O longo caminho até a retomada dos Comitês de Gestão da Pesca
A publicação do regimento interno da Rede Pesca Brasil é um avanço, mas ainda existem muitas etapas a serem vencidas
Janeiro 28, 2022
Na última segunda-feira (24), a Secretaria de Aquicultura e Pesca, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, promoveu um avanço para a gestão pesqueira com base científica e sustentável ao editar a Portaria SAP/MAPA nº 554/2022. O documento apresenta o regimento interno da chamada “Rede Pesca Brasil”, sistema que inclui os Comitês Permanentes de Gestão da Pesca (CPGs) e suas instâncias técnicas de assessoramento.
Historicamente, esses Comitês são os espaços onde demandas e propostas são formalmente apresentadas, conflitos são debatidos e contornados e soluções são endereçadas conjuntamente. A sua ausência paralisou os debates formais sobre a revisão e modernização das regras de uso dos recursos pesqueiros. Esta é, seguramente, uma, mas talvez a principal, causa do precário quadro da pesca nacional.
Um exemplo disso é o fato de que desde os anos 2000 não temos um CPG instituído e atuante para tratar do ordenamento dos recursos demersais do Sudeste e Sul do país, dificultando a revisão de medidas de gestão da pesca que datam da década de 1980.
O cenário parece que vai mudar. O regimento interno estabelece que a autoridade pesqueira deve proporcionar, no mínimo, uma reunião anual de cada um dos 10 CPGs existentes, evitando, como já ocorreu, os “comitês no papel”.
Ganhou-se também em transparência, com a obrigatória divulgação dos encaminhamentos das reuniões no site da SAP em um período de até cinco dias. Cada CPG também deve, obrigatoriamente, estar assessorado por um Grupo Técnico-Científico, possibilitando, ao menos teoricamente, um importante vínculo entre gestão e ciência.
Os editais para compor o banco de assessoramento técnico-científico serão também de caráter contínuo, permitindo maior acesso e participação acadêmica no apoio à gestão. A previsão de reuniões virtuais ou mistas pode ser um avanço que facilita a participação daqueles que não têm condições de pagar pelo deslocamento, já que os custos logísticos não serão arcados pelo governo.
A rede de CPGs, ou Rede Pesca Brasil, contudo, possui algumas fragilidades, as quais não têm sua raiz na norma recém-publicada, mas sim no decreto que a instituiu. Merece destaque a falta de uma previsão explícita de participação dos órgãos ambientais nas discussões sobre a gestão da pesca. Os conflitos existentes entre o uso e a conservação dos recursos pesqueiros poderiam ser dirimidos nesses ambientes. Resta esperar que o Ministério do Meio Ambiente e suas autarquias estejam devidamente representados.
O fato de os Grupos Técnico-Científicos terem de ser reformulados a cada ano também pode significar uma descontinuidade na agenda de trabalho dos cientistas pesqueiros que, voluntariamente, vão apoiar tecnicamente a gestão.
Um outro desafio, que se mantem sem cobertura pelas duas normativas, é a gestão das pescas de pequena escala. Ela segue prejudicada pela centralização, em Brasília, de decisões que poderiam (e deveriam) estar sendo tomadas localmente.
Apesar do avanço comemorável, a questão do tempo segue preocupante. Há um longo caminho a ser trilhado. Desde a criação, por decreto, da Rede Pesca Brasil, levou-se ao todo sete meses para que seu regimento fosse publicado.
Quanto tempo levará para que os editais de chamamento sejam publicados? E para a seleção dos membros dos CPGs e das suas instâncias de assessoramento? E suas nomeações em norma?
Como dito no início, nada paralisa mais a gestão da pesca do que a inoperância dos CPGs. Este tema, portanto, deveria ser tratado como a mais alta prioridade do Departamento de Planejamento e Ordenamento da Pesca e da própria SAP/MAPA.
A importância dos Comitês é tamanha que a sua instituição ser baseada em um conjunto de normas infralegais, frágeis e facilmente revogáveis será sempre fonte de risco e incerteza. Especialmente diante das mudanças de governo.
É urgente que se inicie um processo de revisão da Lei da Pesca (Lei nº 11.959/2009) e que, nesse processo, o sistema de gestão da pesca e os Comitês Permanentes de Gestão da Pesca passem a ser instituídos por força de lei federal. Até que isso ocorra, a gestão da pesca estará fadada ao “para e anda”.