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Países compartilham boas práticas em gestão da pesca durante Simpósio

Julho 9, 2015

Especialistas da Austrália, Estados Unidos, Noruega e Chile apresentaram as principais dificuldades e soluções encontradas por seus países na construção de sistemas de gestão pesqueira de sucesso durante I Simpósio Internacional sobre Manejo de Pesca Marinha, organizado pela Oceana. Várias experiências podem ser adaptadas e aplicadas no Brasil.

Austrália

Dr. David Smith, pesquisador do CSIRO (Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Austrália), explicou que a gestão pesqueira na Austrália é focada na sustentabilidade. As pescarias comerciais na Austrália são relativamente pequenas se comparadas aos padrões mundiais, mas, mesmo assim, possuem uma grande importância regional, social e política. Uma grande proporção das capturas é composta por espécies de alto valor comercial que são, em sua maioria, exportadas.

Os órgãos de gestão de recursos naturais da Austrália adotam uma política de desenvolvimento ecologicamente sustentável. De uma forma geral, essa política é implementada nas pescarias do país através da adoção de uma abordagem ecossistêmica de gestão pesqueira.

Cada estado australiano faz seu próprio manejo e gestão da pesca. No entanto, o setor segue também normas federais. Há três leis específicas para o setor pesqueiro: a Lei de Manejo das Pescarias – que é a principal legislação em termos nacionais, e que tem como objetivo a sustentabilidade biológica; a lei que trata dos comitês de aconselhamento da gestão das pescarias; e uma terceira lei voltada para a proteção ambiental e a conservação da biodiversidade. “A legislação ambiental determina que as pescarias demonstrem sua sustentabilidade, sendo que as gestões participativas ou compartilhadas também são elementos centrais do sistema”, afirmou.

Ao longo da última década, a Austrália vem desenvolvendo um conjunto de ferramentas de avaliação e manejo para apoiar o modelo ecossistêmico de gestão pesqueira, incluindo estratégias de explotação, avaliações de risco, modelos de gestão espacial, avaliação de estratégias de gestão e modelagens estatísticas que consideram a “pescaria como um todo”.

Dr. Smith explicou que a Austrália conseguiu reduzir a zero os seus níveis de sobrepesca de espécies ameaçadas. Não foi fácil, segundo ele, mas o país conseguiu alcançar o objetivo usando pragmatismo, ordenamento e um processo de amplo diálogo com todos os setores pesqueiros. “É preciso envolver todas as modalidades de pescas – esportiva, de subsistência, indígena, e não só a comercial”.

O pesquisador revelou que as estratégias de explotação e avaliações de risco ecológico são componentes-chaves usados pelo governo australiano para a gestão das suas pescarias. A estratégia de explotação é um plano que define as ações de manejo necessárias para atingir objetivos pré-determinados e acordados com todos os setores envolvidos em cada pescaria. Essa estratégia deve definir um processo para o monitoramento e avaliação do estado biológico e econômico da pescaria, além de  regras que controlam a intensidade da atividade pesqueira de acordo com as condições biológicas e econômicas definidas pela avaliação dos estoques.

Em 2007, a Austrália implementou uma política chamada de Estratégia de Explotação (Commonwealth Harvest Strategy Policy). Essa política tem como meta o máximo rendimento econômico de uma pescaria e define a metade da biomassa no rendimento máximo sustentável como o limite. A estratégia australiana tem como foco espécies de interesse comercial, mas considera também os impactos ecossistêmicos mais gerais da pesca, como o impacto nos habitats, espécies de menor importância e a captura acidental da fauna acompanhante (bycatch). Dr. Smith explicou ainda que eles usam o princípio da precaução: se não há informações sobre uma determinada espécie eles a consideram como de alto risco.

Em relação ao Brasil, o pesquisador australiano afirmou uma das principais saídas para enfrentar a crise no setor pesqueiro é rever os subsídios empregados na atividade pesqueira de larga escala e redirecioná-los para a pesca artesanal. Para ele, ao contrário do que se pensa, os altos investimentos na pesca industrial reduzem significativamente os estoques marinhos, diminuindo a captura.

A segunda recomendação apresentada por David Smith é a criação de mais reservas marinhas e áreas de proteção ambiental, que contribuiriam para aumentar os estoques de peixes.

Outra recomendação é a adoção de cotas de pesca de algumas espécies pela atividade pesqueira artesanal. Em alguns países, com a Islândia e a Colômbia, esse sistema foi implantado de maneira vitalícia.

