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Oceana denuncia centenas de navios chineses pescando ilegalmente em águas da Argentina

Junho 7, 2021

Um novo relatório divulgado pela Oceana mostra que centenas de embarcações pesqueiras estrangeiras, principalmente chinesas, têm explorado as águas da Argentina, muitas vezes desaparecendo dos sistemas públicos de localização. Essas frotas de águas distantes pescam principalmente o calamar argentino, um recurso vital para a economia argentina e uma espécie importante na dieta de peixes como atum e espadarte.

A Oceana analisou a atividade dos navios de pesca ao longo da fronteira das águas nacionais da Argentina de 1º de janeiro de 2018 a 25 de abril de 2021, utilizando dados do Sistema de Identificação Automática (AIS) disponíveis na plataforma do Global Fishing Watch (GFW), organização sem fins lucrativos independente fundada pela Oceana em parceria com o Google e a SkyTruth. Os dispositivos AIS transmitem informações tais como o nome, bandeira e localização de um navio.

O AIS e outros sistemas de rastreamento, quando utilizados continuamente, proporcionam aos gestores, governos e ao público uma maior visibilidade sobre a pesca em alto mar, contribuindo para deter atividades ilegais.

Da pesca visível na GFW, a Oceana documentou mais de 800 embarcações estrangeiras que registaram mais de 900 mil horas totais de pesca aparente. A análise também revelou que 69% dessa atividade pesqueira foi conduzida por mais de 400 embarcações chinesas. Em comparação com as frotas estrangeiras, 145 navios de pesca argentinos realizaram 9.269 horas de pesca visível nessa área durante o mesmo período – menos de 1% do montante total.

O relatório aponta ainda que houveram mais de 6 mil eventos de falhas – casos em que as posições das embarcações não são transmitidas por mais de 24 horas. A análise dessas falhas pode indicar os locais onde navios potencialmente desativam os seus dispositivos de localização pública. As embarcações com falhas de sinal ficaram invisíveis durante mais de 600 mil horas totais, escondendo locais de pesca e mascarando comportamentos potencialmente ilegais, tais como a invasão da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) da Argentina para pescar.

A frota chinesa foi responsável por 66% desses incidentes, que poderiam estar ligados à atividade ilegal. Por exemplo, em abril de 2020, cerca de 100 “squid jiggers” (nome dado aos barcos que praticam a pesca industrial do calamar), na sua maioria de bandeira chinesa, foram pegos supostamente pescando ilegalmente nas águas nacionais da Argentina, cada um com os seus dispositivos públicos de localização desligados. As interações entre a Guarda Costeira Argentina e as embarcações pesqueiras suspeitas de pesca ilegal evoluíram para a violência, com alguns considerando literalmente “uma guerra”.

Outras conclusões:

  • Da pesca ocorrida nas águas nacionais da Argentina, as frotas de quatro países foram responsáveis por 95% da atividade pesqueira visível.
  • Os navios chineses eram os que mais pescavam ao longo das águas da Argentina, com mais de 400 navios responsáveis por 69% do total da atividade de pesca visível.
  • As embarcações coreanas, espanholas e taiwanesas realizaram 26% da atividade pesqueira, com cerca de 200 embarcações durante aproximadamente 251 mil horas.
  • Quase 90% das embarcações espanholas que pescaram ao longo da costa argentina pareciam desligar os seus dispositivos de localização pública pelo menos uma vez, e as embarcações espanholas passaram quase o dobro do tempo com dispositivos desligados.
  • 56% das embarcações que pareciam ter lacunas no AIS se envolveram em eventos de transbordo no mar. Durante o transbordo, os navios de pesca podem transferir sua captura para navios de carga refrigerados. O transbordo no mar é um elo fraco na cadeia de abastecimento de frutos do mar, pois o controle é dificultado, permitindo que peixes capturados ilegalmente sejam misturados com a captura legal.
  • Dos navios com inconsistências no sinal do AIS, 31% visitaram o Porto de Montevidéu, no Uruguai, no final da sua viagem. Este porto tem sido reportado como um “hub” para navios envolvidos em atividades ilegais.
  • Mais de dois terços das embarcações e mais da metade de toda a pesca (575.294 horas) pode ser atribuída a jiggers de calamares, que eram o tipo de pesca mais utilizado.
  • Embarcações que operam com redes de arrasto de fundo foram responsáveis por grande parte da pesca restante (255.455 horas).

Antecedentes

O extenso mar Argentino possui enorme abundância e diversidade de vida marinha, incluindo mais de 330 espécies de peixes das quais 120 são espécies de profundidade, além de uma variedade de enorme de invertebrados. A indústria pesqueira da Argentina movimenta 2,7 bilhões de dólares, cerca de 3,4% do seu produto interno bruto. Essa indústria é sustentada por quatro recursos pesqueiros: calamar argentino, merluza, camarão vermelho, e o granadeiro (ou hoki) – que representam 75% do total das capturas do país. O calamar argentino é especialmente valioso, uma vez que é a segunda maior pesca global de lula e metade das capturas mundiais provêm das águas argentinas.

A cada ano, a pesca dessa espécie gera uma média de 597 milhões de dólares para a economia da América do Sul e, em anos particularmente favoráveis, pode gerar quase 2,4 bilhões de dólares. Essas lulas têm um ciclo de vida curto, vivendo, reproduzindo e morrendo em apenas um ano, aproximadamente. Como os estoques do calamar argentino possuem uma distribuição muito ampla, ocorrendo até mesmo em águas internacionais, a pesca excessiva e pouco controlada realizada por frotas que operam em águas distantes de seu porto de origem (como as frotas chinesas e espanholas) pode ter grande impacto nas populações durante os próximos anos. Os calamares argentinos são um elo fundamental na cadeia alimentar, tornando essas perdas populacionais ecologicamente devastadoras.

Gestão pesqueira no Brasil

No Brasil, um dos maiores desafios para promover a sustentabilidade dos oceanos está ligada à necessidade da modernização da gestão pesqueira do país. A geração de dados por meio de sistemas como mapas de bordo e o rastreamento por satélite devem ser aplicados à toda a frota pesqueira brasileira, garantindo transparência no acesso à informação.

Pensando nisso, a Oceana Brasil, em parceria com a Aliança do Atlântico para o Atum Sustentável (Aliança do Atum) e a Global Fishing Watch lançou a iniciativa OpenTuna, que se trata de uma plataforma online que disponibiliza os dados de mapas de bordo e de rastreamento por satélite da frota de espinhel de superfície que captura atuns, praticamente em tempo real.

Os primeiros resultados já foram apresentados, provando a necessidade da modernização da coleta e sistematização de informações, gerando transparência e a adoção de novas medidas para a melhora das práticas a bordo, visando promover a sustentabilidade da atividade pesqueira no país.

Apesar de ser apenas um piloto, a plataforma mostra o que deveria ser feito e adotado pelo governo para toda a frota comercial brasileira. A transparência nas informações de pesca são essenciais para que o trabalho de pesquisadores e até do próprio governo seja mais simples, contribuindo diretamente para uma cadeia de produção com pescados de melhor qualidade e rastreabilidade total da produção.