STF decide futuro da pesca no Rio Grande do Sul
Lei estadual que proíbe a pesca de arrasto na costa gaúcha entra em votação no dia 23.6. Liberação dessa atividade pode ser drástica tanto para o meio ambiente quanto para milhares de família que dependem da pesca
Junho 21, 2023
No próximo dia 23.6 (sexta-feira), o Supremo Tribunal Federal entra em plenária para julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6218 – e decidir se o estado do Rio Grande do Sul segue com o direito de proteger uma área de mais de 13 mil km² da sua costa. Há quase cinco anos uma lei gaúcha baniu de seu mar territorial a pesca industrial de arrasto de fundo, a mais danosa forma de atividade pesqueira do país. A modalidade chega a descartar 70% das espécies capturadas, que são devolvidas ao mar mortas, provocando alto impacto ambiental e levando os estoques de pescados ao colapso.
“Após a proibição da pesca de arrasto no Rio Grande do Sul, as comunidades locais relatam que o peixe está de volta, e as outras pescarias estão em franca recuperação. Isso reforça a importância dessa lei para garantir renda e alimento para milhares de pescadores e suas famílias”, explica o diretor-geral da Oceana, o oceanólogo Ademilson Zamboni.
A Lei 15.223, de setembro de 2018, criou a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca, que foi construída com participação de todo o setor pesqueiro local. Desde que foi sancionada, foram várias as tentativas de anulá-la, felizmente, sem sucesso.
Em dezembro de 2019, o ministro Celso de Mello negou uma liminar que pedia a liberação da pesca do arrasto antes da decisão final do plenário do STF. O ministro argumentou que os estados têm competência constitucional para legislar concorrentemente com a União em tema de defesa do meio ambiente e pesca, inclusive estabelecendo medidas para proteção do ambiente marinho. Esse é, também, o entendimento de diversos juristas e, inclusive, do atual Procurador Geral da União, Augusto Aras, que se manifestou no caso indicando o indeferimento da Ação.
União pela aprovação
Em junho de 2022, a bancada gaúcha no Congresso, lançou manifesto pluripartidário em defesa da constitucionalidade da Lei estadual. Na época, o deputado federal, Giovani Cherini, reeleito em 2022, foi contundente. “Diante de questionamentos sobre a constitucionalidade ou não da lei que proibiu o arrasto e melhorou em muitas vezes a qualidade da pesca no litoral gaúcho, pedimos urgência ao Supremo. Que esse tema seja logo analisado e que tenhamos uma decisão definitiva sobre essa matéria, para que possamos garantir a continuidade da pesca hoje e no futuro”, declarou o parlamentar.
A expectativa das comunidades pesqueiras artesanais de todo o Brasil, comunidade científica, organizações da sociedade civil e políticos locais e federais é de que a pesca de arrasto não mais ocorra naquela parte do nossa costa brasileira. “Essa legislação é uma conquista histórica construída pelo setor pesqueiro gaúcho e com o suporte técnico da Oceana. Um resultado negativo no STF seria um revés para o meio ambiente e para as comunidades pesqueiras, que viram seus estoques se recuperarem nos últimos anos, beneficiando milhares de pescadores artesanais, além dos pescadores de outras modalidades que não praticam o arrasto”, observa Zamboni.
Pescador de Capão da Canoa, Waldomiro Hofman conta que antes “os barcos arrastavam, e a beira de praia era um tapete de peixes mortos do descarte que faziam”. Agora, com a frota industrial atuando mais longe da costa, a abundância de cardumes voltou a região. A sensação é comum em toda a extensão do litoral. “Nós vimos uma melhora muito grande nas capturas. As pescarias estão muito melhores agora, tanto na quantidade quanto na qualidade dos peixes. As pessoas estão pescando com mais capacidade. Está bonito de se ver”, comemora Salomar do Canto, presidente da Associação dos Pescadores de Xangri-lá.
A Oceana divulgou no Youtube o documentário inédito “12 Milhas — Uma Luta Contra a Pesca de Arrasto”, que mostra, a partir de depoimentos de pescadores e pescadoras artesanais, cientistas e ambientalistas, que desde que o arrasto foi proibido, muitas espécies de peixes voltaram ao litoral gaúcho. Além de destacar o antes e depois, “12 Milhas” aponta os riscos que a derrubada de uma legislação como essa pode ter.