A última solução apresentada pelo Dr. Smith foi a recuperação dos estoques, por meio de uma legislação que exigisse taxas mínimas de recuperação, a exemplo do que existe na Noruega.

Estados Unidos

“O gerenciamento da pesca nos Estados Unidos é complicado como no Brasil”. A declaração foi dada pelo Dr. Steven Murawski, professor da Universidade do Sul da Flórida. Mesmo com uma Lei Federal da Pesca (Magnuson-Stevens Fishery Conservation and Management Act) vigorando há quase 40 anos ainda há muito que fazer, segundo ele.  

A Lei Federal da Pesca é de 1976 e já sofreu várias emendas. Ela estabelece o papel dos cientistas, gestores e reguladores, define desempenho das áreas da pesca e cria os oito conselhos regionais da pesca que existem no país, com funções específicas. Em 2007, a legislação foi revisada para ajustar problemas crônicos. Um desses desafios é a sobrepesca, que até o momento não acabou no país. “Apesar disso, estamos fazendo progressos            “.

Segundo Dr. Murawski, a pesca é muito importante economicamente nos Estados Unidos. De cada 73 empregos, um tem a ver com a pesca. Além disso, o país tem 11 milhões de pescadores recreativos, o que dificulta a fiscalização.

Em sua segunda palestra, Dr. Steven Murawski falou sobre os resultados de planos de recuperação e manejo, fazendo um balanço positivo: evidências compiladas por estudos científicos demonstram que os estoques aumentam quando a pesca é restringida ou suspensa. O fechamento de áreas de extração de vieiras em George Bank, Estados Unidos, em 1994, fez a biomassa da espécie quintuplicar em poucos anos, por exemplo.  

Ele citou também os fechamentos forçados ocorridos durante a I e a II Guerras Mundiais, quando a pesca parou na Europa por causa do conflito, e os resultados observados depois – o aumento na população de peixes em níveis superiores aos existentes antes. Mas observou que “a moratória (da pesca) é um instrumento de manejo duro, que afeta muitos setores da sociedade. Planos de manejo devem ser feitos para evitar que seja necessária uma moratória”.

Dr. Murawski explicou que a recuperação dos estoques de peixes é a norma, mas o tempo envolvido pode variar muito. “É uma gestão de longo prazo, temos que ter paciência”.

Ele apresentou um estudo sobre recuperação de estoques, realizado em 2004 pelos pesquisadores J. F. Caddy e D.J.Agnew. O estudo afirma que a legislação, as características biológicas da espécie e os fatores econômicos são fundamentais para a recuperação de populações excessivamente explotadas. A recuperação é mais efetiva quando existe um mecanismo legal que entra automaticamente em vigor quando a população atinge determinados limites preestabelecidos.

Ele também apresentou um estudo da Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos, de 2013, que conclui que a recuperação de estoques de peixes é possível. Dr. Murawski diz que a reconstrução dos estoques depende da história de vida do animal, do ambiente e da reprodução da espécie; na média, a taxa de recuperação é semelhante à taxa de declínio. Mas se a redução da população for excessiva, o tempo aumenta substancialmente. Os planos se tornam mais complexos quando lidam com múltiplas espécies.

Dr. Murawski destacou ainda a necessidade de usar “criativamente” os indicadores existentes nas situações em que existem poucos dados, como no caso do Brasil: taxas de captura, tamanho, conhecimento local, entre outros, podem ajudar a avaliar os estoques remanescentes e sua recuperação.

Finalmente, é preciso pensar o cenário pós-recuperação. “Não é possível recompor os estoques mantendo os mesmos paradigmas de gestão. É preciso fazer diferente”, observou ele, para evitar colapsos futuros quando a espécie recuperada volte a ser pescada. “Os próximos 5 a 10 anos irão determinar se poderemos efetivamente legislar ou administrar a recuperação dos estoques pesqueiros”.

Noruega

O representante do Ministério da Pesca da Noruega Johán Williams falou sobre o exemplo norueguês com as cotas de pesca, que prioriza a pesquisa e a coleta de dados para uma gestão pesqueira de qualidade, por meio da cooperação científica com o Conselho Internacional para Exploração do Mar. Esta entidade foi estabelecida há mais de um século e orienta a explotação dos recursos pesqueiros do Mar do Norte. Os cientistas dos países da região se reunem, compartilham informações sobre os estoques e fazem recomendações para os governos sobre as cotas de pesca que podem ser adotadas sem risco.

