Brasil resiste a propostas para um Tratado Global efetivo contra a poluição plástica
Agosto 12, 2025
País decepciona ao deixar de encampar iniciativas avançadas na rodada de negociações em Genebra, que se encerram nesta quinta-feira
Enquanto um grupo de mais de cem países apoia propostas avançadas no Tratado Global Contra a Poluição por Plástico, o Brasil – o oitavo maior poluidor plástico do mundo — não se compromete com soluções para essa crise mundial. A rodada de negociações no âmbito da ONU, que deve se encerrar nesta quinta-feira (14) na Suíça, está longe de um acordo. Há uma polarização entre as delegações e uma forte influência de lobistas da indústria petroquímica.
A maioria dos países presentes defende propostas necessárias para fazer frente à crise, como a redução da produção de plásticos problemáticos e a eliminação de uma série de substâncias químicas presentes nesses produtos. De outro lado, países que são grandes produtores e poluidores têm travado as negociações, beneficiando a indústria do plástico e da petroquímica em prejuízo da saúde humana e do planeta.
A delegação brasileira até agora não se comprometeu com propostas claras, deixando dúvidas quanto ao seu posicionamento e enfraquecendo os esforços por um Tratado Global efetivo. Esta é a segunda rodada da quinta sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC-5.2) para desenvolver um instrumento internacional juridicamente vinculante para eliminar a poluição plástica. A primeira parte, que ocorreu em Busan, na Coreia do Sul, em novembro do ano passado, não chegou a um acordo.
Em Genebra, também chama atenção a significativa presença de lobistas do setor petroquímico e de plásticos. Pelo menos 234 operadores da indústria química e de combustíveis fósseis se inscreveram para participar do INC-5.2. Este número é quase quatro vezes maior que a presença de cientistas e quase sete vezes mais que a presença de indígenas.
De acordo com representantes da sociedade civil e da academia, promover medidas globais regulatórias em todo o ciclo de vida do plástico, da produção ao consumo, é fundamental para que o mundo consiga enfrentar os impactos dessa crise na saúde e no meio ambiente. Além disso, as organizações presentes em Genebra esperam ver incluídos no texto a eliminação de plásticos problemáticos, mecanismos de financiamento e o princípio do poluidor pagador, entre outros.
O que dizem os especialistas
Para Lara Iwanicki, diretora de advocacy e estratégia da Oceana, o banimento de plásticos problemáticos e desnecessários pode ser uma alavanca econômica para o país: “Acabar com plásticos problemáticos é também abrir mercado. O Tratado Global pode impulsionar novos negócios de reuso e refil, criar empregos e tornar o Brasil competitivo em um cenário global que já exige soluções sustentáveis. Muitos desses itens já são banidos no mundo e estamos perdendo a chance de liderar essa transição”.
Zuleica Nycz, da Toxisphera, representante da sociedade civil na Comissão Nacional de Segurança Química, enfatiza que o controle e banimento das substâncias perigosas presentes nos plásticos é fundamental e urgente para permitir uma economia circular não tóxica. “Estamos falando de substâncias reguladas em mais de 16 legislações ao nível nacional, e as evidências científicas apontam que estas substâncias representam um risco sério e documentado à saúde humana, causando doenças crônicas, infertilidade, câncer e aumento da mortalidade cardíaca”, afirma.
“Não podemos mais esperar. O mundo precisa de um Tratado para, efetivamente, acabar com a poluição plástica, que já nos afeta a todos diretamente. É uma questão de saúde pública e um problema ambiental. Os plásticos estão em todo o oceano e dentro dos nossos corpos. Os prejuízos já são imensos e serão ainda maiores sem medidas de controle. A poucos meses da COP-30, é crucial que o Brasil demonstre liderança e apoie as propostas que ajudarão a reduzir a demanda por combustíveis fósseis”, disse o engenheiro químico Rafael Eudes, integrante do Comitê Gestor da Aliança Resíduo Zero Brasil.
O gerente de políticas públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, critica o apoio da delegação brasileira à adoção de medidas voluntárias pelos países, em lugar de disposições obrigatórias. “Manter um discurso de compromisso ambiental, mas defender medidas voluntárias nas negociações é totalmente contraditório. O Brasil pode — e deve — ser protagonista neste acordo, exercendo uma liderança real e exigindo um Tratado forte, com regras e propostas concretas para enfrentar a crise do plástico. Caso contrário, favorecerá a superprodução e a poluição. É preciso ter mais ambição para proteger as pessoas, a natureza e o futuro do planeta”, disse.
“O Brasil defende que o Tratado tenha como objetivo principal proteger o meio ambiente e a saúde humana, incluindo um artigo específico sobre o tema. Mas, sem apoiar a redução da produção de plásticos e o banimento de substâncias químicas perigosas, esses esforços não vão realmente proteger a saúde das pessoas”, afirma Alessandra Azevedo, especialista em sustentabilidade do Projeto Hospitais Saudáveis.
Para a diretora executiva da ACT Promoção da Saúde, Paula Johns, a falta de ambição do Brasil em artigos-chave decepciona. “A posição histórica de liderança do Brasil em negociações globais multilaterais é inegável. Já conseguimos enfrentar interesses comerciais poderosos em relação a outros temas complexos, como, por exemplo, na quebra de patentes para enfrentar a crise do HIV-AIDS ou na liderança das negociações da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, apesar de ser o maior exportador de tabaco do mundo. Por isso, é decepcionante que nesta rodada o Brasil não assuma seu papel”, pontua Johns.
“As evidências científicas são claras: a poluição plástica prejudica a saúde humana e o meio ambiente em todo o seu ciclo de vida — da extração à produção, uso e descarte. Esses impactos atingem especialmente comunidades vulneráveis e povos indígenas. Como a produção está diretamente ligada à poluição, reduzi-la é essencial para uma economia mais segura e sustentável. Precisamos nos guiar pela melhor ciência disponível para definir o futuro”, afirma Bethanie Carney Almroth, professora da Universidade de Gotemburgo e co-coordenadora da Coalizão de Cientistas para um Tratado dos Plásticos efetivo.
O mundo produz diariamente, segundo estimativas, cerca de 1,1 milhão de toneladas de plásticos. E menos de 10% disso é reciclado. Ao longo de um ano, são produzidas 400 milhões de toneladas, que dariam para encher 20 milhões de caminhões de lixo. Se enfileirados, dariam a volta ao mundo pelo menos quatro vezes.
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