as normas internacionais sobre a pesca.
“É fundamental que o Brasil tenha um marco legal que possibilite o desenvolvimento de arranjos locais e regionais que atendam às diferentes realidades reconhecendo a heterogeneidade da pesca costeira no Brasil”, observa Dias.
Entre agosto e outubro deste ano, a organização realizou de uma série de 10 oficinas no processo de “Construção Coletiva de uma Nova Política Pesqueira Nacional”, com pescadores e pescadoras artesanais de Norte a Sul do país. A descentralização da gestão foi uma das principais demandas apontadas por essas lideranças.