Segundo ele, por ser uma nação que depende da pesca como importante fonte de renda e exportação (os recursos pesqueiros são o segundo item na pauta de exportações do país, atrás somente do óleo e gás), a Noruega adotou desde cedo um conjunto de medidas regulatórias que gradualmente se desenvolveram na forma da legislação de gestão pesqueira atual: as leis de Recursos Marinhos, Participação e Venda de Primeira Mão.

As bases da pescaria norueguesa são negociadas anualmente por meio de acordos de cotas bilaterais para os estoques compartilhados, e acordos entre estados costeiros sobre estoques migratórios compartilhados por três ou mais países. Noventa por cento dos peixes capturados pelos pescadores noruegueses vêm de estoques compartilhados com outros países. Para que esses estoques sejam manejados de forma sustentável, esse compartilhamento requer intensa cooperação entre as nações pesqueiras do Atlântico Norte.

Williams também disse que os interesses políticos conflitantes têm sido considerados ao longo dos anos e modificados gradualmente para dar espaço a um regime de gestão que visa balancear os desafios sociais, econômicos e ambientais enfrentados pela gestão pesqueira. A redução severa de um estoque pesqueiro também levou à reorganização e a novas abordagens. A experiência norueguesa apresenta um caminho possível para a gestão pesqueira, ‘mas a distância até o sucesso ainda é longa’. Ele citou como exemplo o caso do bacalhau: há 10 anos, os estoques estavam baixos e congitou-se a suspensão da pesca, mas o elevado custo social para pescadores fez com que a Noruega permitisse a continuação da pescaria, em níveis mais baixos, o que fez com que a recuperação fosse mais longa. Hoje, os estoques estão recuperados e permitem capturas de 1 milhão de toneladas.

Williams apresentou uma lista de prioridades para 2016. São elas: continuar desenvolvendo o programa de gestão para o Mar do Norte; a revisão das medidas de gestão da pesca do camarão; mapeamento das espécies e distribuição da pesca na Noruega; recuperação do que se perde nas redes; e teste da tecnologia de liberação de peixes para evitar a mortalidade indesejada nas redes de arrasto do bacalhau.

“Não dá para solucionar o problema pesqueiro somente dentro do próprio setor”, declarou Williams. Para ele, é preciso mudar a tradição e oferecer outras opções para jovens pescadores. Citou a Malásia como exemplo ao dizer que o país obteve sucesso ao tirar pessoas da atividade. “Lá, não existe um bom plano de manejo, mas a economia do país exige que os jovens filhos de pescadores saiam do setor. Não é porque seu pai é pescador que você tem de ser”, observou.

Ele também falou sobre as ações para a melhoria econômica do setor. Dentre elas, aumentar a produção econômica, através de melhores padrões de exploração e redução de todos os tipos de mortalidade indesejada de fauna acompanhante; incorporar características e condições adicionais dos ecossistemas na gestão; e  manter a rentabilidade da pesca, por meio de políticas estruturais.

Chile

O modelo chileno de gestão da pesca é focado em cotas e definição de territórios de pesca. A diretora do curso de biologia marinha e professora do departamento de ecologia da Universidade Católica do Chile, Dra. Miriam Fernandez, apresentou o modelo utilizado no seu país. Ela afirmou que a lei da pesca chilena trata não apenas de cotas, como também da criação dos territórios de gestão para animais que vivem no fundo do mar. A experiência chilena com a mudança do paradigma de gestão do setor pesqueiro começou há cerca de 30 anos.

Segundo ela, para explorar áreas de manejo, os pescadores tiveram que estar organizados, mais especificamente em sindicatos. O tamanho da área manejada pelos pescadores depende de diversos fatores, mas é determinada em boa parte pelo custo financeiro, já que toda área manejada tem um custo equivalente em termos de impostos. “Então, não se solicita áreas imensas para manejo, porque fica muito caro para os pescadores”, disse. Além disso, é preciso definir a espécie alvo a ser explorada, definir a realização de avaliações anuais e propor ao governo a cota a ser explorada.

Para a Dra. Fernandez, é preciso haver maior fiscalização nas áreas de manejo chilenas. “Se isso não ocorrer será cada vez mais difícil fazer a conservação das espécies marinhas, manter os estoques em boa situação de reprodução nas áreas de manejo, garantir uma maior renda para os pescadores e empoderar cada vez mais quem trabalha com pescas artesanais”, detalhou.