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Mineração no mar

A indústria da mineração no mar ameaça a saúde – e talvez a própria existência – das espécies que vivem nas profundezas dos oceanos. Essa atividade pode destruir as estruturas físicas do fundo dos oceanos e os ecossistemas que elas abrigam, levantando nuvens de sedimentos que sufocam os organismos. Também alteram a química do mar por muitos quilômetros e geram poluição sonora no oceano profundo, normalmente silencioso.

A Oceana acredita que a mineração em locais como as fontes hidrotermais e os montes submarinos, únicos e biodiversos, jamais deveria ser permitida, e a exploração de nódulos polimetálicos encontrados nas planícies abissais só deve ser autorizada se houver leis de proteção do ambiente marinho abrangentes e baseadas na ciência.

 

A indústria da mineração no mar ameaça a saúde – e talvez a própria existência – das espécies que vivem nas profundezas dos oceanos. Essa atividade pode destruir as estruturas físicas do fundo dos oceanos e os ecossistemas que elas abrigam, levantando nuvens de sedimentos que sufocam os organismos. Também alteram a química do mar por muitos quilômetros e geram poluição sonora no oceano profundo, normalmente silencioso.

A Oceana acredita que a mineração em locais como as fontes hidrotermais e os montes submarinos, únicos e biodiversos, jamais deveria ser permitida, e a exploração de nódulos polimetálicos encontrados nas planícies abissais só deve ser autorizada se houver leis de proteção do ambiente marinho abrangentes e baseadas na ciência.

A mineração em águas profundas é uma indústria ainda recente, voltada à coleta de minerais do fundo do mar, geralmente abaixo de 1.000 metros. Seus defensores argumentam que esse tripo de mineração poderia contribuir com minerais essenciais para a transição energética (dos combustíveis fósseis para tecnologias mais limpas), ao mesmo tempo em que representa uma alternativa mais ecológica à exploração terrestre. Mas essa atividade industrial altamente perturbadora em um ambiente tão remoto, frágil e pouco estudado tem seus riscos, todos ainda pouco compreendidos pela ciência.

Não existe regulamentação sobre a mineração em áreas fora de jurisdições nacionais, ou seja, em alto mar. Sem um firme marco de proteção, combinado com monitoramento e fiscalização rigorosos, a mineração em mar profundo certamente causará danos irreparáveis a ecossistemas que sequer conhecemos em detalhes. Por essas razões:

  • A Oceana apoia a proibição total da mineração em águas profundas em fontes hidrotermais e crostas ricas em cobalto. Na prática, é impossível mitigar os danos causados sobre esses habitats, que muito embora sejam pequenos em termos espaciais, possuem uma elevada biodiversidade.
  • A Oceana apoia uma moratória de toda a mineração em águas profundas de nódulos polimetálicos até que haja regulamentações abrangentes orientadas pelo princípio da precaução[i] e baseadas na melhor ciência disponível.

Além disso, governos e empresas que usam esses metais devem priorizar a redução da demanda por oferta virgem (promovendo mais reciclagem, por exemplo) em vez de ampliar a oferta.

O que é mineração em mar profundo?

A mineração em águas profundas inclui três indústrias distintas, mas relacionadas, definidas pelos tipos de minério que são alvo da exploração:

sulfetos maciços de fontes hidrotermais, crostas ricas em cobalto de montes submarinos e nódulos polimetálicos encontrados em planícies abissais. Esses metais costumam ser usados em baterias de veículos elétricos e outras tecnologias.

Os sulfetos maciços do fundo do mar são estruturas pequenas e discretas produzidas por fontes hidrotermais. Seus depósitos são ricos em ouro, níquel, cobre e outros metais. As fontes hidrotermais abrigam os icônicos ecossistemas cuja descoberta alterou fundamentalmente nossa compreensão sobre o que significa ser um organismo vivo na Terra – a de que formas de vida e ecossistemas inteiros podem existir na ausência de luz solar (Thaler e Amon, 2019). Mesmo fontes inativas hospedam comunidades únicas, que são totalmente distintas do fundo do mar ao seu redor (Erickson et al., 2009).

As crostas de ferro-manganês ricas em cobalto se acumulam nas superfícies dos montes submarinos, formando o substrato ao qual adere a vida marinha. Essas crostas também são ricas em outros metais e elementos raras (Schlalcher et al., 2014). Essas montanhas subaquáticas abrigam colônias de corais e esponjas, sustentando uma abundante rede alimentar e proporcionando habitats fundamentais a peixes e outras espécies.

