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Por que o STF não deve reabrir a pesca de arrasto no Rio Grande do Sul

Outubro 29, 2021

Oceana|Marcos Jatahy

Em audiência pública realizada no dia 22 de outubro, o senador Lasier Martins (Podemos/RS) afirmou que pedirá uma reunião com o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), para tratar sobre a pesca de arrasto no Rio Grande do Sul. A Lei Estadual 15.223/2018  que bane essa prática danosa de pesca em 13.000 Km2 ao longo da costa gaúcha é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6218/2019 que tramita no STF desde agosto de 2019 e foi tema do debate promovido pela Comissão de Meio Ambiente do Senado.  Lideranças da pesca, especialistas da sociedade civil e da academia e o secretário de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento participaram do evento – que pode ser visto aqui.

“Queremos uma audiência para a próxima semana, para pedir que ele [Nunes Marques] coloque [o processo] em pauta urgentemente [pelo plenário do Supremo]”, anunciou Lasier Martins, senador que apresentou o requerimento solicitando a realização da audiência e coordenou a sessão.

Impactos globais

O arrasto é a modalidade de pesca que causa os maiores danos aos ecossistemas marinhos. Nela, redes pesadas são arrastadas por extensas áreas para capturar espécies que vivem próximas ao fundo e, ao fazê-lo, carregam tudo o que está em seu caminho, deixando o ambiente totalmente devastado e impróprio para a sobrevivência das espécies que não foram capturadas. Além disso, são pescarias com altos índices de capturas de espécies não-alvo e, por consequência, de descartes, que podem chegar a 80% – 90%, o que leva à redução da biomassa e perda de biodiversidade.

Segundo dados apresentados pelo diretor-geral da Oceana no Brasil, o oceanólogo Ademilson Zamboni, a pesca de arrasto responde por cerca de 26% de toda a pesca mundial, mas é responsável por 50% dos descartes – o que a caracteriza como uma pescaria de alta eficiência de captura que mascara uma baixíssima eficiência ecológica. Estimativas bem conservadoras da FAO apontam que 4 milhões de toneladas de pescados são descartadas todos os anos.  No Brasil, projeções mostram que entre 2000 e 2018, os descartes da frota de arrasto que desembarca em Santa Catarina chegaram a 218 mil toneladas. Isso significa que para produzir 333 mil toneladas desembarcadas nesse período foi necessário causar a mortalidade de 551 mil toneladas de diversas espécies.

Zamboni afirmou ainda que fechar áreas marinhas à pesca de arrasto é uma medida que se mostra eficaz, especialmente em países onde a gestão pesqueira é precária – como é o caso do Brasil.  Além disso, como o arrasto é um indutor da sobrepesca e da destruição de habitats, sua proibição é uma tendência internacional, como aponta o estudo Impactos da pesca de arrasto no Brasil e no mundo: dados atualizados e tendências globais, elaborado pela Oceana para subsidiar o STF.

A competência dos estados para legislar sobre matérias de meio ambiente e pesca já foi objeto de diversas análises. Em 2019, o então ministro Celso de Mello indeferiu pedido de liminar para suspender trechos da Lei 15.223/2018, alegando ser constitucional a legislação que afastou a pesca de arrasto da costa do Rio Grande do Sul. A pedido do próprio STF, a Procuradoria Geral da República (PGR) também se manifestou pela constitucionalidade dessa lei. Em sua decisão, ao mencionar uma lei do estado do Amapá que igualmente baniu a pesca de arrasto em águas costeiras e foi considerada constitucional pelo STF, Augusto Aras ressaltou que a própria corte já possui entendimento firmado sobre a questão.

Em dezembro de 2020, Nunes Marques, que assumiu a relatoria dessa ação, contrariando todas as decisões e os entendimentos anteriores, concedeu uma liminar que libera a operação das frotas de arrasto na costa do Rio Grande do Sul. Ainda não há previsão de data para que o julgamento dessa ADI pelo plenário do STF seja realizado.

Para o diretor da Oceana, os danos causados pelo arrasto equivalem ao uso de “correntões” no desmatamento ilegal da Amazônia. “O arrasto está para o mar assim como o desmatamento está para a floresta. Com a diferença de que, na pesca, essa atividade é legal, já que o Estado brasileiro dá uma autorização para que isso aconteça. Além disso, na floresta, os satélites mostram o desmatamento quase em tempo real, enquanto o que acontece no fundo do mar ninguém vê. Quando os efeitos são sentidos já é tarde demais”, enfatizou.

