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Brasil desconhece a situação de 94% das populações de pescados marinhos que comercializa

Dezembro 8, 2020

A Oceana divulga nesta terça-feira (8/12) uma radiografia da gestão pesqueira no país. A “Auditoria da Pesca Brasil 2020” avalia a legislação, governança, situação dos estoques pesqueiros e regramentos das pescarias marinhas. Entre os resultados da análise, o relatório mostra que não existem informações sobre a situação de 94% dos 118 estoques de espécies-alvo da frota brasileira.

“Este é o primeiro de uma série de relatórios anuais que faremos a partir de metodologia baseada nas orientações da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a FAO. O objetivo é estabelecer um referencial de informações – uma “régua” – para aferir a evolução, retrocessos e inflexões importantes na gestão da pesca nacional e, assim, colaborar para sua melhoria” explica o diretor-geral da Oceana, o oceanólogo, Ademilson Zamboni.

O estudo também constatou que apenas 3% dos estoques possuem limites de captura estabelecidos, ao passo que apenas 8,5% deles estão incluídos dentro de Planos de Gestão.

Metade das 44 pescarias avaliadas possui alguma modalidade de ordenamento, em sua maioria medidas como defesos, tamanhos mínimos de captura, restrições de áreas ou características dos petrechos de pesca que estão espalhadas em centenas de atos normativos.

A outra metade, não possui nenhum ordenamento de pesca ou possui modelo extremamente precário, o que na prática significa “livre acesso” aos estoques marinhos comercialmente interessantes.

Em relação ao padrão operacional das frotas dentro de cada modalidade, o estudo constata que 48% das pescarias brasileiras atuam em áreas onde não há estatística pesqueira. Apenas 23% das pescarias brasileiras são efetivamente monitoradas. Ferramentas como os Mapas de Bordo e o Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite (PREPS), que contribuem para a geração de dados de captura e esforço, são obrigatórios para uma fração reduzida das pescarias (25% e 15%, respectivamente).

Zamboni explica que o cenário encontrado é reflexo de anos de conflitos de competência e instabilidade institucional na pasta da pesca. “Com uma Lei da Pesca vaga e carente de definições claras, de instrumentos e de responsabilidades endereçadas aos órgãos competentes, os estoques pesqueiros e a própria pesca padecem”, afirma Zamboni. “Podemos sim encontrar soluções de curto prazo no monitoramento ou ordenamento de muitas pescarias. Mas uma mudança definitiva, que traga um sopro de modernidade à essa atividade tão importante, somente poderá ser obtida com uma revisão da Lei 11.959/2009 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca no Brasil”, enfatiza.

 

METODOLOGIA

A Oceana realiza auditorias da pesca em diversos países onde atua, com a finalidade de mapear a situação das pescarias e estoques e apontar caminhos para as políticas públicas com o objetivo de manter os estoques pesqueiros saudáveis e produtivos.

No Brasil, a organização construiu um conjunto de 22 indicadores de desempenho e uma metodologia de avaliação do cumprimento aos seus requisitos. Tais indicadores distribuem-se entre quatro componentes:

  • Situação dos estoques/recursos pesqueiros;
  • Grau de ordenamento e monitoramento das pescarias;
  • Funcionamento dos processos de tomada de decisão e acesso às informações sobre a pesca;
  • Qualidade do marco legal que fundamenta o desenvolvimento sustentável da pesca.

 

Os 118 estoques foram analisados com base em metodologias próprias da ciência pesqueira – avaliação quantitativa dos estoques. Também foi verificada a existência de planos de gestão e cotas de captura para cada estoque.

O marco legal que rege a pesca no país foi analisado por especialista em legislação marinha à luz da Lei 11.959/2009, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, a Lei da Pesca.

No que se refere à situação das pescarias, o estudo analisa 44 modalidades de pesca -listadas na Instrução Normativa 10/2011 – e dentro das quais um universo de 19.066 embarcações operam, segundo os dados do Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) de 2017. Vários indicadores foram avaliados para cada pescaria.

O funcionamento dos Comitês Permanentes de Gestão (CPGs) – que eram instâncias de participação pública para apoiar a tomada de decisão política – e o acesso a dados e informações, tais como boletins da produção pesqueira, dados do RGP e memórias e atas de reuniões de gestão, também foram avaliados.

 

RECOMENDAÇÕES

Diante do cenário proporcionado pela “Auditoria 2020”, a Oceana recomenda a modernização da Lei da Pesca no Brasil (Lei 11.959/2009), criando as bases para seu efetivo desenvolvimento sustentável.

Também sugere a ampliação, modernização, funcionamento e transparência do monitoramento pesqueiro, assim como o desenvolvimento de planos de gestão e o estabelecimento de limites de captura para todos os estoques pesqueiros. O detalhamento de cada recomendação consta no estudo.

“Sem uma modernização da política pesqueira nacional, a tendência é seguir com pequenos avanços intercalados por grandes retrocessos, perpetuando um ciclo vicioso que é prejudicial tanto sob a ótica econômica-social quanto ambiental”, alerta o Ademilson Zamboni.

Acesse a íntegra do estudo “Auditoria da Pesca Brasil 2020”