Na verdade, explorar esses substratos significa remover grande parte do ecossistema associado a cada depósito. As ferramentas de extração no fundo do mar trituram a estrutura na qual está o minério, gerando uma lama de sedimentos e pequenos nódulos que podem ser bombeados para a superfície  para posterior processamento em terra (Van Dover, 2014). Como essa estrutura a ser triturada é um habitat, todos os métodos propostos para a mineração desses depósitos também destroem o ecossistema que vive sobre ele.

Em comparação, os nódulos polimetálicos, ou nódulos de manganês, distribuem-se pela planície abissal, uma imensa parte plana do fundo do mar que cobre 50% da superfície da Terra. Esses nódulos são formados quando os minerais na água do mar se precipitam sobre objetos duros encontrados no leito do mar (a base geralmente é uma pequena estrutura semelhante à casca de uma alga unicelular, mas pode ser objetos do tamanho de dentes de tubarão). Os nódulos repousam na superfície do sedimento, em vastos campos que podem, na densidade máxima, assemelhar-se a um caminho de paralelepípedos (Jones et al., 2021). Animais endêmicos, como esponjas, poliquetas e até corais, se estabelecem e crescem em meio a esses nódulos, enquanto o sedimento abaixo e as águas ao redor abrigam uma vida semelhante ao resto da planície abissal, incluindo estrelas do mar, pepinos do mar e peixes (Amon et al, 2016).

A mineração de nódulos polimetálicos é feita com um trator de esteira que se arrastano solo marinho, semelhante a um tanque. Ele se desloca por muitos hectares de planície abissal, coletando nódulos em grandes áreas ao mesmo tempo que destróios primeiros centímetros da superfície do leito marinho (Paulikas et al., 2020). Os nódulos coletados são bombeados inteiros para uma embarcação na superfície, onde serão preparados para processamento posterior. Como os nódulos estão distribuídos em uma área muito maior do que as fontes ou crostas e estão mais firmemente associados a ecossistemas abissais de fundo, pode haver processos de mineração mais seletivos.

Para todas as formas de mineração em alto mar, o processamento do minério ocorre em terra, usando métodos convencionais, com todos os impactos ambientais subsequentes associados ao refino industrial de metais.

Impactos da mineração no mar 

Os impactos ambientais da mineração no mar profundo ainda são pouco compreendidos e variam significativamente dependendo do minério que está sendo extraído, mas geralmente se enquadram nas cinco categorias a seguir: 

Destruição do ecossistema imediato 

Para a vida que cresce em torno das prospecções para mineração no mar, a destruição será ampla. Tanto nas fontes hidrotermais quanto nas crostas ricas em cobalto, o minério é o habitat (Miller et al. 2018). Não há como extrair o minério sem matar a vida marinha ligada a ele. A mineração de nódulos polimetálicos também será muito destrutiva para qualquer organismo que viva diretamente nos nódulos ou no sedimento ao redor deles (Hein et al. 2020), embora, como os nódulos ocorrem em amplas faixas da planície abissal, o impacto geral sobre esse ecossistema de mar profundo pode ser menos grave do que a mineração de fontes hidrotermais e das crostas dos montes submarinos (Niner et al. 2018). Além disso, ao remover estruturas complexas e criar rastros de veículos e trincheiras, a mineração altera a estrutura e a topografia desses ecossistemas – o que afeta as correntes profundas que são essenciais para a dispersão e a migração de muitas espécies (Gausepohl et al. 2020; Girard et al 2020). 

Nuvens de sedimentos 

A atividade de mineração em águas profundas produzirá nuvens de sedimentos na área explorada, bem como na coluna de água , (Spearman et al. 2020). Essas nuvens têm potencial para sufocar os organismos ao redor da zona explorada e se espalhar por vários quilômetros além da área imediata. O mar profundo costuma ter correntes lentas e água naturalmente parada e clara, de modo que seus organismos evoluíram sem necessidade nem capacidade de expelir sedimentos de suas brânquias e apêndices de alimentação. Essas nuvens de poeira podem causar grandes perturbações nos ecossistemas do fundo do mar (Van Dover et al. 2017). Podem ainda se estender por uma área que varia de dezenas a milhares de quilômetros, alterando o equilíbrio químico natural da meia-água e interrompendo o funcionamento do ecossistema (Drazen et al. 2020). 

