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Organização Mundial do Comércio permite o subsídio à sobrepesca

Oceana diz que OMC faz política com as vidas de milhões de pessoas que dependem de populações de peixes saudáveis para a subsistência e a segurança alimentar

Março 19, 2024

OMC não cumpre acordado e subsídios bilionários ameaçam espécies marinhas e segurança alimentar
OMC não cumpre acordo e subsídios bilionários ameaçam espécies marinhas e segurança alimentar Foto: Oceana / Juan Cuetos

Durante a 13ª Conferência Ministerial (MC-13), da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada entre os dias 26 de fevereiro e 1º de março., em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), os ministros não conseguiram finalizar um adendo ao Acordo sobre Subsídios à Pesca, que tinha potencial para reduzir subvenções prejudiciais que levam à sobrepesca. Esse revés prolonga a sequência de duas décadas de fracassos da OMC na proibição desses incentivos, um compromisso que a organização assumiu pela primeira vez em 2001 na 4ª Conferência Ministerial (MC-4), em Doha (Catar).

A expectativa era de que os dois terços dos membros tivessem aceitados os instrumentos ao Acordo sobre Subsídios à Pesca, aprovado em 2022 na 12ª Conferência Ministerial (MC-12), em Genebra (Suíça). O documento é um importante marco para a sustentabilidade dos oceanos, proibindo os subsídios prejudiciais às pescas, que são um fator-chave para o esgotamento generalizado das unidades populacionais de peixes do mundo. A minuta do Acordo incluía medidas que poderiam ter ajudado a corrigir esse desequilíbrio global. Sem essas ações, essas práticas continuarão.

Analista sênior da Oceana, Dr. Daniel Skerritt destaca que esse resultado não apenas é decepcionante, mas também é um golpe terrível para a biodiversidade marinha global.

“Os nossos governos falham ao não olhar além do curto prazo, dos seus próprios interesses, priorizando o jogo político em detrimento de um acordo que beneficie a todos. A OMC tem falhado continuamente em proibir a sobrecapacidade e a sobrepesca estimuladas por subsídios, prejudicando a vida de milhões de pessoas que dependem de populações de peixes saudáveis para a sua subsistência e sua segurança alimentar”, avalia Daniel Skerritt.

O Acordo sobre Subsídios à Pesca representa uma conquista para a proteção da vida nos oceanos uma vez que desestimula subsídios de bilhões de dólares para que os países custeiem suas frotas pesqueiras especialmente em águas além da sua jurisdição nacional, agravando o quadro de sobrepesca, quando se estabelece risco biológico às espécies capturadas de forma excessiva, ficando sem capacidade de reprodução para garantir de forma segura a continuidade daquela população.

Posicionamento da Oceana

“Sem peixe, é o fim”, diz Dr. Rashid Sumaila, membro do Conselho da Oceana. Foto: Acervo / Oceana

De acordo com pesquisas apoiadas pela Oceana, os subsídios prejudiciais à pesca concedidos pelos dez principais países pesqueiros do mundo, dentre os quais Estados Unidos, China e Japão, têm um impacto desproporcional sobre as nações em desenvolvimento, que são vulneráveis e dependem dos pescados para segurança alimentar e a subsistência.

Membro do Conselho da Oceana e importante economista pesqueiro, Dr. Rashid Sumaila aponta que a maioria dos estoques pesqueiros está totalmente explorada ou sobrepescada.

“Sem peixe, é o fim. Dado o enorme esforço despendido por tantas pessoas desde 2001, o fato de a OMC não ter tomado medidas eficazes para retirar os subsídios à sobrepesca põe em dúvida a capacidade da organização de tratar desses acordos”, observa Rashid Sumaila.

A Oceana apela aos membros da OMC para que mudem o foco, primeiro ratificando e, depois, fortalecendo o Acordo, para que ao menos sejam proibidos os subsídios à a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (INN) e à pesca de estoques pesqueiros esgotados. Até o momento, 70 membros ingressaram com “o instrumento de aceitação” do Acordo, o que significa que para a entrada em vigor faltam 40 aceites.

Uma vez ratificado, o Acordo poderá ser rescindido caso não sejam estabelecidas normas abrangentes num prazo de quatro anos. Essa cláusula de caducidade não é apenas uma salvaguarda contra eternas negociações fracassadas na OMC. É também um prazo tangível, que demonstra a urgência necessária do processo.

“Esse mecanismo oferece um vislumbre de esperança, um cronograma com um prazo concreto para acabar com o impasse de duas décadas, e instiga a OMC a provar o seu compromisso com a sustentabilidade global. Agora, cabe aos membros ratificar e implementar o acordo. O mundo está observando”, acrescentou Skerritt.

Os males dos subsídios

Subsídios favorecem a pesca excessiva distante do litoral. Foto: Oceana/Juan Cuetos

 No mundo, há um indicativo alarmante de esgotamento dos estoques pesqueiros. O que tem reduzido a receita de grandes países com vocação histórica para o setor. A baixa de peixes no litoral tem levado as frotas para a atuação em águas cada vez mais distantes de seus portos de origem, aumentando seu custos operacionais, considerados elevados por conta da construção e manutenção de embarcações, aquisição de instrumentos e consumo de combustíveis.

Nesse contexto, é que entram os subsídios à pesca. Países, como China, Japão, Coreia do Sul, Rússia, Estados Unidos e Tailândia, em vez de desenvolverem políticas para a regeneração biológica dos estoques e a recuperação econômica da atividade, optam por aportar gigantescas quantias financeiras que visam reduzir artificialmente os custos de produção de uma atividade economicamente ineficiente em muitos locais do globo. Estima-se que por ano cerca de 22,4 bilhões de dólares são aportados na forma de subsídios prejudiciais à pesca. O que encoraja o aparecimento da pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (INN)

Ao ser comparado a esse bloco, o Brasil aplica poucos subsídios à pesca. O principal programa existente refere-se a subvenção econômica do óleo diesel das embarcações por meio da desoneração fiscal. No entanto, esse aporte à pesca industrial brasileira não é acompanhado de uma avaliação sistemática da situação dos estoques e das pescarias. Temos, hoje, uma Lei da Pesca obsoleta, sem a devida transparência de dados, governança, e um sistema eficaz de fiscalização contra a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (INN). Dessa forma, esse incentivo brasileiro, mesmo que “tímido”, pode estar contribuindo com a redução dos estoques pesqueiros.

Linha do Tempo

2001 – As negociações na OMC sobre o tema foram iniciadas na 4ª Reunião Ministerial (MC-4), realizada em Doha.

2017 – A 11ª Reunião Ministerial de Buenos Aires (MC-11) decidiu trabalhar na construção de um acordo visando alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14: “Até 2020, proibir certas formas de subsídios à pesca, que contribuem para a sobrecapacidade e a sobrepesca, e eliminar os subsídios que contribuam para a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (INN)”. O prazo fixado para que o acordo fosse alcançado era 1º de janeiro de 2021.

2020 – O Brasil apresentou uma proposta ousada para reduzir gradativamente os subsídios à pesca mundial. Inspirada no conceito de seu Imposto de Renda (quem recebe mais está sujeito a uma alíquota maior), a proposta criava categorias de grandes, médios e pequenos subsídios com metas de redução distintas entre as nações que se enquadravam em cada categoria.

2022 – O Acordo sobre Subsídios à Pesca da OMC é aprovado na 12ª Conferência Ministerial (MC-12), conhecido como “Pacote de Genebra’. Na opinião da Oceana, o documento ficou muito aquém da expectativa das discussões iniciais. No entanto, países membros chegaram em consenso em temas pontuais, como não subsidiar a pesca INN.

2024 – Frustração total marcou a 13ª Conferência Ministerial (MC-13), com a não ratificação do Acordo sobre Subsídios à Pesca.