Futuro da pesca

De acordo com um estudo apresentado pelo pesquisador Luís Gustavo Cardoso, professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), a proibição do arrasto nas 12 milhas náuticas da costa gaúcha resulta no aumento da disponibilidade de peixes, com um potencial de capturas até 700% maior para quatro espécies estudadas.

Além disso, os ganhos em receita seriam até seis vezes maior. “Na pesca de arrasto, peixes pequenos que poderiam crescer e oferecer um potencial maior para a pescaria, com mais biomassa, aumentando o rendimento, são descartados”, afirmou o pesquisador.

Um estudo da Furg, realizado antes da aprovação da lei no Rio Grande do Sul, já havia evidenciado que algumas pescarias de arrasto na região descartavam até 70% do total capturado, causando um impacto direto sobre mais de 20 mil pescadores artesanais.

Na costa do Rio Grande do Sul, a proibição dessa pescaria integra a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca. “A lei garante sustentabilidade ambiental e econômica para hoje e para o futuro. É uma visão ampla, não de curto prazo, afinada com o que está acontecendo no mundo”, pontuou o deputado estadual Zé Nunes (PT/RS).

Agora tem mais peixe

Na prática, o aumento da oferta de peixes já é percebido pelos pescadores desde 2018, quando a lei foi sancionada. “Sou neto e filho de pescador e acompanho as lutas do setor há bastante tempo. A lei 15.223 foi criada para nos ajudar. Agora já está entrando linguado, que não entrava mais na Lagoa dos Patos, bagre, corvina… Mesmo nesse curto espaço de tempo já temos resultado positivo em relação a esses peixes”, afirmou Gilmar da Silva Coelho, presidente da Federação das Colônias de Pescadores e Aquicultores do Rio Grande do Sul.

O representante do Sindicato dos Armadores de Pesca do Rio Grande do Sul (Sindarpes), Alexandre Novo, endossou a demanda do setor pesqueiro gaúcho. “A nossa luta é pela sustentabilidade e pela continuidade da atividade. Queremos que isso saia da gaveta do ministro Nunes Marques e seja votado no STF”, declarou.

Os pescadores da frota de arrasto de fundo estavam representados por Joab Hamilton da Costa, coordenador Técnico da Associação dos Pescadores do Gravatá (SC). Ele afirmou que há 19 anos pesca camarão na costa gaúcha e defendeu a realização da pesca de arrasto dentro das 12 milhas.

Retomada “sustentável” do arrasto?

Em abril deste ano, o governo federal decidiu não reabrir a pesca de arrasto no Rio Grande do Sul por meio da Portaria SAP/Mapa nº 115, até a implementação de um plano para sua retomada “sustentável”.

“Até o momento, a Secretaria de Pesca e Aquicultura não liberou a pesca de arrasto no Rio Grande do Sul, permitida pela liminar do ministro Kassio Nunes Marques, justamente porque precisamos de mais alguns subsídios do setor produtivo e da FAO para essa retomada”, afirmou o secretário da Pesca Jorge Seif Jr. “Se a pesca de arrasto for considerada danosa, destrutiva, sem condições de ser sustentável, vamos sim acatar a proibição, porque queremos o melhor para os nossos mares”, disse. A FAO é o braço da ONU para a Alimentação e a Agricultura, e conduz o projeto Rebyc, base para a proposta do governo federal de “retomada sustentável”, no qual o governo investiu R$ 5 milhões.

Cabe ressaltar que tramita no Senado o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) n° 206/2021, que prevê a suspensão dessa mesma Portaria do Executivo. “Estamos aqui nesta audiência para compilar subsídios para o debate desse tema na Comissão e, mais tarde, no Plenário”, explicou o senador Lasier Martins. O PDL, de iniciativa dos senadores Paulo Rocha (PT/PA), Jaques Wagner (PT/BA), Zenaide Maia (PROS/RN) e Humberto Costa (PT/PE), tem como justificativa o fato do plano do Executivo não apresentar as condições mínimas de garantir a sustentabilidade da pesca de arrasto na costa gaúcha.

A audiência pública se encerrou com um questionamento do deputado Zé Nunes dirigido à SAP e a Seif Jr. Ele perguntou se haveria empenho por parte do órgão e do próprio secretário da Pesca no sentido de agilizar o julgamento da ADI pelo STF “para pacificar esta questão”. Seif se comprometeu positivamente. “Eu creio que nós vivemos num país democrático e que precisamos respeitar as instituições. Então, tudo o que for para ampla discussão, democraticamente, e que tire, dirima todas as questões, os conflitos, nós apoiamos, sim, senhor”, concluiu ele.