Ruído 

A mineração em águas profundas é barulhenta. Veículos coletores se arrastam pelo fundo do mar, também trazendo luz e vibração. A lama de minério é bombeada para a superfície. As embarcações ficam por meses no mesmo local realizando essas operações.  

Em seu estado natural, a paisagem sonora abissal profunda é constante e silenciosa (Chen et al. 2021), mas o ruído em um raio 6 quilômetros de uma área de mineração pode passar de 120 decibéis, o limite estabelecido pelo Serviço Nacional de Pesca Marinha dos Estados Unidos para impactos comportamentais sobre mamíferos marinhos (Williams et al, 2022).  

O ruído produzido pelo sistema de bombeamento e pela embarcação na superfície, pode ter impactos imprevisíveis nas espécies pelágicas e de meia-água. Esse ruído pode causar estresse, interferir na comunicação e na alimentação, e causar a emigração de animais marinhos, desestabilizando os ecossistemas (Drazen et al. 2020). 

Toxicidade 

Os minérios contêm metais que não são prejudiciais em seu estado típico, mas podem se tornar mais tóxicos durante o processo de extração mineral. Novas pesquisas também mostram que os nódulos polimetálicos são altamente radioativos – com concentrações de radiação até 1.000 vezes acima do nível considerado seguro (Volz et al. 2023). O processamento dos nódulos os esmagaria e poderia liberar no ar uma fração dessas partículas, que poderiam ser inaladas. Quando a lama é descarregada de volta ao oceano, os metais radioativos e tóxicos podem envenenar o entorno imediato ou até mesmo se espalhar pelas correntes até os ecossistemas adjacentes e ascender na cadeia alimentar por meio de bioacumulação (Hauton et al., 2017). 

Conflito por espaço 

Embora costume ocorrer fora da vista do público, a mineração em águas profundas tem potencial para causar vários conflitos potenciais por recursos. As crostas ricas em cobalto ocorrem em montes submarinos que também funcionam como berçários e locais de agregação para espécies de peixes comercialmente importantes, colocando esse tipo de mineração em concorrência direta com a pesca comercial (van der Grient e Drazen, 2021). Outros problemas são a sobreposição a cabos submarinos de telecomunicações e até conflitos culturais (Turner et al. 2019), como a ocorrência nos mesmos locais das  rotas de viagem tradicionais da Polinésia e da Melanésia e a Passagem do Meio. 

Quem é responsável por regulamentar a mineração no mar? 

Embora os países costeiros tenham jurisdição e direitos exclusivos sobre os recursos do leito marinho dentro de sua zona econômica exclusiva (ZEE) (UNCLOS, 1982; ISA, 2019), as Nações Unidas (ONU) estabeleceram a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês) para regulamentar a mineração em alto mar (UNCLOS, 1994).  

A ISA está atualmente elaborando o “Código de Mineração”, um conjunto abrangente de regras para regulamentar a prospecção, a pesquisa e a exploração. Embora sua conclusão tenha sido prevista para julho de 2020, esse Código ainda não foi finalizado. Em junho de 2021, a nação insular de Nauru notificou a ISA sobre planos de mineração em águas profundas a ser executados por uma subsidiária da The Metals Company na Zona Clarion-Clipperton (CCZ), no Pacífico Norte, entre o Havaí e o México. Isso desencadeou a “regra dos dois anos”, que estipula que a ISA tem dois anos para finalizar as normas de mineração depois que um país patrocinador a notificar de que uma empreiteira planeja solicitar a aprovação de um plano para iniciar a atividade.  

Em 2023, ainda não está claro como a ISA procederá com as solicitações de licença de mineração após o término da regra de dois anos ou quando terá um Código de Mineração concluído. 

A mineração em águas profundas é única por ser a primeira indústria global para a qual estão sendo desenvolvidas normas multilaterais vinculantes antes da comercialização, representando uma rara oportunidade de entender e  reduzir os possíveis impactos ambientais antes que a primeira tonelada de minério saia do fundo do mar.  

Se for bem-feito, um marco regulatório firme, construído a partir do melhor conhecimento científico disponível e guiado pelo princípio da precaução, pode minimizar os danos à vida marinha. A Oceana está propondo uma moratória na mineração da planície abissal até que esse marco esteja em vigor. 

 

[i] Os quatro elementos do princípio da precaução são 1) diante da incerteza, tomar medidas preventivas, 2) os defensores da atividade assumem o ônus da prova, 3) pesquisar alternativas a atividades potencialmente prejudiciais e 4) incluir a participação do público na tomada de decisões (Kriebel et al. 2001).