Cinco motivos para banir a pesca de arrasto de fundo
1. Proteção da biodiversidade marinha: A pesca de arrasto, especialmente quando praticada em escala industrial, é altamente destrutiva para os ecossistemas. Ao arrastar redes pesadas pelo fundo do mar, ela causa danos significativos aos habitats, alterando a estrutura e composição dos ecossistemas. Sua proibição ajuda a preservar o ambiente marinho e a proteger a diversidade de espécies que dependem deles para se alimentar e reproduzir. Com ecossistemas saudáveis, a própria pesca de torna mais produtiva.
2. Manutenção dos estoques pesqueiros: A pesca de arrasto é pouco seletiva, e além de capturar grandes volumes de pescado, também captura muitas espécies sem interesse comercial ou em tamanhos muito pequenos para serem comercializadas. O resultado são descartes nas operações de pesca que podem chegar a 90% de tudo o que é retirado do mar. Isso resulta em sobrepesca e na diminuição drástica das populações de peixes. A proibição do arrasto nas águas rasas contribui para a gestão sustentável dos recursos pesqueiros, permitindo que as populações de peixes se recuperem e se mantenham abundantes a longo prazo.
3. Conservação de espécies ameaçadas: Muitas espécies marinhas, como tubarões, raias e tartarugas, são frequentemente capturadas acidentalmente na pesca de arrasto. Essas capturas incidentais (ou acidentais) podem ter um impacto devastador em populações já ameaçadas ou em declínio. A proibição do arrasto ajuda a proteger essas espécies e a promover sua recuperação.
4. Proteção das comunidades pesqueiras artesanais: A pesca industrial de arrasto em áreas próximas da costa esgota os recursos pesqueiros locais e gera uma competição desleal com pescadores artesanais que pescam nas lagoas e nas beiras de praia. O afastamento da pesca de arrasto assegura que os estoques de peixes possam ser pescados por comunidades artesanais tradicionais, que não possuem tecnologia nem investimento para buscar os pescados em águas distantes.
5. Fechamento de áreas é importante ferramenta: No Brasil, a gestão da pesca é extremamente deficiente, marcada por ausência de dados, inoperância do poder público e, como consequência, por um conjunto de normas muito permissivas. Com pescarias de alto impacto potencial sem praticamente nenhuma gestão, escolher estrategicamente áreas onde certas modalidades – como o arrasto – não podem ocorrer é uma medida altamente eficaz para garantir a manutenção da própria atividade pesqueira.
Linha do tempo:
- Setembro de 2018 – Assembleia Estadual do Rio Grande do Sul aprova a Lei Estadual nº 15.223, que proíbe a pesca de arrasto na faixa litorânea até 12 milhas náuticas.
- Setembro de 2019 – Ajuizada a ADI 6218 no STF, de autoria do Senador Jorginho Melo do Partido Liberal de Santa Catarina, questionando a constitucionalidade da Lei Estadual.
- Dezembro de 2019 – Ministro Celso de Mello julga pedido de liminar e decide pela constitucionalidade dessa Lei Estadual.
- Dezembro de 2020 – Ministro Kassio Nunes Marques, substituto de Celso de Mello no STF, revisa decisão prévia, concede liminar ao Partido Liberal, liberando a pesca de arrasto no litoral gaúcho até que o plenário da Corte julgue definitivamente a ADI.
- Janeiro de 2021 – A Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SAP/Mapa) decide não reabrir a pesca de arrasto imediatamente, e concentra esforços na construção de um plano de gestão para a pesca de arrasto naquele estado.
- Abril de 2021 – Em apenas 3 meses, o governo federal conclui e lança o Plano para a Retomada Sustentável da Atividade de Pesca de Arrasto na Costa do Rio Grande do Sul.
- Março de 2022 – Portaria nº 634/2022, da SAP/Mapa autoriza a retomada da pesca de arrasto de camarão no litoral gaúcho.
- Abril de 2022 – Justiça Federal da 4ª Região atende a pedido de liminar da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (PGE-RS) e decide pela suspensão do Plano de Arrasto do governo federal dada sua de inconsistência técnica.
- Junho de 2022 – O TRF4, respondendo ao agravo impetrado pela Advocacia Geral da União, referenda o posicionamento da Justiça Federal e mantém suspenso o Plano de Arrasto.
- Abril de 2023 – Oceana lança o documentário “12 Milhas — Uma Luta Contra a Pesca de Arrasto”.