A temporada de pesca da sardinha, a maior pescaria do Brasil, abre sem monitoramento oficial
Falta de coleta de dados compromete o manejo da espécie, alerta a Oceana Brasil
Fevereiro 27, 2015
Brasília – A temporada 2015 de pesca da sardinha, que começou em 15 de fevereiro, está acontecendo sem qualquer coleta de dados de desembarque por parte de órgãos governamentais. A falta de dados oficiais, de livre acesso e coletados com metodologia padronizada inviabiliza o manejo desta que é a principal pescaria do Brasil.
O alerta foi divulgado hoje pela Oceana Brasil. “O monitoramento já deveria ter começado. O pico dos desembarques da pescaria se dá exatamente na abertura da safra, que começa ao final do defeso. Então, não ter registros desses desembarques desde o início é fatal”, afirma Mônica Brick Peres, diretora geral da Oceana Brasil e vice-presidente da Oceana Internacional.
Segundo a organização, estão sendo realizadas coletas fragmentadas de dados por instituições estaduais e privadas, o que inviabiliza a consolidação e a comparação com anos anteriores. “Essas iniciativas são valiosas e os dados que temos dos últimos anos vêm dessas coletas, mas precisamos ter um sistema padronizado de coleta continua de dados oficiais em nível nacional”, completou Mônica Peres. “Sem dados, não é possível fazer ordenamento pesqueiro desse que é o principal recurso alimentar marinho, que sustenta a frota pesqueira mais moderna do país e gera milhares de empregos”.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentação, a indústria de conserva de sardinha movimenta cerca de R$ 1,5 bilhão ao ano. A sardinha representa cerca de 22% de toda a captura de peixes marinhos na costa brasileira: em 2013 foram pescadas 98,6 mil toneladas de sardinha, e as últimas estimativas indicam um estoque com cerca de 100 mil toneladas. O Brasil também importa sardinhas, que abastecem cerca de 10% do mercado nacional. Entre 65% e 70% de toda a sardinha pescada é destinada à indústria de conserva, sendo o restante comercializado na forma de peixe congelado ou fresco. Os maiores produtores de sardinha do Brasil são os estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina, os quais concentram as principais sedes da frota nacional de traineiras que praticam a pesca da sardinha. Atualmente, cerca de 160 embarcações estão registradas, sem contar os barcos que operam sem registro.
Desde 2008, não são realizadas coletas sistemáticas e regulares de dados sobre captura, esforço e desembarques das pescarias em nível nacional. No caso da sardinha, a coleta sistemática de dados foi interrompida em 2012, continuando apenas em alguns estados de modo fragmentado. “Até então, os dados de sardinha eram bastante adequados e serviram para orientar a tomada de decisões, garantindo respostas em tempo hábil que foram importantes para a sustentabilidade dessa pescaria”, explica Monica Peres. A importância do monitoramento para orientar políticas de manejo foi demonstrada no início da década passada, quando a pesca da sardinha entrou em colapso, entre 1999 e 2003, caindo de 120 mil toneladas pescadas em 1997 para algo entre 20 mil e 40 mil toneladas no período. Graças à disponibilidade de dados gerados pelo monitoramento existente na época, o problema foi identificado e foram tomadas medidas que permitiram a recuperação da população de sardinhas a partir de 2004.
Segundo o oceanógrafo Martin Dias, a interrupção da coleta de dados de captura e esforço de pesca é um problema porque inviabiliza as avaliações de estoque, cálculo que determina a quantidade de peixes que podem ser capturados de modo sustentável. “O cálculo depende de uma longa e padronizada série de dados. Anos sem dados geram lacunas que aumentam substancialmente a incerteza dos resultados” afirma Martin Dias. “Quanto mais lacunas, mais tempo levará para se ter novamente avaliações de estoque confiáveis”, completa ele.
No caso da sardinha, a última coleta sistemática de dados, em 2013 e 2014, não foi realizada pelo governo, mas pelo ProSard – Avaliação do impacto do defeso na recuperação da pescaria de sardinha-verdadeira no Sudeste e Sul, projeto de pesquisa financiado pelo CNPq e liderado pela Universidade do Vale do Itajaí – SC (UNIVALI), em parceria com a Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj), Instituto de Pesca – SP (IPESCA), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Pontificia Universidad Católica de Valparaíso – Chile (PUC-Valparaíso). O projeto avalia o ciclo de vida da sardinha-verdadeira em toda sua área de distribuição e o impacto do defeso na recuperação da sua pescaria entre 2000 e 2014; com o encerramento do projeto, os dados deixaram de ser coletados de forma sistemática e padronizada.
O coordenador do ProSard, Dr. Paulo Ricardo Schwingel, que é membro do Grupo de Estudos Pesqueiros – GEP e professor dos cursos de Engenharia Ambiental e Oceanografia da UNIVALI, revela que o maior mérito do projeto foi criar um sistema amostral nos três principais locais de desembarque da sardinha no Brasil (Itajaí, Santos e Rio de Janeiro), mas que a partir deste ano o trabalho está paralisado por falta de recursos financeiros. “Essa situação terá como consequência a falta de informações para o ordenamento da pescaria, colocando em risco sua sustentabilidade”, afirmou ele.
“Esperamos que a sardinha não precise entrar novamente em colapso e acabar na lista de espécies ameaçadas para que volte a ser monitorada”, completou Monica Peres.
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