É preciso avançar na gestão da pesca para proteger o nosso mar
Julho 1, 2019
Podemos, individual ou coletivamente, enfrentar o desafio de proteger e restaurar os ecossistemas sob os diferentes eixos que compõem o desenvolvimento sustentável, o qual leva em conta aspectos ambientais, culturais e socioeconômicos. Um campo aberto. Nele, cabe toda sorte de debates que parecem, até aqui, não terem desaguado no mar. Para entrar nessa altercação, proponho uma abordagem, quase uma senha, baseada na gestão dos recursos pesqueiros. Faço uso dela, pois em um cenário global de crescente demanda por alimentos e de voracidade por recursos pesqueiros finitos, é preciso olhar para a porção Atlântica que nos banha e reconhecer que as riquezas excepcionais que o mar nos proporciona não nos dá – em nenhuma hipótese – o direito de abdicar de sua proteção.
A pesca, como atividade indutora de emprego e renda, também pode ser a porta de entrada para impactos ambientais e conflitos de uso de recursos vivos preciosos – tanto em nossas águas, quanto em águas internacionais. No Brasil, entre os desafios para que essa atividade se dê de forma sustentável está o baixo investimento na pesquisa do ambiente marinho e sua associação com a economia da pesca. Sem isso, não temos sequer a chance de gerar conhecimento e informações oficiais públicas que proporcionem uma gestão pesqueira eficaz, garantindo, por consequência, o equilíbrio dos estoques a longo prazo e a proteção do ambiente. Assim, a prática de prestar contas sobre quanto e o que é pescado, onde e como ocorrem essas capturas ainda é um problema a ser solucionado no campo da política pública em seu sentido maior.
O Brasil está há pelo menos uma década sem estatística pesqueira. O último Boletim Estatístico publicado pelo Ministério da Pesca trouxe informações até 2011, com sérias lacunas preenchidas por exercícios de projeção baseados em frágeis dados pretéritos – tudo muito coerente com o arremedo de política então praticada para a pesca. Como consequência, parte das decisões regulatórias termina por se equilibrar na linha tênue das inferências, aumentando o risco de danos ambientais, de pesca ilegal, colapso de estoques, insegurança jurídica e conflitos institucionais.
Proteger os oceanos e garantir o futuro da pesca depende de políticas públicas que indiquem, para cada pescaria, um planejamento estratégico – os chamados “planos de gestão”. Eles precisam ser construídos com base em estatística e no melhor conhecimento científico. Apesar da falta de informações oficiais, é sabido – por meio dos pescadores e dos cientistas – que a situação da pesca e da conservação das espécies marinhas segue uma trajetória crítica no país.
Estima-se que o Brasil possui uma frota de aproximadamente 23 mil embarcações, que inclui modalidades de pesca com alto índice de desperdício, como é o caso de algumas pescarias de arrasto que chegam a descartar 90% do que é pescado. As redes não capturam apenas os peixes alvo, trazendo tartarugas, cetáceos e algumas espécies de aves – o que chamamos de pesca incidental. Impactam ainda habitats e berçários marinhos, que deixam de abrigar espécies inclusive de valor comercial. Se seguirmos o rastro desses problemas vamos chegar na falta de gestão pesqueira – a tal senha – pois nossos recursos dependem de ecossistemas saudáveis e produtivos.
O colapso da pesca da sardinha é o exemplo mais recente dos prejuízos causados pela falta de uma gestão eficaz. Sem a adoção de um plano com embasamento científico, entre 2011 e 2018, vimos a produção reduzir em quase 100 mil toneladas. Fatores ambientais também contribuíram, mas a falta de uma gestão eficaz gerou prejuízos para o setor produtivo e riscos para outras espécies que, na falta da sardinha, tornaram-se alvos da frota de pesca de cerco.
Ainda seria possível transitar por muitos exemplos de como a falta de prioridade dada à gestão da pesca, ou de como os interesses privados, ao se sobreporem aos públicos, nos trouxeram até aqui. Contudo, neste mês em que celebramos os Dias Mundiais do Meio Ambiente (5 de junho) e dos Oceanos (8 de junho) não parece estar posta a opção de abandonar a busca por práticas mais transparentes e por políticas que levem à restauração e ao equilíbrio dos mares. O Brasil deve priorizar a ciência para embasar a construção de normas que definam, com clareza, quem pode pescar, o que pode ser pescado, como, onde, quando e, sobretudo, quanto se pode pescar para garantir o futuro de nossos valiosos ecossistemas marinhos e recursos pesqueiros.
Ademilson Zamboni é oceanólogo, mestre e doutor em Engenharia Ambiental e diretor-geral da Oceana Brasil.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense